A Samarco, os tapumes da vergonha e os murais da coragem
Demoramos, mas acordamos. É a Samarco levando lama onde a tragédia não chegou. As tardes de domingo são na tradição ocidental um dia de descanso do trabalho da semana que […]
Publicado 11/07/2017
Demoramos, mas acordamos.
É a Samarco levando lama onde a tragédia não chegou.
As tardes de domingo são na tradição ocidental um dia de descanso do trabalho da semana que passou e uma oportunidade para uma pausa restauradora que permite se reunir para orar, cada um em suas respectivas religiões, e também celebrar as amizades, passar o tempo com os pais e filhos ou ainda, simplesmente, dormir.
Mas, como descansar ou curtir a família se todos são obrigados conviver diariamente com poeira, barulho e uma montanha de rejeitos depositados de forma irresponsável pelas maiores mineradoras do mundo no quintal de casa? Esta é a situação de famílias atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, de propriedade da Samarco Mineração S.A (Vale e BHP Billinton) e que moram dentro do Parque de Exposições de Barra Longa.
Na madrugada do dia 6 de novembro de 2015, o mar de lama que desceu de Bento Rodrigues e veio como avalanche pelos rios Gualaxo do Norte e Carmo invadiu o centro urbano de Barra Longa. Atingiu cerca de 180 quintais, destruiu ou causou danos graves em mais de 100 casas, acabou com espaços coletivos como igrejas, praças, escolas, campos de futebol, etc., levou a cidade ao colapso total e transformou o pacato município em um canteiro de obras.
Na praça Manoel Lino Mol, a lama chegou a 8 metros de altura. E para retirar esta imensa quantidade de lixo da mineração do lugar coletivo mais utilizado pela população e também das casas dos moradores e comerciantes da região, a Samarco começou uma operação desastrosa utilizando caminhões que espalharam a lama ainda líquida por ruas não atingidas.
E para piorar a situação, a Prefeitura Municipal permitiu que a Samarco utilizasse o Parque de Exposições como local de depósito temporário de lama até que fosse encontrada uma solução definitiva. Mas, depois de muitos meses, a solução apresentada foi à acomodação do rejeito como base para a reconstrução do novo campo futebol e do Parque de Exposições destruído. O resultado é que os moradores passaram a conviver com esta poluição da lama e com os impactos das obras que causam danos nas casas e provocam o adoecimento, conforme já narrado no texto Samarco desaloja famílias 18 meses depois do crime.
Além de tudo, a Samarco, alegando o estranho argumento de que foi um pedido informal de um órgão ambiental, mas também como medida de segurança, cercou os moradores com tapumes que, na prática, tornam a situação invisível, escondem o problema e facilitam o contínuo adiamento do respeito aos direitos destas famílias.
Diante de tantos pedidos, de tantas reuniões, de uma proposta de acordo que não fala de prazos e valores, de tanto suportar a sujeira e o esquecimento, os moradores resolveram fazer deste domingo, 9 de maio, um dia de luta.
Organizados pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), transformaram os tapumes do preconceito, da injustiça e da vergonha em murais da resistência e da coragem. O que antes era a marca da exclusão e do esquecimento, agora será o local da denúncia e do desabafo.
As frases pintadas neste mural traduzem o que a população atingida sente neste momento:
Demoramos, mais acordamos. A Europa manda seu lixo para a África. A Samarco manda lama para o parque. Ser pobre é crime? Porque a Samarco tem nos condenado? Aqui há famílias vítimas de racismo ambiental. Este tapume esconde mais um crime da Samarco. É a Samarco levando lama aonde a tragédia não chegou. Lama e dor no parque foi a Samarco quem colocou.
Os domingos são também para a luta, para garantir dignidade e os direitos. Para pressionar e buscar soluções. Sobretudo, em tempos frios e sombrios como estes, em que o cinismo e a mentira comandam os golpes e a retirada de direitos.
Não há dúvida de que o trabalho digno e livre e o verdadeiro descanso só serão garantidos com a coragem de transformar caneta, papel e computador; enxada e machado, foice e martelo, spray, tintas, tapumes e disposição em instrumentos de trabalho usados até nas tardes de domingo como ferramentas de protesto e resistência. E os atingidos pela Samarco no Parque de Exposição de Barra Longa já entenderam isto.