O caso Nilce e a letalidade de defensores ambientais no Brasil

Por Rodrigo da Costa Sales  Na semana passada, a organização não governamental Global Witness relevou dados alarmantes sobre a situação de defensores e defensoras do meio ambiente no mundo e, especificamente, no Brasil. Em […]

Por Rodrigo da Costa Sales 

Na semana passada, a organização não governamental Global Witness relevou dados alarmantes sobre a situação de defensores e defensoras do meio ambiente no mundo e, especificamente, no Brasil. Em 2016, pelo menos 200 defensores foram assassinados no mundo inteiro, mostrando um aumento em relação ao estudo feito em 2015. Dessa lista, o Brasil figura como o país com o maior número absoluto de mortes, devido especialmente ao trabalho daqueles que dão suas vidas pela defesa da Amazônia, já que 16 das 49 mortes são relacionadas com a proteção do ecossistema amazônico.

O relatório classifica os defensores da terra e meio ambiente como pessoas que atuam de maneira pacífica, voluntaria ou profissionalmente, para proteger o meio ambiente. São pessoas comuns que muitas vezes nem se auto definem como “defensores”. Alguns são líderes indígenas ou rural camponeses vivendo em florestas que lutam para a proteção de suas terras ancestrais e manutenção de sua subsistência, opondo-se, assim, a projetos de mineração, barragens etc. Também podem ser advogados, jornalistas ou funcionários de ONGs que trabalham para expor a exploração ambiental e o roubo de terras.

O caso utilizado no relatório que representa o panorama do Brasil é o de Nilce de Souza Magalhães, opositora da hidroelétrica do Jirau, em Porto Velho, e cujo corpo foi encontrado seis meses após o seu desaparecimento. Nilce denunciou as afetações ao meio ambiente em razão da construção da hidrelétrica, em especial a morte de peixes. As investigações, entretanto, não correlacionam a morte de Nilce com a sua atividade como defensora, o que segundo um relatório preparado pela sociedade civil para uma audiência na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) conforme uma prática constante das autoridades encarregadas de investigação de crimes dessa natureza na América Latina.

De acordo com o relatório, o estado brasileiro vem tomando medidas que debilitam a proteção do meio ambiente, como, por exemplo, a insuficiência de recursos destinados ao Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDHH). Além disso, apesar de que o relatório não faça menção, é importante destacar outras medidas enfraquecedoras:

  • A verdadeira “caça às bruxas” no âmbito da CPI da FUNAI, que serviu para a investigação de organizações dedicadas à proteção do meio ambiente.
  • O projeto de lei 3.279 que visava enfraquecer o processo de licença ambiental.
  • As MP’s 756 e 758 que tentavam reduzir conjuntamente 597 mil hectares de áreas protegidas na Amazônia.

O relatório menciona também a participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), através de um financiamento de aproximadamente R$ 5.5 bilhões. Esse é um ponto importante, a discussão da responsabilidade dos bancos de investimento em projetos de desenvolvimento, já que os bancos de desenvolvimento devem assegurar que os seus investimentos estão respeitando os direitos humanos e promovendo assassinatos e degradação ambiental.

O caso do Jirau não é um caso isolado. O BNDES, ao financiar a construção da usina, concedendo a Norte Energia R$ 25,4 bilhões, o maior investimento na história do Banco, é legalmente responsável pelos impactos sociais e ambientais de Belo Monte. O banco nega acesso aos valores já desembolsados, o que é garantido pela Lei de Acesso à Informação no Brasil. Em agosto de 2015, a Comissão para a Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia, da Câmara dos Deputados autorizou uma auditoria dos contratos entre o BNDES e Norte Energia S.A. A auditoria analisará se existem irregularidades na modificação das datas de entrega contratuais da usina e nas isenções de multas de aproximadamente R$ 75 milhões.

Global Witness recomenda que, para garantir a vida dos defensores ambientais, os Estados: ataquem a raiz do problema, através de medidas de combate à corrupção e impunidade, respeite o território ancestral das comunidades tradicionais, assim como o seu direito à consulta e consentimento prévio, livre e informado;

O tema de defensores já foi objeto de decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos. No caso Defensor Vs. Guatemala, o Tribunal destacou o trabalho realizado pelos defensores dos direitos humanos, considerando “fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito”. Além disso, estabeleceu que os Estados devem fornecer os meios necessários de modo que os defensores de direitos humanos possam exercer livremente suas atividades; proteger quando eles são ameaçados para evitar ataques as suas vidas e integridade física; gerar condições para a erradicação de violações por agentes do Estado ou particulares; abster-se de impor obstáculos à realização do seu trabalho, e investigar efetivamente as violações graves cometidos contra eles, lutando impunidade. A Corte ditou que a obrigação do Estado de garantir os direitos à vida e à integridade pessoal das pessoas é reforçada quando se trata de um defensor/a de direitos humanos, e que os Estados devem adotar as medidas especiais adequadas para uma proteção eficaz.

A Corte Interamericana estipula que para que as medidas sejam adequadas, estas devem ser idôneas para enfrentar a situação que se encontra a pessoa; e para serem efetivas, devem ser capazes de produzir os resultados previamente estabelecidos. Nesse sentido, a Corte estipula que para que seja idônea, os Estados devem adotar medidas acordes com as funções que desempenham os defensores; a adoção de avaliação de risco; e flexíveis de acordo com a variabilidade do risco que se encontra o defensor. Sobre a efetividade, resulta essencial: uma resposta imediata do Estado a partir da constatação do risco; que os responsáveis pela defesa dos defensores contem com a devida capacitação na matéria; e as medidas de proteção devem estar em vigor durante o tempo que os defensores necessitem para a preservação de sua vida e integridade.

É importante mencionar que no caso Luna López Vs. Honduras, a Corte já havia estabelecido que o trabalho realizado pela defesa do meio ambiente e sua relação com os direitos humanos requer atenção dos países em que se constata um número crescente de ameaças, atos de violência e assassinatos de ambientalistas em razão do seu labor.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no dia 5 de junho, em conjunto com relatores das Nações Unidas, também manifestou preocupação pela situação de defensores ambientais na América. Em especial, a Comissão tomou nota do número crescente de conflitos ambientais e a ausência de adoção e implementação de medidas eficazes para reconhecer e proteger aqueles que defendem e promovem os direitos sobre o território, o meio ambiente e aqueles ligados ao acesso à terra. Além disso, afirmou estar acompanhando os assassinatos de Waldomiro Costa Pereira e Antonio Mig Claudino no Brasil.

Rodrigo da Costa Sales é advogado do programa de “Direitos Humanos e Ambiente” da Associação Interamericana para a Defesa do Ambiente (AIDA) e Mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Notre Dame nos Estados Unidos da América. Também foi advogado da Secretaria da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em São José, Costa Rica.

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