Votar pelo aumento do reservatório da Usina de Santo Antônio é trair o povo de Rondônia

Nesta terça-feira (10/04), em Porto Velho (RO), atingidos por barragens de diversas comunidades atingidas pela hidrelétrica de Santo Antônio se manifestaram na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. Pela terceira […]

Nesta terça-feira (10/04), em Porto Velho (RO), atingidos por barragens de diversas comunidades atingidas pela hidrelétrica de Santo Antônio se manifestaram na Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia. Pela terceira vez, a pressão das famílias afetadas pela construção da usina conseguiu adiar a votação do Projeto de Lei Complementar nº 102 de 2016, que é de iniciativa do Governo do Estado de Rondônia.

O Projeto é sobre a desafetação de áreas de floresta de unidades de conservação estaduais (Estação Ecológica Estadual Serra Três Irmãos, da Área de Proteção Ambiental Rio Madeira, da Floresta Estadual de Rendimento Sustentado do Rio Vermelho – C e da Reserva Extrativista Jacy – Paraná) para a ampliação do reservatório da hidrelétrica de Santo Antônio em 80 centímetros de altura.

As duas votações anteriores foram realizadas sem que a população tivesse conhecimento. Após uma audiência pública realizada no dia 29 de março, foi solicitado que os deputados divulgassem à população quando seria votado o projeto, que não ocorresse às escondidas. No ano passado, mesmo após compromisso assumido publicamente em plenário, tentou-se articular uma sessão extraordinária, mesmo após o recesso legislativo, o que apenas não ocorreu devido a uma recomendação contrária do Ministério Público.

Informações distorcidas

Os favoráveis ao aumento do lago alegam que o país está precisando de mais energia, que a autorização para a ampliação já está dada e não há como impedir, que isso acarretará aumento nos “royalties” (compensação financeira pela utilização dos recursos hídricos) arrecadados pelo Estado e município e estão de olho no dinheiro que está sendo negociado como compensação social e ambiental.

Em primeiro lugar, não há nesse momento uma conjuntura econômica que demande aumento na oferta de energia, pois não somente no Brasil, mas no mundo há uma profunda crise e consequentemente queda nas atividades de produção que consomem energia. Em razão desse e de outros fatores, a Santo Antônio Energia anunciou que iria descontratar 370 MW médios do ano de 2018 no leilão atrelado ao Mecanismo de Compensação de Sobras e Déficits.

A Santo Antônio quer produzir menos energia porque tinha realizado projeções anteriores ao aprofundamento da crise e suas avaliações mais recentes apontaram a necessidade de reduzir o volume da energia ofertada para não gerar um desequilíbrio financeiro diante da redução do preço da energia no mercado livre, onde os preços são diferentes da tarifa paga pelo consumidor residencial comum. O consumidor comum paga tarifas cada vez mais elevadas porque é a população quem assegura os riscos dos investidores no setor elétrico brasileiro, enquanto no mercado livre o preço da energia é uma commodity, estabelecido a partir do preço do petróleo no sistema financeiro internacional.

Se o Brasil não precisa de mais energia agora, e a Santo Antônio quer reduzir a quantidade de energia produzida em 2018, em função das condições de mercado, por que eles querem ampliar o reservatório da hidrelétrica agora? Porque a Odebrecht e a Cemig retomaram as negociações para venderem suas participações no consórcio Santo Antônio Energia para a empresa chinesa State Power Investiment Corporate Overseas of China (SPIC Overseas). A nova proposta a ser apresentada teria uma atualização do valor dos ativos a serem transacionados e entre as principais exigências dos chineses está a garantia física de geração que envolve a ampliação do reservatório da hidrelétrica.

Além das questões de mercado, existem limitantes físicos para ampliar a produção de energia em Santo Antônio nesse momento, os erros na instalação do sistema de transmissão. Com a passagem da linha de transmissão em local inadequado, com condições geológicas desfavoráveis, que elevam a intensidade da energia transportada, impedindo que o volume da energia produzida não pode ser ampliado, pois acarretaria danos ao sistema. Por isso o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) restringiu a produção de energia no Complexo Madeira em até 4.700 MW, ao invés dos 6.300 MW pretendidos. Isso significa que, até 2020, se a linha de transmissão tiver sido readequada não haverá um centavo adicional de royalties, pois os royalties são calculados a partir da quantidade de energia produzida, a qual será a mesma.

Outra inverdade muito veiculada é que a ampliação do lago seria necessária para aumentar o número de turbinas da hidrelétrica, de e 44 para 50 unidades. Estas turbinas já foram instaladas e estão funcionando, mesmo sem a ampliação do reservatório.

Passivo Socioambiental

As negociações que estão sendo feitas por compensações sociais e ambientais decorrentes dessa ampliação da hidrelétrica é uma improbidade em si mesma. Não é possível tratar de valores de compensação sem que se tenha dimensão dos impactos que estão em discussão. O maior problema para discutir a previsão dos impactos na ampliação do reservatório é que hoje não há conhecimento preciso sobre os impactos do reservatório nas suas condições atuais.

Os problemas acarretados por Jirau e Santo Antônio criam problemas que custam mais caro ao poder público do que aquilo que é oferecido como compensação. Além das compensações sociais, a Santo Antônio Energia deve executar diversos programas ambientais vinculados ao licenciamento ambiental para mitigar diversos problemas, cujo tratamento demanda mais recursos do que aqueles repassados ao poder público local, entre eles o Programa de Remanejamento da População Atingida, no qual ainda há milhares de atingidos pendentes, em diversas localidades como no distrito de Jaci Paraná e nos Projetos de Assentamento Joana D’Arc.

Um dos problemas mais graves e não dimensionado tecnicamente pelo órgão licenciador é a abrangência dos impactos das águas subterrâneas, que é maior do que o das águas superficiais. Em pesquisa cientifica publicada este ano, a partir de imagens de alta definição capturadas por satélites foi apontado que os lagos de Santo Antônio e Jirau se tornaram 64,5% maiores do que o previsto, e alagaram 102 km² além do esperado no licenciamento ambiental, porém os problemas acarretados pela elevação do nível do lençol freático são ainda maiores.

Há elevação do nível do lençol freático provocou a contaminação das águas que eram captadas pelos poços amazonas e artesianos que eram utilizados para consumo humano e, em alguns casos, o transbordamento de fossas. O encharcamento e a saturação do solo têm provocado desestabilização hidrogeológica no entorno do lago, provocando sérios danos nas edificações dos imóveis, como fissuras e erosões, o que já foi apontado em relatório de vistoria do IBAMA e CPRM na comunidade de Jaci Paraná.

Além das pendências do licenciamento, a hidrelétrica de Santo Antônio não apresentou até hoje um Plano de Segurança de Barragem, conforme prevê a lei federal 12.334 de 2010, o que é imperioso no caso do rio Madeira, onde já ocorreu um grande desastre em 2014. Mesmo sem apresentar o Plano de Segurança de Barragem para a ANEEL, a mesma agência permitiu que mais seis turbinas fossem adicionadas, como se não houvesse qualquer risco para a orla da cidade de Porto Velho, onde casas, ruas, objetos do patrimônio histórico e cultural do povo de Rondônia já foram engolidos pelas águas.

Não há nada que faça crer que a Santo Antônio irá cumprir com novos acordos, ou obrigações, nem mesmo os comandos da Agência Nacional de Águas responsável pela concessão da outorga de utilização dos recursos hídricos da hidrelétrica, que desde 2015 determinou a realocação de todos os moradores das áreas de risco abaixo da cota 77,10 metros em Jaci Paraná para proteção contra efeitos de remanso do reservatório e a elevação da BR 364, nos trechos próximos ao lago, os quais ficaram alagados em 2014.

Como se não bastassem esses e outros problemas, foi prometido que parte das compensações que seriam destinadas ao poder público estadual, seriam repassadas para as prefeituras do interior do Estado como forma de pressionar os deputados a votarem favoráveis a ampliação do lago, colocando os municípios contra os deputados estaduais que realmente estão preocupados com a população que de fato é atingida pelo projeto.

Não aceitar a aprovação do lago da usina hidrelétrica de Santo Antônio nesse momento e nessas condições é a melhor maneira que os deputados do Estado de Rondônia têm como ajudar os atingidos por barragens, qualquer coisa diferente disso é covardia.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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