Documento final da Marcha e do Encontro Um ano de lama e luta
Só a luta vencerá a lama. (Dom Geraldo Lyrio Rocha) Nós, atingidos e atingidas por barragens, organizações sociais brasileiras e internacionais, reunidos neste dia 05 de novembro, em Bento Rodrigues, […]
Publicado 10/11/2016
Só a luta vencerá a lama. (Dom Geraldo Lyrio Rocha)
Nós, atingidos e atingidas por barragens, organizações sociais brasileiras e internacionais, reunidos neste dia 05 de novembro, em Bento Rodrigues, distrito de Mariana (MG), viemos nos solidarizar e trazer o máximo de conforto e carinho para os familiares dos que morreram por causa do crime cometido pelo rompimento da Barragem de Rejeito da Samarco (Vale/BHP Billiton), um ano atrás.
Solidarizamo-nos com todas as famílias atingidas, de Regência (ES) a Mariana (MG), que sofrem as graves consequências do crime ocorrido. Recebam, todas e todos, o nosso fraterno abraço.
Grande parte dos que estão aqui marchou desde o dia 31 de outubro, em toda a extensão da Bacia do Rio Doce, fazendo o caminho contrario à lama. Testemunhamos o sofrimento e angústia das pessoas atingidas. Vimos surtos de doenças multiplicando-se aos milhares. As famílias têm medo de beber a água, sacrificam-se indo buscá-la em locais distantes ou gastam seu dinheiro para comprar água mineral. Testemunhamos a enorme angústia, inimaginável tristeza de quem perdeu familiares e amigos, suas referências culturais, sua casa, seu meio de subsistência, o seu emprego e trabalho, os pertences pessoais, os brinquedos das crianças, o rio, a água, animais domésticos, peixes e grande parte da natureza.
É trágico: a lama está em cada lugar, embaixo da areia na beira do mar, nas encostas, nas estradas, nas plantas, no leito do rio e, com certeza, agora se infiltrando pouco a pouco em todas as pessoas que com ela convivem, respirando, comendo ou bebendo dela.
Afirmamos com absoluta certeza que no Brasil, e em muitos lugares do mundo, houve e há uma grande comoção, um sentimento de dor, de revolta, e ao mesmo tempo de preocupação com a vida humana e com a natureza nesta região atingida. Há uma esperança e luta para que este crime não fique impune e que nunca mais se repita.
Mesmo diante de tanto sofrimento e dor, ao longo de toda a bacia do Rio Doce, testemunhamos a existência de um povo forte, trabalhador e lutador, que sofre, mas que tem esperança, que quer a justiça, quer seus direitos, e para isto está disposto a se organizar e lutar.
Denunciamos o crime cometido pela Samarco (Vale/BHP Billiton), que faz parte do sistema econômico vigente. Os grandes empresários e banqueiros submetem os trabalhadores/as à extraordinária exploração. E são absolutamente negligentes com relação às questões ambientais e sociais, colocando o lucro acima da vida.
Denunciamos ainda que estão em debate no Congresso Nacional Brasileiro leis que podem piorar ainda mais a atual situação dos trabalhadores, pois preveem maiores facilidades nos licenciamentos ambientais para a instalação das grandes obras. Esta lógica só privilegia o lucro dos grandes empresários e banqueiros que matam as pessoas e destroem o meio ambiente.
Denunciamos a atuação dos meios de comunicação de massa e da imprensa que apesar de ter feito a cobertura da tragédia e entrevistado atingidos, são conivente do discurso da Samarco e na invisibilização dos problemas não assumido por ela. Tal atuação viola o direito à comunicação de todos os atores envolvidos na defesa dos direitos dos atingidos
Denunciamos o atual modelo de mineração do Brasil, que viola as leis ambientais e trabalhistas e que visa a flexibilização das mesmas. Um modelo que contamina rios e nascentes, que consome enormes quantidades de água e energia. Tudo isto subsidiado pelo Estado, enquanto a população tem que arcar com o alto custo para o seu acesso. Este modelo torna o Brasil mero exportador de commodities sem agregar valor e sem desenvolver a indústria nacional.
Denunciamos que toda esta situação é autorizada e protegida pelo Estado em todas as esferas de poder (executivo, legislativo e judiciário). Em grande parte dos casos, o Estado protege o capital e as grandes empresas e nega os direitos do povo e o adequado tratamento das questões sociais e ambientais, que poderiam prevenir crimes iguais ao ocorrido com a Bacia do Rio Doce. Vergonhosamente, durante a marcha que fizemos, vimos espiões disfarçados das empresas, policiais militares fortemente armados para coagir os atingidos e proteger os criminosos.
Denunciamos principalmente as empresas Vale e BHP-Billiton, e sua subsidiária Samarco, por este crime. Os relatos nos apontam que há inúmeros indícios de omissão, negligência, desrespeito à vida e à natureza, falta de segurança, falta de acesso à informação, entre tantos outros.
Denunciamos finalmente o acordão fraudulento realizado sem a participação do povo atingido e de suas organizações.
Alertamos que há um alto grau de tensão social ao longo de toda a bacia do Rio Doce e que é urgente e necessário o pronto atendimento das demandas apresentadas pela população atingida. Responsabilizamos desde já as empresas e autoridades já nominadas por possíveis incidentes que possam ocorrer, fruto deste alto grau de tensão social, à qual esta população está submetida.
Após um ano do crime, percebemos que em relação aos diretos dos atingidos e trabalhadores pouco foi feito. Diante desta situação, exigimos uma maior agilidade na garantia dos direitos de toda população atingida.
Exigimos a participação popular em todas as decisões e acordos que sejam tomados. E que esta participação seja previamente informada, garantindo o direito de livre organização dos atingidos, sem pressão ou coerção por parte das empresas e das autoridades.
Exigimos que todo povo de Mariana permaneça trabalhando e ganhe para viver bem e sustentar suas famílias com dignidade. São os trabalhadores que produzem grande volume de riqueza. No entanto, o nível de exploração é alto. Nos últimos cinco anos, os trabalhadores da Samarco geraram cerca de treze bilhões de lucro para a companhia, algo em torno de 950 mil reais por trabalhador, por ano. Certamente o salário poderia ser mais valorizado e, mesmo que a empresa esteja temporariamente desativada, nenhum trabalhador necessitaria ser demitido.
Exigimos que o Estado brasileiro e as empresas responsáveis pelo crime paguem a divida social e ambiental com a sociedade brasileira e com os municípios que diminuíram sua arrecadação por causa desse processo criminoso. E que façam a reparação de todas as perdas, colocando todo o seu aparato a favor das famílias atingidas que fazem a justa luta por seus direitos.
Exigimos o pleno atendimento às pautas apresentadas pelos atingidos e suas organizações, e que na implementação de todos os projetos de recuperação seja estimulada e garantida a mais ampla participação popular na solução dos seus problemas, construindo com isso um ambiente propício à autodeterminação popular, com adequada restauração e compensação às perdas havidas.
Exigimos que seja paralisada a construção do Dique S4, o qual inunda o rastro do processo criminoso em Bento Rodrigues e busca apagar a memória do povo; que as ruínas permaneçam lá, intactas, como lembrança desse crime abominável.
Finalmente afirmamos nosso compromisso de fortalecer a organização e a luta dos atingidos e atingidas por barragens em toda a Bacia do Rio Doce. Reafirmamos toda solidariedade às justas ações necessárias para que a vida seja reestabelecida. Que possamos construir um futuro melhor para todos e todas.
Um ano de lama, um ano de luta!
Somos todos atingidos e atingidas!
Brasil, Mariana (MG), 05 de novembro de 2016.
Águas para a vida, não para a morte!
Entidades que assinam o documento:
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens
Amigos da Terra Brasil
Banda Falamansa
Cantor Flávio Renegado
Cantor Zé Geraldo
Centro de Documentación en Derechos Humanos Segundo Montes Mozo S.J. (CSMM) / Ecuador
CEPIS Centro de Educação Popular Instituto Sedes
Cesta Amigos de la Tierra – El Salvador
CFMEU Mining and Energy (Austrália)
Comitê Solidariedade à luta dos atingidos por barragens e Amigos do MAB dos Estados Unidos
CMP – Central de Movimentos Populares
CNQ CUT – Confederação Nacional do Ramo Químico da CUT
CNTE – Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação
Confederación General del Trabajo – España
Consulta Popular
CPT – Comissão Pastoral da Terra
Daniel Gaio Secretario Nacional Meio Ambiente – Central Única dos Trabalhadores CUT
Desenvolvimento e Paz Canadá
Deputado Federal Padre João presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal
Euro-deputado Xavier Benito Ziluaga – Partido Podemos – Estado Espanhol
Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar – MG
FETRAF – Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras da Agricultura Familiar
FEMQUIFERT-MG – Federação Mineira dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas, Plásticas e de Fertilizantes de Minas Gerais
FEQUIMFAR-FS – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo da Força Sindical
FITEM-CUT – Federação Interestadual dos trabalhadores nas indústrias da extração, pesquisa e prospecção de minérios e metais básicos, metálicos e não metálicos da CUT
FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação MG
FNDC Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
FNU – Federação Nacional dos Urbanitários
Fora do Eixo
FUP – Federação Única dos Petroleiros
Greenpeace Brasil
Grito dos Excluídos
Grufides – Perú
IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas
IDEX/Milhares de Afluentes – Estados Unidos da América
Jornalistas Livres
Jubileu Sul
LPJ – Levante Popular da Juventude
MAR – Movimento dos Afectados por Represas da América Latina (Movimiento Ríos Vivos Colombia, Movimiento dos Atingidos por Barragens Brasil, Patagonia sin Represas Chile, Movimiento Amplio por la dignidad y la justicia Honduras, Red de Educadores y Educadoras Populares/CMLK Cuba, Frente petenero contra las represas Guatemala, Consejo de Pueblos Mayas CPO Guatemala, Bloque Campesino Indígena Amazónico de Bolivia BOCINAB, Asociación de pescadores 16 de julio de Cachuela Bolivia, FUNPROCOOP El Salvador, Frente Nacional Agrario – El Salvador, Movimiento Popular Patria Grande Argentina, Rondas Campesinas de Perú, Otros Mundos Chiapas México, Bios Iguana México, Asamblea Veracruzana de Iniciativas y Defensa Ambiental LA VIDA- México, Consejo de Pueblos Unidos para la defensa del rio Verde COPUDEVER México, Red Nacional en Defensa del Agua – RENDA PANAMA)
Mídia Ninja
MISEREOR – Alemanha
MMM – Marcha Mundial das Mulheres
Movimiento Patria Grande – Argentina
Movimiento Rios Vivos – Colômbia
MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores
MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
PJR – Pastoral da Juventude Rural
Plataforma Interamericana de Derechos Humanos, Democracia y Desarrollo (PIDHDD Regional)
Rede de Médicos Populares
Sociedade Sueca pela Preservação da Natureza Suécia
Sindicato Compañia Minera Spence (Chile)
SINTRACARBON – Sindicato de Trabajadores de la Industria del Carbón (Colômbia)
SINDIFISCO – Sindicato dos Auditores Fiscais
SINDIPETRO – Sindicato dos Petroleiros de Minas Gerais
SINDÁGUA – Sindicato dos trabalhadores da purificação e distribuição de água em serviço de esgoto do Estado de Minas Gerais
Sitraemg – Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Estado de Minas Gerais
SINDIELETRO – Sindicato dos Trabalhadores Eletricitários de Minas Gerais
Sindicato nº1 Compañia Minera Cerro Colorado (Chile)
Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação de Minas Gerais
SINDUTE – Sindicato Único dos trabalhadores em Educação
TV Drone
Union de Afectados por Texaco – Chevron, Equador
War on Want – Inglaterra
LUTAR E ORGANIZAR, PARA OS DIREITOS CONQUISTAR!
STAR!