ARTIGO | Diretos humanos: só com luta e organização

Atingidos e atingidas no Brasil pouco têm o que comemorar na celebração dos Direitos Humanos deste ano

O dia 10 de dezembro é celebrado internacionalmente como o Dia dos Direitos Humanos porque nessa data, em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

A declaração é uma norma a ser alcançada por todos os povos e nações, e estabeleceu uma proteção universal dos direitos humanos, direitos que qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo poderia esperar e exigir simplesmente por ser humano.

Apesar de sua importância, passados mais de 70 anos de sua proclamação, sabemos que esses direitos ainda são constantemente desrespeitados, quer seja pelo Estado, quer seja por empresas, em situações de injustiça, abuso e discriminação.

A pandemia do coronavírus levantou o véu da profunda crise ambiental, desigualdade social e discriminação racial e de gênero. Crescemos em fome, desigualdade, destruição, e não somos capazes de assegurar o direito à vida e a saúde.

Essa forma de efetivar os direitos das pessoas à saúde, alimentação, água e energia por meio de “mercados”, com a privatização de tudo que é importante para viver, mostrou-se falida e fadada ao fracasso, mas extremamente lucrativa para empresas transnacionais. Cada vez mais as cadeias alimentares estão concentradas nas mãos de poucos, os bens e serviços estão privatizados e explodem os conflitos socioambientais.

No Brasil, esse ano de 2020 não foi diferente. A vida e as condições de vida do povo brasileiro foram afetadas pelas políticas criminosas do governo federal na gestão da saúde e da economia. A retirada de direitos trabalhistas e previdenciários; o desmonte das políticas públicas como o PAA, SUS e Bolsa Família; a paralisação da reforma agrária e a não aprovação dos direitos dos atingidos são exemplos.

De outro lado, foram concedidos privilégios para grandes empresas, por meio de iniciativas para deixar “passar a boiada” que causaram o avanço da destruição ambiental, queimadas históricas na Amazônia, cerrado e pantanal.

Em 2020, o Brasil não semeou direitos, pelo contrário, ceifou vidas, sobretudo de vidas de mulheres, vidas negras e vidas pobres, tudo isso com muita violência e impunidade.

Os atingidos e as atingidas pela destruição das barragens na bacia do Paraopeba e rio Doce gostariam de celebrar esse 10 de dezembro como um dia de justiça, com a tão sonhada reparação em eventos que já aconteceram há muito tempo. Mas não temos muito o que comemorar, pois o que se enxerga é o aumento da vulnerabilidade, dos lucros das empresas e a impunidade vergonhosa.

As populações atingidas sofrem da constante ameaça das empresas de retirar a pouca renda assegurada com programas de auxílio financeiro emergencial. O direito à participação social é vilipendiado pela própria Justiça e sequer têm acesso às informações sobre o que acontece em todas as etapas decisórias dos processos de reparação. São sobreviventes de um poder judiciário elitista e que desconhece a urgência da vida e a necessidade da efetivação dos direitos humanos.

A dor da privatização de um país, do seguimento de uma colonização, é o que amargam as famílias dos moradores do estado do Amapá, que ficaram diversos dias sem acesso à energia elétrica, e seguem com a descontinuidade da prestação do serviço, por conflitos contratuais entre as empresas privatizadas. Aqui há uma inversão, tão comum em nossos tempos: em primeiro lugar os interesses privados e econômicos, depois os direitos humanos. 

O acesso à energia elétrica como uma condição essencial para reprodução da vida das famílias foi uma luta travada pelo MAB nesse ano. Sem energia não se faz comida; sem energia não há internet para as crianças assistir suas aulas. Por isso, a energia deveria fazer parte da cesta básica do povo, enquanto gás de cozinha e enquanto energia elétrica.

Realizamos uma imensa campanha em defesa da Tarifa Social de energia, que é um direito há mais de 10 anos no país, mas nunca foram plenamente efetivado. Nossa luta conseguiu beneficiar mais de 2 milhões de famílias que passaram a ter seu direito à tarifa social de energia reconhecido, mas ainda existem 11 milhões de famílias que tem esse direito e as empresas e agências irregulares do governo não tomam as providências necessárias para assegura-lo.

Mesmo com diversos limites para a consolidação dos direitos das populações atingidas, o MAB, conseguiu, neste ano, alguns importantes avanços na reforma da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), lei nº.12334/2010, com o avanço da taxação de algumas multas, a proibição de barragem a montante.

Ainda está pendente ao Congresso Nacional assegurar a Política Nacional de Direitos às Populações Atingidas por Barragem (PNAB), em trâmite no Senado Federal, que poderá avançar os padrões de direitos humanos para as populações atingidas do país.

Tudo isso nos mostra aquilo que já sabemos, debatemos e difundimos há um bom tempo. Justiça e direitos humanos só com luta e organização. Por isso, celebremos a luta e organização do povo brasileiro nesse dia dos direitos humanos, para delas continuem brotando direitos, flores, pão, água e energia.

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