Nota do MAB sobre a reunião da Justiça com os atingidos da bacia do rio Doce no dia 17 de fevereiro
No dia 17 de fevereiro fomos surpreendidos com a notícia de uma reunião entre o Juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte e alguns atingidos, através de grupos de […]
Publicado 28/02/2020
No dia 17 de fevereiro fomos surpreendidos com a notícia de uma reunião entre o Juiz da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte e alguns atingidos, através de grupos de whatsapp. Ressaltamos que essa reunião não foi convocada pelas instâncias acordados para a representação dos atingidos, as comissões locais ou comissões regionais. Entendemos o direito de qualquer atingido, representado ou não por advogados, de buscar acesso à justiça, contudo, isso não qualifica como uma reunião devidamente representativa da realidade das comunidades, uma vez que não representa um amplo processo de construção.
Através dos meios informais, atingidos alegam que por solicitação do juiz deveria ser encaminhado abaixo-assinado para suspensão do cadastramento das famílias atingidas e a desistência da assessoria técnica. Essas informações dispersas sobre esses canais colocam em risco os mecanismos de imparcialidade e a construção coletiva que vem sendo construída pelas instituições de justiça, cabendo, portanto, um posicionamento esclarecedor dos fatos do Tribunal.
Nós do MAB temos como linha de atuação nestes mais de quatro anos do crime, não negociar direitos humanos. Existe uma pressão sobre as vítimas para desistirem do direito a assessoria técnica e cadastro para finalizar um conflito cujas proporções ainda não foram dimensionadas, conforme consta nos estudos realizados pela própria Fundação Renova, através da Ambios; pelos experts do MPF, Ramboll, Lactec e FGV; e pelo trabalho realizado pelos pesquisadores das Câmaras Técnicas, como a Rede Rio Doce Mar.
Não custa lembrar que atualmente, quase metade dos atingidos e atingidas do Espírito Santo conseguiram seu reconhecimento e seus cadastros, tardiamente. A luta pelo reconhecimento do litoral se iniciou ainda em 2016, com São Mateus e Aracruz, com a conquista da deliberação 58 no CIF em março de 2017 – Conceição da Barra, Fundão e uma parte de Serra também garantiram esse direito. Em março de 2018 foi a vez dos camaroeiros da Praia do Suá, e ainda existem diversas categorias sem reconhecimento, e portanto, sem cadastramento. Até hoje os critérios que fundamentam o cadastro não foram finalizados.
Encerrar o cadastro nesse momento é negar o reconhecimento de muitos atingidos que ainda não tomaram consciência de seus direitos. Podemos afirmar que a população de Colatina, mais da metade de Baixo Guandu, e grande parte das comunidades de Linhares e Aracruz se encontram expostas, todos os dias, nesses quatro anos do crime, em contato com a água contaminada. Nosso povo alimenta, banha, cria animais, e rega plantações com essa água, e não estão cadastrados.
A ausência da apresentação desses estudos às comunidades deixa um vazio de informação e participação social nos processos de reparação, que deveria ser garantido pela presença das Assessorias Técnicas Independentes. Outro importante direito garantido em luta unificada por todos os atingidos e atingidas da bacia do rio Doce e litoral capixaba.
Foram três anos de mobilização entre a assinatura do TAP, a homologação do Tac Gov e inúmeras assembleias pela bacia, que reuniam mais de 5mil atingidos. Todos seguiram os trâmites burocráticos e morosos da celebração de acordos, para agora serem coagidos a abrir mão desse direito em prol de serem indenizados.
A garantia do amplo acesso a comunicação e a participação social através das assessorias técnicas é a forma que teremos de averiguar se é necessário ou não continuar os cadastramentos, pois será pelas assessorias que poderemos saber até onde esse crime realmente se estende e se renova todos os dias.
E isso não quer dizer paralisar o processo de pagamento das indenizações, uma vez que em dezembro de 2019 nós fechamos um acordo histórico de indenizações dos pescadores camaroeiros da Praia do Suá, reconhecimento pelo local de trabalho, auto declaração dos pescadores e os valores, precedentes aberto a todos os demais atingidos através da luta popular do MAB e do Sindicato dos Camaroeiros. O que comprova que independente de fechar ou não o cadastro, a indenização é falta de vontade e posicionamento das empresas criminosas e da Fundação Renova, já que temos milhares de pessoas cadastradas sem qualquer resposta.
Vale lembrar também que se a pressão é real, recordemos as decisões de 27 de dezembro de 2018 que autorizou a Fundação Renova a descontar o pagamento de lucros cessantes do auxílio-emergencial, que afetam milhares de atingidos.
Esperamos que a Fundação Renova, a Câmara Técnica de Biodiversidade e a Força-Tarefa apresentem às comunidades os estudos feitos até o momento pelas experts Ambios, Rede Rio Doce Mar e Lactec.
Não vamos barganhar nem trocar direitos. Nossa luta é para que eles se ampliem e para que o processo de reparação da bacia do rio Doce dê voz aos que mais precisam, os atingidos. Estaremos contra oportunistas que em nome de resolver o seu problema, deixam outros abandonados.