Em entrevista, o médico Márcio Rodrigues de Castro fez um balanço detalhado da região com uma análise da conjuntura e dos desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) neste momento
Publicado 02/07/2020
Foto: Prefeitura de Ipatinga/Divulgação
A Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA) tornou-se nas últimas semanas um dos epicentros dos casos da Covid-19 em Minas Gerais. No início da pandemia as administrações municipais começaram a tomar medidas para impedir o avanço da doença, mas a pressão política, inclusive do Governo de Minas Gerais, fez a região se tornar um dos focos estaduais mais preocupantes no momento.
No final de abril, a prefeitura de Ipatinga flexibilizou o isolamento social com liberação do comércio, incluindo o shopping center, além de academias e igrejas. Como resposta, o relatório da prefeitura sobre o mês de maio apresentou uma rápida disseminação da doença.
A partir do dia 15 de maio o número de casos foi dobrando, mostrando um aumento do índice de infecção para cada doente transmitindo, em média, para mais duas pessoas. A partir da segunda quinzena o número de casos aumentou 800%, de 30 para 250 casos. Em trinta dias o aumento foi para 2.200%, de 30 para 700 casos. As quatro cidades da Região Metropolitana já registraram 65 mortes pela Covid-19.
O Coletivo de Comunicação do MAB conversou com médico especialista em Clínica Médica e Infectologia Márcio Rodrigues de Castro. Confira:
MAB: Como a região do Vale do Aço agiu no começo da pandemia? Foram tomadas medidas relevantes logo no início? Quais?
Márcio Rodrigues de Castro: Nos meses de março e abril, a região apresentou uma boa resposta à pandemia com as medidas de isolamento social, o fechamento de escolas e do comércio não essencial. A região também foi favorecida pelas medidas bastante rigorosas adotadas na capital, que inclui até restrição à circulação de transporte intermunicipal. Nesse período houve lenta disseminação do vírus com crescimento lento dos casos, com boa capacidade do sistema de saúde e sem óbitos.
Houve resistências de setores políticos e empresariais da região às medidas mais urgentes e necessárias? Como isso impactou no crescimento da pandemia?
Sim, os comerciantes e empresariado em geral exerceram forte pressão junto aos gestores municipais, com apoio de políticos da região, como a deputada Alê Silva (PSL). Diante da pressão, os gestores municipais flexibilizaram, em diferentes escalas, o comercio geral, além de academias e igrejas. Em Coronel Fabriciano chegou-se a abrir escolas, mas tal medida irresponsável foi barrada pelo judiciário. Tais atitudes de flexibilização do isolamento, sem qualquer organização, escalonamento ou monitoramento, teve seu ápice em final de abril. Como consequência, após poucos dias se observou crescimento explosivo dos casos da Covid, com rápida lotação dos leitos de UTI e, consequentemente, crescimento dos casos de morte.
Como você avalia o papel do Estado neste processo? A Secretaria Estadual de Saúde do Governo Romeu Zema (NOVO) apresentou planos claros e fez medidas coerentes para combater a pandemia? E as prefeituras da região?
O governo estadual tem sido absolutamente omisso, inoperante e irresponsável, chegando a estimular à quebra do isolamento e para possibilitar a intencional a circulação do vírus. Atualmente, continua se recusando a tomar medidas de isolamento necessárias ao enfrentamento da Covid, apesar dos níveis alarmantes de disseminação e superlotação das UTI’s.
A SES mantém discurso dúbio, sempre se esquivando das responsabilidades. Até o momento tem disponibilizando, através dos laboratórios estatais (em especial a FUNED) pouquíssimos testes aos municípios, não contribui para estruturação de adequada rede assistencial, principalmente no interior. Minas Gerais, desde o início da epidemia, é o estado que menos testa, realiza até 40 vezes menos teste que estados do Norte e é o responsável pelo maior número de mortes sem testagem do país. O plano de enfrentamento apresentado pela SES teve baixa adesão dos municípios, por não responder as necessidades regionais de forma clara e efetiva.
As prefeituras não se organizaram de forma regionalizada e não sustentaram as medidas de isolamento social, refletindo em acentuada disseminação, que transformaram a região no novo epicentro da epidemia no pais. Não tiveram a capacidade de aproveitar o período de isolamento, que contribuiu para reduzir a curva de disseminação, e não cumpriram as medidas esperadas de estruturação das redes assistenciais e de testagem. Sem ampliação das UTI’s em tempo hábil, hoje assistem inertes à superlotação das unidades e o crescimento diários do número de mortes.
Qual é a situação do Vale do Aço, hoje? Há estrutura de saúde suficiente para o que se espera, considerando que Ipatinga é um polo regional de saúde para dezenas de cidades?
O Vale do Aço é a região de MG com os piores índices de disseminação, com crescimento alarmante dos números de infectados e mortos, além da saturação das unidades de terapia intensiva. A região metropolitana ou a macrorregião não tem qualquer articulação política ou técnica, que aliada ao descaso dos governos estadual e federal, contribuem para a péssima resposta ao enfrentamento da epidemia.
O que precisamos fazer enquanto Estado, sociedade e moradores neste momento da crise? Quais as ações essenciais e urgentes?
Nesse momento crítico, fazem-se necessárias medidas em dois eixos. É urgente a intensificação de medidas de restrição de circulação, com medidas rigorosas de isolamento social ou “lockdown”. Por outro lado há urgência em expandir a rede assistencial, com foco nos leitos de terapia intensiva e com recursos para suporte ventilatória invasivo.
Qual a sua avaliação sobre o Sistema Único de Saúde (SUS) para a nossa região e para o Brasil, no enfrentamento da pandemia?
Um sistema público, universal e bem articulado é imprescindível para o enfrentamento ás questões sanitárias como a atual pandemia. Entretanto, o desmonte observado nos últimos anos prejudicou essa resposta. O Brasil teria a oportunidade de ser exemplo no mundo de atenção à saúde, se tivéssemos o SUS operando em toda sua potencialidade, mas o descaso dos governos federal, estaduais e municipais contribuem para sermos um dos países, ao lado dos EUA, com piores índices de disseminação e mortes pela Covid-19.