Rio de lama, cemitério de peixes

Com a economia local baseada na pesca, moradores de Baixo Guandu (ES) relatam o drama decorrente da contaminação do Rio Doce. Por Neudicléia de Oliveira, de Baixo Guandu Fotos: Leandro […]

Com a economia local baseada na pesca, moradores de Baixo Guandu (ES) relatam o drama decorrente da contaminação do Rio Doce.


Por Neudicléia de Oliveira, de Baixo Guandu

Fotos: Leandro Taques

Desde o rompimento da barragem de rejeitos de minério da Samarco (Vale/BHP Billiton), ocorrido no dia 5 de novembro em Mariana (MG), moradores que vivem nas margens do Rio Doce vêm sofrendo grandes impactos decorrentes da lama tóxica que foi despejada na água. Além de não terem mais acesso direto ao rio, muitas famílias perderam a renda que era conquistada por meio da pesca profissional e artesanal.

Infelizmente, para os moradores do distrito de Mascarenhas, pertencente ao município de Baixo Guandu (ES), essa situação não é uma novidade. Construída na década de 70, quando ainda não eram necessários estudos prévios de impacto ambiental e social, a Usina Hidrelétrica Mascarenhas impactou diretamente a fauna e a flora do rio.

Além de ter enfrentado as consequências do empreendimento, o pescador Nilson Alves Cardoso, de 62 anos, vive atualmente um clima de tristeza e indignação pelo crime ambiental cometido pela Samarco. Com uma casa construída à jusante da hidrelétrica, Nilson foi obrigado a paralisar suas atividades e, ademais, sofre com o medo de ser atingido pelas enchentes. “A lama que chegou aqui no rio alterou completamente a minha vida e da minha família. A pesca acabou, nosso rio morreu e nós estamos vivendo é com medo que a qualquer hora mais lama possa descer e aumentar o nível do rio”, lamenta Nilson.

Com suas tarrafas e outros instrumentos de trabalho sem utilização alguma nesse momento, Nilson relembra que, além dele, seu filho e neto também o acompanhavam na pescaria. “Desde cedo ensinamos nossos filhos a pescar. O Rio Doce nos representava vida, alegria. Era o sustento de muitas pessoas. Esse rio salvava muita gente: muitas pessoas que não tinham dinheiro e estavam sem serviço pegavam peixe e vendiam pra sobreviver”, recorda Nilson.

Indignado por não ter sido cadastrado no levantamento que a Samarco está fazendo ao longo da bacia do Rio Doce, o pescador acredita apenas na fé. “Agora está na hora de esperar a vontade de Deus”, afirmou Nilson.

A vida ao longo dos 880 quilômetros do Rio Doce foi destruída, a água totalmente contaminada e os peixes praticamente todos mortos até a chegada ao oceano Atlântico no estado do Espírito Santo. Além dos pescadores, outro publico que está sofrendo grandes impactos são os comerciantes. Com a restrição da pesca, a venda e o consumo do peixe estão paralisadas, com a exceção dos comerciantes que haviam estocado o produto.

O comerciante José Júlio, de 60 anos, tem um estabelecimento comercial no distrito de Mascarenhas, onde atendia toda a comunidade e os turistas nas temporadas de férias. Segundo ele, com chegada da lama as vendas têm diminuído gradativamente.

Sua filha mais velha, Francislene Pereira, de 22 anos, trabalha no município de Colatina (ES), mas faz questão de voltar à comunidade dos pais aos finais de semana. A primogênita conta que as vendas do armazém do seu pai está despencando em decorrência do paralisação da pesca. “Quem trabalhava fora complementava a renda com a pesca, era como se fosse uma moeda de troca, aqui mesmo trocávamos produtos do bar pelo peixe”, explicou Francislene.

Emocionada, ela relata que estes fatos têm mexido com o psicológico da família, inclusive o dela. “Estarmos sofrendo com essas questões diariamente. Quando a lama chegou aqui eu fiquei muito abalada e triste, chorei mesmo. Tenho só 22 anos, mas fui criada comendo peixe e entrando no rio. Nas horas das dificuldades, lembro do papai e mamãe amassando o peixe para nós comermos e agora vem e fazem isso com nosso rio”, desabafa Francislene.

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