Nove denúncias sobre a bacia do rio Doce

1)      Memória permanente do rompimento e dos mortos Neste dia 5 de novembro completaram-se dois anos do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração S.A, […]

1)      Memória permanente do rompimento e dos mortos

Neste dia 5 de novembro completaram-se dois anos do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração S.A, controlada pela Vale e pela BHP Billiton, as duas maiores mineradoras globais no minério de ferro.

Este rompimento derramou cerca de 40 bilhões de litros de lama na natureza que percorreram cerca de 650 km entre Mariana, em Minas Gerais, até a foz do Rio Doce no distrito de Regência, município de Linhares, Espírito Santo. Atingiu, pela seqüência, o córrego Santarém, o rio Gualaxo do Norte, o rio Carmo e 100% do rio Doce em um trajeto que compreende 41 municípios reconhecidos como atingidos.

O rompimento matou 19 pessoas e provocou um aborto forçado pela lama em Bento Rodrigues. Destes, ainda há um corpo desaparecido de um trabalhador direto da Samarco. Cada família recebeu 100 mil reais de adiantamento de indenizações em janeiro de 2016, mas, até agora, foram pagos somente 6, 7 milhões de indenizações definitivas para 8 famílias, segundo a Folha de São Paulo. A Samarco não reconhece o aborto forçado como causado pela lama e nunca reconheceu os direitos da mãe.

2)      Violação do direito à Moradia – Reassentamentos

Passados 24 meses do que é considerado o maior crime ambiental do Brasil e um dos maiores da mineração global, pouco ou nada foi feito em soluções definitivas. Em relação às três comunidades a serem reconstruídas em Mariana e Barra Longa já foram gastos 44 milhões de reais, segundo dados da própria empresa, mas nenhuma casa foi feita e não há previsão para o início das  obras.

Em Bento Rodrigues são 225 famílias, ou 729 atingidos que ainda estão sem casa. O terreno da Lavoura foi escolhido em 9 de maio de 2016. A inauguração da nova vila está prevista para março de 2019, mas não existe previsão de inicio das obras. Todas estas famílias estão morando na zona urbana de Mariana recebendo mensalmente um cartão subsistência no valor de um salário mínimo por família, mais 20% por dependente e R$ 425,00 referente á cesta básica do DIEESE.

Do mesmo modo, estão as 120 famílias, ou 468 pessoas atingidas na comunidade de Paracatu de Baixo, que escolheram a área de Lucila para a reconstrução do novo sub-distrito no dia 3 de setembro de 2016. Também convivem com a morosidade da Fundação em responder questões básicas sem saber se os 9 contratos de compra e venda que precisam ser finalizados para o inicio das obras serão, de fato, feitos pelas empresas.

A terceira comunidade a ser reassentada é Gesteira, município de Barra Longa, onde 20 famílias ou 61 pessoas estão espalhadas entre Mariana, Acaiaca, Barra Longa e o povoado de Gesteira vivendo na mesma incerteza, apesar do terreno Macacos ter sido escolhido em 25 de junho de 2016 e ter apenas uma família como proprietária. Nenhuma certeza para a compra do terreno tão pouco para o início das obras que também envolvem reconstrução de Igreja, salão comunitário e campo de futebol.

Ainda em Mariana, tem as famílias de Paracatu de Cima, Ponte do Gama, Pedras, Borba, Campinas que esperam o cumprimento de promessas de construção de casas nos mesmos terrenos atingidos pela lama. Algumas dessas famílias estão se organizando e reivindicando coletivamente novos terrenos longes da lama, mas o processo de negociação ainda está lento.

O descaso é tão grande que enquanto a usina de Belo Monte, a maior usina totalmente brasileira, levou 4 anos para ser construída (2011-2014) e ligar a 1ª turbina, a Samarco vai demorar mais tempo que a construção de uma hidrelétrica para entregar as moradias.

3)      Situação em Barra Longa, principal área urbana atingida

Na área urbana de Barra Longa, 5 casas foram destruídas, 210 quintais atingidos pela lama, 100 casas precisaram de reformas. Após os trabalhos de reconstrução que antecederam o aniversário de um ano do crime, apenas 40 quintais foram entregues, segunda a empresa. A cidade convive com a sucessão incontável de erros de arquitetura e engenharia em todas as frentes de intervenção tanto que a Fundação Renova vai recomeçar parte das obras em 2018. 44 famílias ainda estão morando de aluguel.

4)      Violação do direito das Comunidades Tradicionais – Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado

Vinte e quatro meses depois, os atingidos na cidade de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado não receberam nenhum centavo de reparação. São garimpeiros artesanais (ou faiscadores) e pescadores já atingidos pela Hidrelétrica Risoleta Neves (ou Barragem de Candonga) inaugurada em 2004. Mesmo sendo configurada como Comunidade Tradicional, a Fundação Renova não efetuou nenhum pagamento de reparação e atua dividindo a comunidade impondo valores diferentes por categorias.

Atualmente, ela quer oferecer o valor de 1500,00 por família, na média, por 24 meses, descumprindo acordo com MPF que indicava pagamento por 5 anos. Os atingidos correm o risco de chegar ao Natal de 2017 sem receber um centavo. Somente em Rio Doce, são 220 famílias nesta situação em um município de menos de 3 mil habitantes.

A Hidroeletrica Risoleta Neves segurou cerca de 10 milhões de metros cúbicos de lama e foi esvaziada. Desde novembro de 2015, não produz energia. Ela pertence a Vale (50%) e o Consórcio Aliança Energia – CemigVale (50%). Já foram gastos mais de R$280 milhões nas obras de reparação na barragem.

 

5)      Violação do direito à água

No povoado de Gesteira, famílias convivem com a falta de água. A Samarco abriu um poço em dezembro de 2016 e até hoje não ligou a energia necessária para seu funcionamento. Além, disto eles convivem com a permanente incerteza sobre a qualidade da água porque o lençol freático pode estar contaminado.

Ao longo da bacia comunidades convivem com a mesma incerteza. A grande questão é a segurança da qualidade das águas tratadas do rio Doce que abastecem, por exemplo, grandes cidades como Governador Valadares e Colatina, bem como se o que se o pescado e a produção agropecuária que utilizam estas águas podem ou não serem consumidos. Isto tem impacto não somente na saúde dos atingidos, mas também na geração de trabalho renda e nas relações culturais seculares relacionadas a estas atividades.

Dados da empresa apontam que são mais de 13 mil pescadores atingidos na bacia. Mas, sabemos que a maioria não estão contemplados pelo cartão subsistência sendo este ainda um programa completamente insuficiente para resolver a questão no longo prazo. Não existe proposta de ação definitiva.

6)      Violação do direito a indenizações justas

Este é um campo fundamental de violação de direitos. A própria empresa reconhece que a “indenização por danos” pode alcançar 400 mil pessoas ao longo da bacia do rio Doce. No entanto, ela estima cerca de R$ 1.000,00/indenização média. O que daria cerca de R$ 400 milhões com indenizações, enquanto que o próprio “acordão” estimava a necessidade e obrigação de R$ 20 bilhões para estruturação e recuperação da região.

O principal instrumento é o Programa de Indenização mediado (PIM). O primeiro é o PIM Água, que busca pagar os danos pela falta de abastecimento ao longo do rio Doce, que oferece de forma totalmente individualista e autoritária esta média de mil reais sedo que em Colatina a proposta é R$880,00.

Ao receber a proposta de indenização, os atingidos que possuem alguma ação na Justiça contra a Samarco devem paralisar o processo e quem aceita a proposta deve retirar ação da Justiça ao mesmo tempo em que abre mão de questionar a empresa sobre danos futuros por causa do rompimento.

O outro PIM é de danos matérias e morais que já este em andamento na cidade de Barra Longa com um escritório em que as pessoas se dirigem sozinhas com os mesmos procedimentos e armadilhas do PIM Água. Os valores, os critérios e os parâmetros são decididos pelas empresas.

7)      Violação do direito a participação – Fundação Renova

Neste contexto, há que se denunciar a maneira autoritária com que a Fundação Renova atua. Ela utiliza o que chama de Dialogo Social, com o que já gastou mais de 14 milhões de reais, para falsear um ambiente de participação. É preciso insistir que as consultorias pagas pelas empresas deste o primeiro momento para coordenar o tal Diálogo e, agora também chamado dentro da Fundação de “Engajamento”, atuam para combater a autonomia e desmobilizar qualquer esforço coletivo.

O MAB não reconhece a Fundação porque é fruto de um ato autoritário das mineradoras em parceria com o Estado que trouxe para a cena política uma quarta estrutura empresarial e que apenas no nome pode ser chamada de Fundação. Ela vem acumulando poder político, econômico e simbólico em toda a bacia do rio Doce tendo disponível como recurso em 15 anos o considerável valor de 20 bilhões de reais.

A título de comparação: a lei do orçamento para 2017 em Minas Gerais traz o Orçamento Fiscal e de Investimento das empresas controladas pelo Estado, como Cemig, Copasa, Gasmig e Codemig. Por meio dessas empresas, estão previstos investimentos da ordem de R$ 8,32 bilhões. Esses valores são oriundos de recursos decorrentes de suas atividades e de operações de crédito contratadas diretamente por essas empresas.

Somente uma Fundação como a Renova deve “investir” cerca de um 1,2 bilhões de reais durante 15 anos, em média, tendo como referencia de atuação apenas o território de uma Bacia Hidrográfica. O orçamento anual acima é de investimento de todas as empresas do estado de Minas Gerais, a terceira economia do país, com 853 municípios. Algumas delas estão entre as maiores da América Latina em sua área de atuação como Copasa e Cemig. Se formos compararmos com outros estados, certamente, este poder econômico acumulado sem nenhum controle social ficará ainda mais evidente. E aqui não se considera o poder política, econômico e simbólico já acumulado de suas controladoras: a Samarco, a Vale e a BHP Billiton.

Em tese, o Comitê Interfederativo (CIF) é o órgão independente coordenado pelo Estado, especificamente hoje pela presidência do IBAMA, mas que claramente não atua neste papel. Recentemente, a presidente do IBAMA, Suely Araujo, em entrevista ao jornal mineiro O TEMPO, elogiou a Fundação pelo gigantesco esforço e, por vezes, falou como se ela também fosse Fundação, se corrigindo na própria entrevista.

8)      Violação de acesso a Justiça – atuação do Poder Judiciário

 

O Poder Judiciário atua para favorecer as empresas. O processo criminal está suspenso na Vara Federal de Ponte Nova e os processos que estão na 12ª Vara Federal em Belo Horizonte, cujo juiz chegou a chamar os atingidos de oportunistas na ocasião de uma reunião privada, também estão paralisados a espera de um acordo final entre o Ministério Público Federal (MPF) e as mineradoras no âmbito da Ação Civil que valora os prejuízos do rompimento em 155 bilhões de reais e questiona a validade jurídica do acordo que criou a Fundação Renova.

Além disto, um termo de cooperação entre Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e a Fundação em março de 2017 paralisa à revelia dos atingidos milhares de ações judiciais em andamento e entrega na mãos da empresa o controle sobre os processos de negociação do PIM Água em Governador Valadares obrigando as famílias aceitarem R$1000,00 de indenizações. 

É preciso sempre lembrar que não estamos falando de um conflito socioambiental em disputa, como uma barragem. Estamos falando de um crime, do maior desastre socioambiental do país. Não está em discussão a responsabilidade das empresas com isso, assim que é preciso uma postura do Estado e do poder judiciário mais garantidora e não negociadora. Isso só demonstra a prevalência dos interesses econômicos e empresarias sobre os direitos dos atingidos.

 

9)      Violação do direito à saúde

 

Este é um tema fundamental negligenciado pelas mineradoras. A Câmara Técnica de Saúde da Fundação Renova só foi criado em maio de 2017 após ser desmembrada de outra que discute assuntos como educação e turismo. Falta informação segura sobre os possíveis impactos futuros deste rompimento e clareza sobre como as famílias que ficaram doentes por causa da lama e da poeira de rejeito serão ressarcidas. As empresas não aceitam incorporar este debate sequer no dano moral, por exemplo.

A Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal constatou problemas de saúde decorrentes do rompimento da barragem. Em Barra Longa (MG), por exemplo, houve um crescimento epidêmico nos casos de dengue. Foram 174 casos registrados no município até novembro de 2016. Com apenas 6 mil habitantes, Barra Longa havia registrado apenas 3 casos  entre 2013 e 2015. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde foram 450 casos. Não foi possível fazer toda a notificação. Também na cidade ainda são registrados alergias respiratórias e de pele, quedas de cabelos e muitos problemas de ordem psicológica.

Em laudo, a Central de Apoio Técnico do Ministério Público de Minas Gerais, que analisou a qualidade da água em julho de 2016, concluiu que o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Governador Valadares não atende padrões de potabilidade da água distribuída no município, devido à presença de alumínio acima de níveis aceitáveis. Coceiras na pele e desinterias são algumas das consequências já verificadas pela ingestão da água do rio Doce. Entretanto, diversas doenças apenas serão constatadas com a observação no longo prazo.

A falta de água também causa sérias doenças, provocadas pela não higienização dos alimentos, do corpo e da casa. O que vem acontecendo é a transmissão do custo do “tratamento” pela empresa e órgãos responsáveis para os atingidos, que muitas das vezes buscam socorro em postos de saúde e hospitais públicos, que muitas das vezes não se encontram preparados para lidarem com os problemas relatados, apresentando soluções paliativas, que não resolvem o problema a longo prazo.

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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