Situação na bacia do rio Doce, ES
Durante a pandemia do Covid-19, onde a recomendação do isolamento social tem trazido várias consequências que prejudicam a vida do povo trabalhador, os atingidos e atingidas do rio Doce tem tido uma preocupação extra
Publicado 09/05/2020 - Atualizado 04/06/2020
Durante a pandemia do Covid-19, onde a recomendação do isolamento social tem trazido várias consequências que prejudicam a vida do povo trabalhador, os atingidos e atingidas do rio Doce tem tido uma preocupação extra.
Vítimas de um processo de reparação que é longo, ineficiente e repetidas vezes injusto por ser protagonista no processo a Fundação criada pelas próprias empresas criminosas – vemos o judiciário mais uma vez por em xeque o acúmulo institucional destes 4 anos e meio de crime.
Nos causou surpresa o fato do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB ter sido citado em uma ata anexa a petição na qual consta da decisão de formalização da comissão, bem como seus representantes.
Sobre a Comissão de Atingidos de Baixo Guandu, achamos importante frisar que a sua construção sempre se baseou na possibilidade de qualquer atingido do município participar com direito a voz e voto, seu auto representando. As reuniões sempre foram construídas conforme a pauta anunciada, ligadas ao processo de escolha das assessorias técnicas e possuindo um caráter aberto e convocadas via ligações e chamada pública no grupo de atingidos e em alguns momentos, divulgadas em carro de som pela cidade. Todo esse trabalho está documentado pelas atas e relatorias do Fundo Brasil de Direitos Humanos, formalizados ao juízo da 12º Vara Federal de Belo Horizonte, em acordo com as determinações do TAC Gov.
Deixando claro que não fomos informados de nenhuma reunião para votação de presidentes e cargos, de nomeação de procuradores, de decisão sobre a formalização da comissão junto a cartório o que por si só já contraria o caráter amplo aberto e democrático sobre o qual a comissão de Baixo Guandu foi construída. Além disso, não estivemos presentes na reunião do dia 02 de outubro de 2018 e apesar de termos sido citados não há a assinatura de ninguém do movimento na ata. Sobre isso é importante trazer o depoimento também de diversos atingidos que participaram do processo de construção da comissão mas não foram convidados ou sequer informados das reuniões ou mesmo as decisões tomadas em nome da comissão recentemente. Inclusive, diversos atingidos integrantes da comissão não estavam informados sobre as reuniões, nem tampouco as decisões, como podemos observar na seguinte declaração de uma moradora de Baixo Guandu que acompanhou todo esse processo, à exceção dos recentes desdobramentos:
Meu nome é Solene, faço parte da comissão de atingidos de Baixo Guandu e não fui avisada ou convidada para participar de nenhuma reunião. O fato de não ter sido comunicada tem sentido pois sou totalmente contrária a este tipo de acordo, que não condiz com a realidade dos atingidos da nossa cidade. Como cidadã guanduense e militante do MAB acredito que a assessoria técnica é quem vai nos ajudar na resolução dos nossos problemas que não são só financeiros mas principalmente de saúde, onde presenciei a situação de vulnerabilidade das pessoas diante da má qualidade da nossa água. E posteriormente as doenças adquiridas. Em face a tudo isso vejo que as comunidades depositam esperança no MAB, nos Direitos Humanos, no Ministério Público Federal e Estadual diante de uma situação que se agrava cada vez mais.
Solene de Baixo Guandu/ES
Reforçando o depoimento de Solene, convém frisar que a Comissão de Atingidos de Baixo Guandu sempre foi marcada pela ampla presença de atingidas e atingidos, sendo um dos locais com maior participação durante as reuniões, conforme registro fotográfico.
Em 14 de janeiro participamos de uma das últimas reuniões convocadas pelo canal tradicional do Whatsapp da comissão, na qual foi apresentada proposta de formalização das comissões, esclarecido que o procedimento deveria seguir conforme as disposições do TAC GOV que determina o acompanhamento do Fundo Brasil de Direito Humanos do processo. Na oportunidade o Fundo foi contactado, demonstrando disponibilidade para agendamento. Dado o contexto da pandemia, infelizmente as atividades do MAB e do Fundo Brasil, assim como de todas as organizações que seguem as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), foram suspensas e portanto não têm promovido reuniões públicas que facilitem o contágio. Após essa atividade não estivemos em nenhuma reunião da Comissão de Atingidos bem como, reiteramos, não fomos convocados para elas.
Também é importante frisar que ao longo dos anos de 2018 e 2019 sempre esteve presente nos trabalhos da comissões questões como a qualidade da água no município que envolveu inclusive ações com o legislativo municipal representado por vereadoras que atuavam em favor dos atingidos na localidade e acompanhavam as reuniões da Comissão para fazer questionamentos ao SAAE acerca da qualidade da água ofertada aos municípios. No ano de 2019, especificamente, construímos em parceria entre os atingidos organizados e a municipalidade o Plano Municipal de Saúde que culminou com a realização de uma Feira Estadual da Saúde dos Atingidos neste mesmo município. Esses são os temas que o MAB e a Comissão construíram juntos e até então eram considerado chaves para o debate. Infelizmente nenhum deles está presente nos pleitos apresentados.
Diante disso, nós do MAB achamos importante reforçar mais uma vez, como sempre fazemos nos territórios em que atuamos, que ninguém precisa abrir mão do direito de cadastro na Fundação Renova ou mesmo da Assessoria Técnica para adentrar a esfera da negociação. Não há inclusive a necessidade de ingresso em juízo para o exercício da negociação de qualquer coletividade atingida com a Fundação Renova, as empresas responsáveis por ela. Isso faz parte da liberdade de organização e manifestação.
Reafirmamos também a situação de vulnerabilidade na qual os atingidos hoje se encontram – principalmente no que diz respeito à produção das provas dos danos sofridos com o crime ambiental que se arrastam – sem reparação à altura do crime cometido, há quatro anos e meio. Nesse contexto sempre consideramos as Assessorias Técnicas como essenciais para suprir essa demanda, até hoje não satisfeita, por parte das reais vítimas desse crime. Como uma forma de garantir o respeito aos direitos infringidos e solucionar os danos causados através de uma construção coletiva e em permanente diálogo com as instituições de justiça e órgãos de estado.
Seguindo nesta direção, consideramos como emblemático o acordo dos Camaroeiros de Vitória, que apresenta as maiores indenizações em todo contexto da bacia e no qual a autodeclaração foi aceita como prova pela própria Fundação Renova. Esse é um exemplo pedagógico de possibilidades na construção de um processo de reparação menos desigual entre empresas e atingidos.
Para encerrar a reflexão, reiteramos que toda atingida e atingido tem o direito de representação de seus pleitos individuais por meio de um advogado nomeado para estes fins, podendo fazer uso de ação judicial nas esferas de competência de sua demanda. E que aquelas pessoas que não tem condições de arcar com as despesas de tal, tem direito a um advogado público, representado na figura da Defensoria Pública Estadual. E essa representação jurídica garante o direito de ampla informação sobre o andamento da sua ação ou negociação.