Paraopeba: mais um rio assassinado pela ganância

Dourado, surubim (também conhecido como pintado), mandi, corvina, curimbatá e tambaqui são algumas das espécies nativas de peixes da bacia do Rio Paraopeba, que cruza 48 cidades mineiras. São mais […]

Dourado, surubim (também conhecido como pintado), mandi, corvina, curimbatá e tambaqui são algumas das espécies nativas de peixes da bacia do Rio Paraopeba, que cruza 48 cidades mineiras. São mais de 1,3 milhões de pessoas que dependem do rio, que nasce em Cristiano Otoni e tem foz na represa de Três Marias, no município de Felixlândia.

Toda a riqueza natural se foi. Não há mais peixes. A água não pode mais ser usada. Os animais estão morrendo ou migrando para outros lugares. “O rio morreu”, chora um jovem pataxó. A causa da morte? Ganância. Por causa da mineração desenfreada, sem segurança e sem controle, mais um rio foi assassinado no Brasil.

Confira abaixo a reportagem fotográfica de Joka Madruga, que visitou algumas comunidades em diferentes cidades por onde o rio Paraopeba passa:

 

 

Sebastião Feliz Camilo, 63 anos, mora no distrito Córrego do Feijão, em Brumadinho, onde houve o rompimento da barragem que matou centenas de pessoas. Ele vivenciou toda a descida da lama tóxica da Vale. Teve papel importante, com a ajuda de um vizinho, salvou uma mulher e o sobrinho dela do meio da lama.

“Seu Sebastião”, como é conhecido, estava na varanda quando ouviu o estrondo do rompimento. De imediato ele desceu para a beira de um barranco próximo de onde vive. “Sentei aqui e fiquei olhando ‘os trem’ descendo. Não era laminha pouca não, era lama mesmo. Mais de dois metros de altura”, relata. O trem, neste caso, não é só pela expressão mineira, realmente havia um com vagões no local e que foi levado pela enxurrada.

Quando seu Sebastião voltou para casa, cerca de 200 metros de onde presenciou o ocorrido, ouviu gritos na vizinha e desceu para ver o que era. Ao chegar ele se depara com o pé de uma criança para fora da lama. “Achei um pezinho e depois achei o outro, me agarrei num fio de arame e o puxei. Ele estava embaixo da tia”, narra Sebastião com a mão no rosto. Tanto a mulher como a criança se limparam na casa dele. Com um olhar profundo e triste, revela que tem noites de insônia por causa de tudo que viu.

Parque da Cachoeira é um distrito de Brumadinho, o segundo local mais atingido pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão. Aproximadamente 25 casas foram totalmente destruídas e a lama atingiu parcialmente outras residências. Os moradores reivindicam que a Vale pague o aluguel dos desalojados e outras despesas que as famílias tenham, consequência do crime cometido.

 

A sede do município de Brumadinho não foi atingida diretamente com destruição e lama nas ruas, mas a cidade perdeu dezenas de seus moradores, que morreram soterrados. É difícil encontrar alguém que não tenha um parente, amigo ou conhecido que perdeu a vida por conta da ganância da Vale.

 

Pires é um bairro de Brumadinho por onde passa o rio Paraopeba. O local também foi atingido, os moradores não podem mais usar água do rio, nem plantarem. Além disso, a população corre o risco de ser atingida novamente. Segundo relatos de moradores, a Vale tem um projeto de comprar propriedades no bairro para colocar a lama que a empresa deve tirar do rio.

 

Tejuco é um distrito de Brumadinho por onde também passou a lama tóxica. Assim como nas demais localidades, a população vive a angústia da perda de trabalho, já que muitos dependem da agricultura, especialmente hortaliças.

 

Lucilene de Lourdes Ferreira vivia, no distrito Aranha, com Emerson José da Silva Augusto (que está desaparecido até a data desta publicação). Ele trabalhava para uma empresa terceirizada para a Vale, era ajudante geral. Eles estavam juntos há 5 anos. Emerson não era o pai biológico dos filhos de Lucilene, mas os tratava como se fosse. Ela clama por justiça e aguarda o corpo ser encontrado para dar um enterro digno para seu companheiro.

“Tinha que pegar eles [os donos da Vale] e esfregar a cara deles na lama. Este dinheiro aí não vai comprar nossa dor. Os trabalhadores estavam trabalhando para enriquecer eles mais ainda” desabafa.

 

Mário Campos é cidade vizinha de Brumadinho. O município era um dos maiores produtores de hortaliças de Minas Gerais. “Era” porque, depois da contaminação do rio, a produtividade caiu juntamente com as vendas. Os produtores reclamam da desvalorização de seus produtos.

A moradora Claudia Regina e a família, além da horta, alugava casas para veraneio e festas. “Tínhamos água em abundância. As pessoas vinham passar o fim de semana aqui. Agora não alugam mais, têm medo da água”, conta.

Alguns comerciantes de Brumadinho, na tentativa de tranquilizar os consumidores, já dizem que as frutas e verduras não são de Mário Campos e sim de outras regiões.

 

“O rio é nossa vida, é nosso ente querido. E quando um ente querido morre, ele não volta”, desabafa o jovem Aracuanã Pataxó, sobrinho do cacique.

Para os Pataxós, o rio é sagrado. Era onde eles iam tomar banho, pescar e onde buscavam água para os animais. Tiravam dele somente o necessário para o sustento da aldeia. Agora ficaram na incerteza do futuro, mas sabendo que a resistência à ganância das empresas será uma grande luta.

Uma grande preocupação dos indígenas é com relação aos animais predadores, em especial onças pardas e pretas, que existem na região. A caça está sumindo por não ter mais o rio para beber água, os que sobreviveram estão migrando para outros lugares, assim os felinos estão se aproximando cada vez mais da aldeia, onde vivem 27 famílias com muitas crianças. Um dia antes de visitarmos o local, foram avistadas três onças cerca de 100 metros da tribo. Quando voltávamos para a sede do MAB – Movimento dos atingidos por Barragem – antes de sair da reserva, vimos uma onça-preta cruzar a estrada e entrar na floresta.

“Queremos justiça”, finaliza Aracuanã.

A festa das águas no dia 5 de outubro não mais acontecerá na comunidade e já foi transferida para outro local, devido as condições de poluição do rio.

 

Os moradores ribeirinhos em Betim reclamam do descaso da Vale com o abastecimento de água. De acordo com a população, as cisternas enviadas não são do tamanho adequado, a qualidade da água é duvidosa e é imposto que a água saia dos caminhões pipa direto para as caixas d’água que devem ser instaladas diretamente na casa dos atingidos, como nas demais localidades. Há, ainda, a falta de trabalho por conta da lama tóxica. Em uma audiência na Câmara de Vereadores, os funcionários da Vale disseram que iriam corrigir estes problemas.

 

De Brumadinho a Pompeu e Felixlândia são aproximadamente 200km. O rio Paraopeba passa pelos últimos dois municípios. Ambos fizeram fortes investimentos na piscicultura incentivando produtores na cultura da tilápia em tanque-rede. Muitos investiram em equipamentos, peixes e ração. A produção de leite também poderá ser afetada, já que muitas propriedades de gado leiteiro dependem da água do rio que hoje está completamente contaminado.

 

Em Morada Nova de Minas, cerca de 300km de Brumadinho, existem mais de mil pescadores e pescadoras. O município faz parte do lago da Usina Hidrelétrica de Três Marias, no rio São Francisco. Todos eles estão temerosos com a possível contaminação e por conta disso terem que parar por completo o ganha pão. Parte da crise já chegou até eles. Antes vendiam o quilo do peixe até a R$12,00. Agora vendem a R$4,00. Reflexo do medo dos consumidores de várias partes do Brasil para onde exportam.

 

 

O município de Três Marias está há 300km de Brumadinho. Assim como Morada Nova de Minas, há uma grande quantidade de pescadores que poderão perder trabalho. Não é só a paralisação da atividade pesqueira que preocupa. A cidade é também um pólo turístico por causa da barragem da Usina Hidrelétrica Três Marias, onde é feita pesca esportiva e há balneários que atraem muitos turistas da região e também de estados vizinhos.

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