Na guerra das barragens, o bordado virou arma política
Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Neudicléia de Oliveira apresenta o projeto que resgatou uma experiência feminista chilena em áreas afetadas por hidrelétricas no Brasil. Durante a ditadura militar […]
Publicado 12/07/2017
Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens, Neudicléia de Oliveira apresenta o projeto que resgatou uma experiência feminista chilena em áreas afetadas por hidrelétricas no Brasil.
Durante a ditadura militar chilena (1973 1990), as mulheres dos subúrbios de Santiago se utilizaram de um afazer cotidiano para criar uma ferramenta de resistência.
Conhecidas como arpilleras, os bordados foram uma das principais formas de denúncia da repressão sofrida durante o regime comandado pelo general Augusto Pinochet.
No Brasil, esta técnica foi resgatada há três anos para contribuir com a organização das mulheres atingidas, vítimas de uma série de violações de direitos humanos.
Nesta entrevista, a atingida e integrante da coordenação do Movimento dos Atingidos por Barragens, Neudicléia de Oliveira, relata a experiência das atingidas com as arpilleras.
O que é ser uma atingida?
Eu gostaria de frisar que ninguém escolhe ser atingida. Você não tem a opção de escolher se quer ou não ser atingida. Quem determina são as empresas do setor elétrico que constroem as barragens. Mas entre nós e elas não há consenso do que é ser uma atingida ou atingido. Para nós, são todos aqueles e aquelas que tem suas vidas prejudicadas. Ser atingida é ter os vínculos culturais, comunitários e familiares destruídos. Mas também é construir uma luta e se fortalecer com a organização.
Quem são especificamente essas mulheres e quais as principais violações que são submetidas?
Eu fui atingida pelas barragens de Machadinho (RS e SC) e Campos Novos (SC) quando ainda era uma criança. Fazendo um resgate histórico, podemos afirmar categoricamente que as mulheres são as mais prejudicadas pela construção de barragens no Brasil. Isso não é diferente do resto da sociedade, onde somos oprimidas diariamente pelo patriarcalismo. No nosso caso, um exemplo concreto é o título da terra, que está quase sempre no nome dos homens, o que nos exclui mulheres dos reassentamentos e indenizações.
Como é a organização das mulheres no movimento?
O marco do trabalho com as mulheres dentro do Movimento dos Atingidos por Barragens foi o Encontro Nacional das Atingidas, que aconteceu em 2011 e reuniu mais de 500 mulheres em Brasília. A partir daí, enxergamos a necessidade de lutar contra as violações cometidas pelas empresas do setor elétrico, mas também por mais espaço dentro do movimento. As arpilleras surgiram como uma alternativa interessante para contribuir com o empoderamento dessas mulheres.
Qual foi a fonte de inspiração e o que são as arpilleras?
As arpilleras são uma técnica de bordado que foram utilizadas pelas mulheres de Santiago, no Chile, como uma forma de resistência e denúncia durante a ditadura. Nós resgatamos essa técnica e começamos o trabalho com as atingidas a partir do início de 2013. Nestes dois anos foram realizadas mais de 100 oficinas com aproximadamente 900 mulheres de 10 estados brasileiros. As arpilleras representam a ressignificação do papel da costura na vida das mulheres. O que antes era apenas uma forma de subsistência é agora utilizado como uma ferramenta de luta. Na guerra das barragens, o bordado virou arma política.
E quais são os próximos passos do projeto?
Queremos expandir nossa experiência para o maior número de pessoas. Para isso lançaremos em agosto o documentário Arpilleras: atingidas por barragens bordando a resistência. A ideia é contar a história de dez mulheres atingidas das cinco regiões do país para ter uma amostra do que é ser uma atingida por barragem.
Confira o trailer:
Texto publicado originalmente no Brasil de Fato no dia 21/05/2015 e alterado dia 12/07/2017