Terceirização: questão de vida ou morte

Terceirização ampliada nos anos 90 deixou herança ingrata para os trabalhadores do setor elétrico. Atualmente, categoria é recordista no número de mortes no Brasil: 2 por dia.  A energia elétrica […]

Terceirização ampliada nos anos 90 deixou herança ingrata para os trabalhadores do setor elétrico. Atualmente, categoria é recordista no número de mortes no Brasil: 2 por dia. 


A energia elétrica no Brasil está muito cara e a qualidade é péssima. O número de reclamações dos clientes aumentou 134% após as privatizações, segundo dados da COGE, fundação ligada a instituições empresariais do setor. O modelo energético, baseado nas privatizações, visa apenas o lucro e foi responsável pela precarização e terceirização dos trabalhadores, o que gerou dados alarmantes sobre mortes no setor.

Em Minas Gerais, por exemplo, segundo dados do Sindieletro – MG (Sindicato dos Eletricitários de Minas Gerais), morre um trabalhador terceirizado a cada 45 dias desde 1999 nas áreas sob concessão da Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais). As empresas especulam e lucram bilhões, mas não reinvestem no setor.

Antes dos anos 90, o controle da energia era estatal. Após a privatização, empresas internacionais de grandes grupos econômicos da Europa, dos EUA e alguns brasileiros passaram a controlar o setor elétrico. Isso trouxe uma nova forma de organização, no qual a energia elétrica, um bem público, transformou-se em uma mercadoria. O atual modelo penaliza o povo brasileiro, que paga caro por um serviço de baixa qualidade.

No Brasil, 80% da energia elétrica gerada provêm de hidrelétricas. É a forma de obtenção de energia mais barata. Mesmo assim, a energia no Brasil é uma das mais caras do mundo. Segundo levantamento da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), os brasileiros pagam a 11ª tarifa mais elevada do mundo.

Essa conta é resultado de altos lucros das multinacionais do setor elétrico. As empresas mandam seus lucros extraordinários para acionistas privados, geralmente no exterior, e não reinvestem esse dinheiro na melhoria da qualidade da energia.

Os consumidores reclamam que são frequentes as quedas e a falta de energia elétrica. Os postes e as linhas de transmissão estão velhos, depreciados e sem manutenção. Há demora no atendimento ao consumidor e prazos não são cumpridos no reestabelecimento da energia. É frequente a queima de máquinas e equipamentos elétricos, causando prejuízos e perda na produção e nos produtos armazenados.

Além disso, esse modelo piorou as condições de trabalho dos eletricitários.

Precarização

No início do governo Collor teve início o processo de privatização e, concomitantemente, milhares de demissões de trabalhadores do setor. Na década seguinte, já com Fernando Henrique Cardoso no poder, essa política conhecida como neoliberalismo chegou à área da energia. A centenária Light, por exemplo, teve um desconto de seu preço de venda de R$ 600 milhões de reais para que fosse privatizada – na época foi arrematada por um consórcio de empresas privadas por US$2,26 bilhões. Após essa decisão, 4 mil trabalhadores foram demitidos.

As privatizações pioraram a qualidade de vida dos eletricitários. A rotatividade e a terceirização aumentaram, gerando ainda mais demissões.  Segundo dados da Eletrobrás, o número de trabalhadores demitidos de 1996 a 2004 foi de 81.117 postos de trabalho. Nesse período, o quadro de pessoal foi reduzido de 168.380 para 87.203, representando um corte de 51,7% em 8 anos. Hoje, mais de 60% do total de trabalhadores do setor elétrico são terceirizados. Na Cemig – D, distribuidora de energia de Minas Gerais, a porcentagem de trabalhadores terceirizados é de 73%.

O representante do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (Stiu-DF), Jeová Oliveira, aponta que, no ano de 1989, a Companhia Energética  de Brasília (CEB) tinha um quadro de 3 mil funcionários que atendiam 380 mil clientes. Hoje são mais de um milhão de clientes e menos de mil funcionários.

Além disso, a falta de qualificação técnica dos trabalhadores e a alta taxa de rotatividade geram uma série de danos aos trabalhadores do setor elétrico.

“Os trabalhadores do setor são substituídos a cada 6 meses ou no máximo um ano e não se tem a preocupação de capacitar e qualificar o trabalhador que entra na empresa. Os trabalhadores não tem segurança no trabalho. A categoria dos eletricitários é a que mais morre no país”, afirma Jeová.

 

Extermínio 

Segundo os dados do Relatório de Estatísticas de Acidentes no Setor Elétrico Brasileiro em 2011, da Fundação COGE, 139 empregados do quadro próprio das empresas do setor elétrico brasileiro morreram em acidentes fatais típicos, enquanto que no quadro das contratadas, foram 609 mortes. Ocorreram 8940 acidentes que resultaram em afastamentos, entre os quais se inclui um elevado número de mutilações.

Enquanto a taxa de acidentes fatais típicos de todos os trabalhadores brasileiros foi calculado em 5,8 por 100.000 trabalhadores em 2011, entre os trabalhadores do quadro próprio das empresas do setor elétrico a taxa de mortalidade chegou a 16,7 por 100.000. Já nas empresas terceirizadas, essa taxa foi ainda muito maior, de 44,3 mortes em cada 100.000 trabalhadores.

O representante do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo, o professor Paulo Henrique Falco Ortiz, aponta dados que potencializam a quantidade expressiva de mortes e mutilações. “As empresas terceirizadas pagam salários 67,5% menores que as contratantes, 72,5 delas não oferecem benefícios e 32 % não oferecem equipamentos de segurança individual”, afirma.

Plano Decenal

O modelo energético atual prevê, como prioridade, até 2022, a construção de hidrelétricas. Hoje, em todo o Brasil, os atingidos por construções de barragens são calculados pelo MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens) em 1 milhão de pessoas. E mais 250 mil serão afetadas pelas obras previstas no Plano Decenal, que prevê investimento de R$ 100 bilhões e o alagamento de 650 mil hectares. Cerca de 80% das hidrelétricas serão construídas em rios da Amazônia: Tocantins, Xingu, Tapajós e Madeira.

O Relatório Nacional de Direitos Humanos, publicado em 2010, registra que, no Brasil, vigora um padrão de violação dos direitos dos atingidos por barragens: 16 direitos são sistematicamente desrespeitados quando se trata desse segmento da população. Há uma dívida histórica com os atingidos. Em todas as barragens construídas até hoje no país ocorreram violações dos direitos humanos.

Gilberto Cervinski, da coordenação nacional do MAB, relata que o maior problema do setor elétrico é o seu modelo “Há a necessidade de uma mudança no setor elétrico. Existe um baixo quadro de funcionários e muitas mortes. A energia elétrica é um bem social e não uma garantia de lucro. Quando se constrói uma hidrelétrica, a concessão é dada pela união, mas as populações atingidas não tem nenhuma forma de reparação garantida. Cada empresa define o tratamento dos atingidos. Menos reparação aos atingidos é uma maneira de aumentar o lucro delas”. Cervinski aponta ainda que a cada 2 reais ganhos pelas empresas do setor elétrico, um real é lucro. A luta dos atingidos é por uma mudança do modelo energético no país. “O debate sobre as tarifas de energia é a melhor forma de mostrar que toda a população é atingida por esse modelo.”, diz Cervinski.

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