Após desocupação, famílias temem expulsão em Mariana (MG)

O ano de 2020 já começou com a mineradora Vale destruindo mais casas em Mariana. Dessa vez, não devido a barragens que se rompem, mas despejando famílias que ocupam terras […]

O ano de 2020 já começou com a mineradora Vale destruindo mais casas em Mariana. Dessa vez, não devido a barragens que se rompem, mas despejando famílias que ocupam terras da mineradora no bairro Cristal, na área urbana da cidade. No dia 09 de janeiro, a Polícia Militar cumpriu determinação judicial de despejo de uma família no bairro.

Segundo relato dos próprios moradores, a área como um todo é ocupada há cerca de oito anos por aproximadamente 100 famílias. A maioria das casas são bem simples e ocupadas pela população que não tem condições de arcar com o custo de um aluguel na cidade. Muitos moravam nas áreas rurais e vieram para a cidade em busca de emprego.

Mas, em meio às casas simples, há também casas maiores, de pessoas influentes na cidade. Alguns moradores se perguntam se essas casas também serão retiradas.

Aparecida, mora nesta ocupação há 3 anos. Ela veio de Antônio Pereira com marido e cinco crianças tentar morar na cidade e conta que não consegue dormir esperando o dia em que será o despejo e demolição da sua casa. “É muito ruim, a gente não tem informação. Eles já me disseram, no dia que despejaram meu vizinho, que minha casa está na lista, mas não me disseram o dia, aí a gente fica esperando. Já até parei de plantar no quintal. O meu vizinho tinha bicho, mataram alguns. É muito triste”, afirma.

A falta de informação aumenta a angústia e viola um direito fundamental das famílias. Alguns moradores dizem que serão quatro casas a serem despejadas. Outro morador diz que a lista tem 19 casas. Não se sabe o número certo, nem qual o critério de escolha tão pouco o que será feito com as famílias depois do despejo.

Com mais esta ação, a Vale confirma sua postura já amplamente denunciada de violar direitos sistematicamente destruindo o meio ambiente e aumentando pobreza e vulnerabilidades em grandes escala.

E um dos pilares desta postura é a violação do direito humano à moradia. Somente em Mariana, cerca de 400 famílias estão sem casa definitiva por causa do rompimento criminoso da barragem de Fundão. Mais de quatro anos depois, nenhuma casa foi construída nos reassentamentos coletivos e a mineração atua por meio da Fundação Renova em parceria com o Governo de Minas para atrasar processos de reassentamentos e impor a sua forma de reparação.

No crime reincidente em Brumadinho, além de matar 272 pessoas, a Vale criou um “cemitério de perdas e lembranças” que dificulta imensamente a continuidade da vida comunitária em várias localidades, como no Córrego de Feijão, além de provocar amplas perdas de áreas de cultivo e de fonte de água limpa – o que exige um grande debate sobre reassentamentos para os atingidos na bacia do Paraopeba.

Para o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é necessário denunciar a postura da Vale também neste caso, acompanhar as famílias atingidas por mais esta violação fornecendo informação segura e promovendo um debate público sobre o direito à moradia em Mariana.

“Os atingidos e atingidas que perderam suas casas nos crimes da Vale se solidarizam com as famílias do bairro Cristal. É uma vergonha não termos nenhuma casa definitiva nos reassentamentos coletivos enquanto famílias pobres são expulsas sem saberem para onde vão. A cidade precisa debater este tema, a voz destas famílias precisa ser ouvida e as mineradoras devem ser pressionadas para respeitarem os moradores e investir em ações de qualidade de vida e desenvolvimento”, comenta Letícia Oliveira, militante do MAB.

Como uma das formas de fazer a denúncia e demonstrar como a força do povo organizado pode superar estas violações, o MAB em parceria com diversas organizações sociais constrói desde outubro de 2019 uma casa na comunidade Capela Velha, em Barra Longa. A iniciativa chamada de Casa Solidária está garantindo uma moradia de 75m² para Iolanda, Douglas e seus três filhos.

Segundo Letícia, o objetivo é garantir o direito à moradia para esta família, mas, sobretudo, provar que um movimento popular sem recursos por meio de um mutirão de esforços conclui uma casa em menos de 6 meses enquanto que as maiores mineradoras do mundo não conseguem entregar sequer uma, quatro anos depois.

“Eles não fazem por uma decisão política e não por outra razão. Querem economizar, dispersar os atingidos e continuar impondo seu modelo de reparação. Nunca foi tão atual a mensagem de nossa jornada de lutas: A Vale destrói! O povo constrói! Semana que vem estaremos em Brumadinho mobilizados pelos atingidos dos rompimentos, mas também por estas novas vítimas da Vale”, conclui Letícia.

A Jornada de Lutas A Vale destrói! O povo constrói! é uma série de atividades de luta organizadas pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) que inclui a Casa Solidária em Barra Longa e a Marcha de Pompéu a Brumadinho que será realizada entre 20 e 25 de janeiro reunindo atingidos e atingidas de vários estados do Brasil e representações de outros países para debater a violação de direitos e fortalecer a luta popular por reparação integral.

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