Em RO, IBAMA exige de Jirau a destinação social de casas ocupadas por atingidos

Aproximadamente 600 moradias, que já deveriam ter sido repassadas pelo consórcio da hidrelétrica de Jirau à prefeitura de Porto Velho (RO), finalmente serão destinadas aos atingidos, que ocupam há um […]

Aproximadamente 600 moradias, que já deveriam ter sido repassadas pelo consórcio da hidrelétrica de Jirau à prefeitura de Porto Velho (RO), finalmente serão destinadas aos atingidos, que ocupam há um ano a vila de Nova Mutum Paraná.


Após ocupação do IBAMA com 350 atingidos por barragens, no dia 9 de março, durante a Semana Internacional de Luta das Mulheres, o órgão apresentou ao MAB a determinação de que o consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), dono da Usina Hidrelétrica de Jirau, deverá repassar as casas da vila Nova Mutum Paraná, construída para abrigar os funcionários durante a construção da obra, para a prefeitura de Porto Velho (RO).

O parecer é uma conquista importante das famílias atingidas, que ocupam há um ano cerca de 600 casas da vila e resistem a ameaças de reintegração de posse. A destinação social das moradias, logo após a desmobilização dos trabalhadores do consórcio, estava previsto no licenciamento ambiental da hidrelétrica. Todavia, a Camargo Corrêa, subcontratada do consórcio ESBR, estava comercializando criminosamente os imóveis.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) exige que o repasse seja realizado imediatamente às famílias que já ocupam as moradias, além da devolução integral do dinheiro cobrado ilegalmente de algumas famílias.

De acordo com a coordenação estadual do MAB, este é um exemplo do modus operandi dos empreendimentos hidrelétricos. “Na condicionante socioambiental 2.15 da Licença e Operação da hidrelétrica, consta que as casas deveriam ser destinadas à prefeitura, ou buscar outra destinação socialmente viável. Entretanto, atingidos que ficaram sem a garantia de seus direitos à indenização e reassentamento, tiveram que ocupar as casas para exigir seus direitos violados e negados. Isso exemplifica padrão sistemático do tratamento às famílias no construção de barragens no Brasil”.

Confira o ofício do IBAMA.

Criminalização da luta dos atingidos no rio Madeira

De acordo com o MAB, essa lentidão do poder público em cumprir a lei, como no caso da destinação social das casas de Nova Mutum, potencializa os conflitos na região, resultando em ameaças a lideranças e aumento dos casos de violência. Entre as lideranças ameaçadas na comunidade, duas mulheres estão sendo inseridas no Programa Federal de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) coordenado pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos.

No início de janeiro, uma das principais lideranças do MAB em Rondônia, Nilce de Souza Magalhães, pescadora de Abunã, desapareceu, com fortes indícios de ter sido assassinada. Passados mais de 60 dias do seu sumiço, o caso ainda não foi esclarecido.

Entenda o caso de Nova Mutum Paraná:

A Vila de Nova Mutum Paraná foi construída pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela Hidrelétrica de Jirau no rio Madeira, projeto que compreende 1.600 unidades habitacionais montadas com placas de concreto pré-moldado. Uma pequena parte foi destinada para aparelhos públicos, outra para o reassentamento de parte das famílias atingidas, como os deslocados da antiga comunidade de Mutum Paraná. A maioria das casas foi destinada aos funcionários do consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR) e de suas subcontratadas, entre operários, engenheiros e encarregados.

A licença de operação da hidrelétrica, emitida pelo IBAMA, inclui a destinação das casas no âmbito da condicionante que compreende o programa de remanejamento da população atingida. Dessa forma, conforme as residências fossem sendo desocupadas pelos operários, o órgão licenciador deveria ser informado para tratar sobre a sua destinação, evitando o abandono das mesmas, que poderia propiciar a realização de atividades ilícitas.

É o que consta do Parecer do IBAMA nº 124/2012 (página 158), que avalia o pedido de emissão da Licença de Operação de Jirau a partir do cumprimento dos programas ambientais, como o Programa de Remanejamento da População Atingida:

“Foram construídas 1600 casas, das quais 195 abrigam as famílias remanejadas, 10 casas foram doadas à Prefeitura Municipal de Porto Velho para acomodar os profissionais das áreas de saúde e educação e 3 casas de apoio à Unidade Integrada de Segurança Pública (UNISP), as demais casas construídas estão sendo utilizadas pela ESBR e contratadas para acomodar as famílias de empregados. Durante o processo de licenciamento ficou acordado que as casas, assim que desmobilizados os trabalhadores que as ocupam, serão doadas para a Prefeitura Municipal de Porto Velho. Mesmo ciente de que o processo de construção civil da usina se estenderá até 2015 e que durante a operação ainda será demandado número considerável de empregados, caso a prefeitura não tenha interesse de receber as habitações, os imóveis desocupados poderão servir de alojamento para atividades ilícitas ou mesmo causar incômodos à população local. Neste caso, sugere-se que a LO, quando emitida, contemple a seguinte condicionante: Caso a Prefeitura Municipal de Porto Velho manifeste sua impossibilidade de receber as casas que serão desocupadas pela ESBR, previstas para serem doadas à prefeitura, a empresa deverá tomar providências para outra destinação socialmente viável dos imóveis e/ou desmobilização das estruturas, aliado as atividades de recuperação de áreas degradadas constantes no PRAD do empreendimento.”

Em 2015, com grande parte do contingente de operários desmobilizado, devido ao estágio avançado da obra, muitas casas que antes eram utilizadas pelos funcionários da Camargo Corrêa estavam vazias e parte sendo indevidamente comercializadas, uma vez que se trata de obra financiada com recursos públicos oriundos do BNDES e objeto de cumprimento de condicionante socioambiental constante na licença de operação do empreendimento.

Além disso, as casas eram oferecidas à venda para as próprias famílias atingidas por barragens, como as que foram desapropriadas por Jirau em Mutum Paraná, parte até hoje sem qualquer forma de reparação (indenização, carta de crédito ou reassentamento). Muitas destas foram enquadradas nos chamados “estudos de caso” – a empresa selecionava casos considerados de difícil resolução para apreciar posteriormente, mas jamais trataram seus problemas, como é o caso de famílias também em Vila Jirau, Ramal Primavera, entre outras localidades.

Assim, em abril de 2015 cerca de 600 casas que estavam abandonadas foram ocupadas por centenas de famílias, parte destas atingidas pelos impactos de Jirau e Santo Antônio e pela cheia do rio Madeira em 2014. A ocupação das casas de Nova Mutum Paraná abrange atingidos de diversas origens como Jaci Paraná, Mutum Paraná, Abunã, mas também operários e ex-operários da obra de Jirau. Há muitas famílias de jovens casais, que se formaram durante o período da obra, entre ribeirinhos e trabalhadores urbanos, mães solteiras, algumas com filhos de “barrageiros” – como são chamados os operários que trabalham na construção de barragens e viajam pelo país de uma obra para a outra.

Em 22 de abril, o advogado Henrique Oliveira Junqueira, em nome da empresa Camargo Correa, entrou com pedido de reintegração de posse da área. O pedido foi concedido em liminar pelo Juiz Danilo Augusto Kanthac do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, apesar do grave vício de ilegalidade, originado com a comercialização das casas, e sem a realização da obrigatória audiência de justificação de posse, prevista no artigo 928 do Código de Processo Civil. O juiz fixou multa diária de R$ 700,00 por pessoa que descumprisse a decisão.

Sobre o caso, Leandro Gaspar Scalabrin, advogado do Movimento dos Atingidos por Barragens, afirmou, em artigo publicado pela Articulação Justiça e Direitos Humanos – JusDh, que: “(..) o chamado “devido processo legal” sofre de uma discriminação histórica quando tramita tendo o pobre como requerido. Em Porto Velho, o Poder Judiciário sequer se preocupou em identificar que são as pessoas pobres que estão morando naquelas casas, nem em citá-las pessoalmente para que pudessem constituir advogado de defesa e apresentar suas alegações de fato e de direito. Essas pessoas são invisíveis para o juiz, jamais serão conhecidas dele, nem terão oportunidade de se sentarem diante do mesmo numa audiência ou de levarem sua defesa escrita para que o mesmo a possa analisar. O Judiciário se omitiu diante do fato incontestável de que essas pessoas não tem onde morar, lavando suas mãos diante do mesmo, como se o direito social a moradia não pudesse ter abrigo no tribunal”.

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