MAB apresenta consequências do crime da Samarco na saúde dos atingidos
A exposição fez parte de um debate na 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que ocorreu durante essa semana em Brasília (DF) Foto: CNVS Na última quarta-feira (28), Letícia […]
Publicado 02/03/2018
A exposição fez parte de um debate na 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que ocorreu durante essa semana em Brasília (DF)
Foto: CNVS
Na última quarta-feira (28), Letícia Oliveira, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), expôs as consequências do crime da Samarco (Vale/BHP Billiton) na saúde da população atingida durante mesa da 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, em Brasília (DF).
Com os temas O lugar da vigilância em saúde no SUS e Saberes, práticas, processos de trabalhos e tecnologias na vigilância em saúde, o debate também contou com a presença da professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Glória Teixeira que reforçou o SUS como uma conquista do povo brasileiro; do professor do Departamento de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Norberto Rech, que reiterou que o papel da vigilância em saúde significa uma parte importante do direito à cidadania.
Durante essa semana, a conferência reuniu mais de 2 mil pessoas na capital federal, com o objetivo de construir a Política Nacional de Vigilância em Saúde.
Problemas de saúde na bacia do rio Doce
De acordo com o depoimento de Letícia, as mineradoras tentam invisibilizar os problemas de saúde na região afetada pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrida no dia 5 de novembro de 2016. Os impactos na sua saúde terão mais desdobramentos e perdurarão por vários anos, inclusive por mais tempo do que os anos que a empresa deseja atuar nesse caso, explica.
De acordo com relatório do Conselho do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), publicado em 2010, 16 direitos humanos são sistematicamente violados nas construções de barragens no Brasil, entre eles o direito a um ambiente saudável e à saúde.
As mudanças na vida das famílias atingidas por barragens são muito grandes em relação à alimentação, ao consumo de água de qualidade, ao esgotamento sanitário, a perda do cotidiano e das relações comunitárias. Tudo isso gera diversos problemas de saúde, inclusive psicológicos.
Em Mariana (MG) e em toda a bacia do Rio Doce, há mudanças drásticas nos hábitos alimentares dos atingidos, que antes plantavam seus alimentos e pescavam no rio. Desde o rompimento, passaram a compram os alimentos em supermercados na cidade, provavelmente com alto índice de agrotóxicos, e foram forçados a excluir o peixe da dieta. Nesse sentido, com as mudanças alimentares e de hábitos de trabalho, há aumento no número de casos de diabetes e hipertensão.
Os atingidos que permaneceram nas margens do rio sofrem com a contaminação da lama de rejeito nos 1430 hectares de terras destruídos por ela. A contaminação ocorre por meio do contato direto com a lama, ou com a poeira formada a partir dela. Há também a contaminação dos animais que se alimentam do que cresce sobre a lama. E, alguns atingidos, ao não terem respostas da empresa sobre como retornar a produção, começam a cultivar sobre a lama, gerando novas situações de contaminação. Há ainda o uso da água do rio pelos animais e para agricultura, que já era utilizada anteriormente e que, sem ter outra forma, continua sendo usada pelos atingidos atualmente, mesmo que contaminada com os rejeitos.
Outro problema é o abastecimento da água do rio Doce, que já foi retomado para 1,2 milhão de pessoas. A população ainda não confia na qualidade do serviço. Embora as empresas e o poder público atestem a qualidade da água, há relatos de dores de barriga, quedas de cabelo e alergias entre aqueles que a consomem. Já existem estudos trazendo à tona que os poços artesianos perfurados ao longo da bacia também têm água contaminada com alto teor de ferro.
Os vetores de doenças também aumentaram. Antes do desastre, o município de Barra Longa (MG), vizinho à Mariana, e que possui 6 mil habitantes, registrou três casos de dengue. Depois do crime, em 2017, foram 174 casos notificados. Mas o sistema de saúde local reconhece que podem ter ocorrido cerca de 400 casos. Em Mariana, a febre amarela entre 2017 e 2018 já causou cinco mortes. Além da febre amarela, Minas Gerais viveu em 2017 o maior surto de Chikungunya de sua história. Foram 13 mortes, sendo 10 delas em Governador Valadares, cidade atingida pelo crime da Samarco.
Nesses 2 anos e 4 meses a Samarco já construiu duas novas barragens, mas nenhuma casa para os atingidos. Isso gera uma grande insegurança para a população que não sabe quando e se voltarão para suas casas. Toda essa angústia somada a situações de preconceito na cidade de Mariana e a perda de relações comunitárias e de atividades cotidianas trazem problemas psicológicos e contribuem para o aumento do consumo de álcool, drogas, do número situações de depressão e de suicídios em toda a bacia.
Na área urbana de Mariana, que não foi alcançada pela lama de rejeitos, os problemas ocasionados pela mineração também existem. São muitos trabalhadores desempregados sofrendo com a falta de renda, muitos deles terceirizados que vivem situações mais precárias em relação aos direitos trabalhistas. A cidade de Mariana sofre também com a falta de água na época da seca. Para a mineradora voltar a funcionar terá sete vezes mais água disponível do que a quantidade consumida pela população da cidade. Já para a população não sabemos se haverá água na próxima estiagem.
O risco de novos desastres também existe tanto no município de Mariana, com as duas novas barragens construídas pela Samarco, e os atingidos convivem hoje com esse medo, quanto em municípios próximos, como Congonhas, onde existe a barragem de rejeitos de mineração mais próxima a uma área urbana no mundo, da empresa Companhia Siderúrgica Nacional (CSN).
Por todos esses motivos é necessário construir a vigilância em saúde no cotidiano do povo e lutar para garantir o direito à saúde, opina Letícia.