“O ataque à classe trabalhadora no Brasil é semelhante ao que ocorre nos EUA”

Após quase um mês em terras brasileiras, a dupla de militantes dos Estados Unidos Robert Robinson e Joelle Robinson partiram de volta para seu país levando na bagagem o compromisso […]

Após quase um mês em terras brasileiras, a dupla de militantes dos Estados Unidos Robert Robinson e Joelle Robinson partiram de volta para seu país levando na bagagem o compromisso de ecoar a voz dos movimentos brasileiros e seguir fortalecendo os laços de solidariedade. Os dois fazem parte do grupo “Amigos do MAB nos EUA”, uma articulação de solidariedade à luta dos atingidos por barragens.

Eles participaram de um intercâmbio formado por quatro etapas: A primeira foi focada no estudo da conjuntura brasileira, na formação política e na articulação com movimentos por moradia e sindicatos em São Paulo. Em seguida, o grupo partiu para Minas Gerais, onde conheceu a organização do MAB nas regiões de Itueta e Resplendor, além de organizações da capital Belo Horizonte. Depois, passaram cinco dias na região atingida pela barragem de Belo Monte, tendo a oportunidade de conhecer de perto os impacto da maior obra em andamento no país e as experiências de luta dos atingidos.

Confira a seguir entrevista com a dupla:

Quais são as impressões de vocês sobre a realidade da classe trabalhadora no Brasil? Quais as semelhanças e diferenças com relação à dos EUA?

Joelle: Minha impressão que parte da classe trabalhadora brasileira tem consciência de quais forças dificultam uma vida de melhor qualidade para os trabalhadores e por isso está envolvida nos movimentos sociais. Creio que, semelhante aos Estados Unidos, existe uma parte da classe trabalhadora que não se considera parte desta classe e por isso não se engaja na luta social e política que está ocorrendo tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.  Penso que no Brasil há uma presença maior de formação política, o que não ocorre tanto nos Estados Unidos, e em consequência não temos tantos movimentos organizados nos Estados Unidos.

Rob: Penso também que o ataque à classe trabalhadora no Brasil é semelhante a que ocorre nos Estados Unidos: baixos salários, ataque à organização de classe, tentativa da retirada de direitos. Penso que são realidades parecidas. Mas há alguma diferença na organização que ocorre na base. Nos Estados Unidos, as pessoas são muito mais individualistas, e penso que isso vem de um discurso ideológico das corporações e do Estado que direcionam as pessoas para um sentido. Aqui no Brasil se vê que há uma compreensão de quais forças políticas estão contra as pessoas, e que essa força é internacional, e por isso a resistência também tem que ter esse caráter internacional.  Por isso a formação, como vocês fazem aqui, é muito importante.

Nessa visita, vocês tiveram a oportunidade de conhecer regiões bem diferentes do país, nas quais os impactos causados pelas obras de hidrelétricas estão em diferentes estágios. O que foi possível aprender sobre nosso modelo energético?

Rob: Conhecemos uma região onde já está construída a hidrelétrica, e as pessoas continuam organizadas para reivindicarem os compromissos feitos pela empresa e que até hoje não foram cumpridos. Vimos isso em Itueta e Resplendor, no estado de Minas Gerais. Lá se vê como depois da construção da barragem a vida das pessoas foi atingida, foi virada de cabeça para baixo. A comunidade foi basicamente destruída e reconstruída em outra área, para mim isso é bizarro. O que existia em Itueta antes não existe mais. Dona Cleide, por exemplo, nos levou para a antiga Itueta e apontou para uma arvore (debaixo d’água) onde era sua antiga casa. E as pessoas vivem com esse tipo de lembranças. Isso me remete ao momento pós-furacão Catrina em Nova Orleans, onde as casas das pessoas foram destruídas, pessoas morreram e mesmo depois de dez anos muitos permanecem sem casa. Vimos também a situação de pessoas atingidas por Belo Monte, onde a obra ainda não está completa, e, a empresa não cumpriu com seus compromissos; enquanto um grupo de pessoas recebem o direito de uma nova moradia, outros atingidos estão ficando de fora desse direito, esse tratamento creio que é complicado. Então creio que a organização das comunidades é importante durante a construção e depois da construção, juntando essas forças, trocando essas experiências.

Eu venho de um movimento pela luta a terra e moradia. A terra significa vida, casa, produção de alimentos, comunidade. E se compreende isso aqui também. A questão da terra também significa água.  Por exemplo, o caso dos ribeirinhos, é mesma coisa, a vida deles depende de pescar o peixe que esta na água, e perdem isso com os impactos. Então a luta pela terra também deve nos unir na luta internacional por uma sociedade justa.

Joelle: Esse intercâmbio também nos proporcionou entender o questionamento “Energia para quê e para quem?”, pois se constrói uma barragem com o discurso que vai trazer desenvolvimento, mas de fato não é o que acontece. Esse modelo energético não está trazendo beneficio para as pessoas, está apenas beneficiando as corporações.

Joelle e Rob em frente à hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu (PA)

Que aprendizados vão levar para os Estados Unidos?

Joelle: Entre os aprendizados está a importância da formação política para as organizações e também se organizar e lutar.  A outra questão é conectar as questões que estão acontecendo aqui no Brasil e nos Estados Unidos, pois às vezes não se vê claramente as conexões. Por exemplo, o caso em Belo Monte, uma pessoa atingida nos contou que agora está relocada, que as ruas são diferentes, não reconhece sua comunidade, uma situação que me remete aos casos nos Estados Unidos de gentrificação; em que as pessoas são empurradas fora das suas comunidades, são obrigadas a se mudarem para dar espaço para interesses do capital. Se olhar de forma superficial, pode pensar que não há relação, mas eu acho que tem essa conexão.

Rob: Ha dois grandes aprendizados aqui no Brasil, o primeiro é novamente sobre a formação, a analise crítica da realidade. Também a independência em relação às organizações filantrópicas. Nos Estados Unidos, elas acabam ditando como as organizações devem agir. Aqui os movimentos dão vozes às comunidades e aos trabalhadores. O segundo aprendizado é a resiliência das pessoas, que mesmo depois de tudo que elas passam elas mesmo assim continuam a lutar.

E quais aprendizados gostariam deixar registrados para os brasileiros?

Joelle: Bom, eu suponho que as pessoas sabem que há problemas nos Estados Unidos. Mas aparentemente há muitas pessoas aqui que compram o discurso americano de que está tudo ótimo, todos podem ter sucesso, a única coisa que tem fazer é trabalhar muito – o que não é bem assim. Eu espero que através do intercâmbio, da troca de experiências, possamos ver as semelhanças nos desafios vividos pelas pessoas, e com isso entender melhor o porquê e como podemos unir forças para fazer a mudança.

Rob: Espero que as pessoas aqui no Brasil possam entender que os mesmos desafios que se passa aqui no Brasil, também acontece nos Estados Unidos, apesar do discurso da mídia, do governo americano, os desafios são os mesmo o ataque a classe trabalhadora, o racismo… Nos Estados Unidos muitas pessoas acham que elas fracassaram pois não atingiram as diretrizes do discurso “do sonho americano”, desconsiderando o fato de que este é um sistema fracassado. Como você pode vencer se há um sistema contra você? Que as pessoas aqui no Brasil possam registrar que o grande Gorila do mundo, os Estados Unidos, tem os mesmos problemas que aqui no Brasil.

Por último, aprecio muito o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) por nos acolher, e as pessoas por terem compartilhado suas experiências, terem nos abrigado em suas casas, a hospitalidade do povo brasileiro em geral pois as pessoas que menos têm nos acolheram tão bem. 

Perfil

Joelle Robinson faz parte da ONG EcoHermanas, cujo foco é o direito à alimentação saudável pelas comunidades negras em Washington DC. A idéia é fomentar hortas comunitárias, incentivar produtores locais a criar mercados próximos a essas comunidades e discutir essa problemática com a sociedade.

Robert Robinson faz parte do “Take Back the Land” (retomar a terra). Surgido no contexto da crise de 2008, a prática do movimento é ocupar as casas vazias ou impedir o despejo das famílias por dívidas. Segundo ele, a terra é uma disputa central, pois permite a moradia, o plantio de alimentos e a criação de uma comunidade, e não deve ser vista como uma mercadoria.

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