Sete anos depois, violações de direitos humanos ainda persiste

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reconheceu em 2010 que “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências […]

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) reconheceu em 2010 que “o padrão vigente de implantação de barragens tem propiciado, de maneira recorrente, graves violações de direitos humanos, cujas consequências acabam por acentuar as já graves desigualdades sociais, traduzindo-se em situações de miséria e desestruturação social, familiar e individual.”

O relatório possui mais de 600 páginas relatando a violação de direitos humanos que as populações atingidas por barragens têm sofrido em várias partes do Brasil1.

A situação sete anos depois

Em 2011 foi constituído um Grupo de Trabalho no CNDH com o objetivo de monitorar a implementação das recomendações do Relatório apresentado pela Comissão Especial Atingidos por Barragens”2 aprovado em 2010.

O GT, em seus trabalhos, elaborou e apresentou ao CNDH as seguintes proposições:

– Proposta de alterações do Decreto Federal que institui o Cadastro sócio-economico dos atingidos por barragens;

– Anteprojeto de lei sobre a Comissão Nacional de Reparação elaborado para dar cumprimento às recomendações 100 e 101 do Relatório sobre Violações de Direitos Humanos na Construção e Operação de Barragens (aprovada em 11 de outubro de 2011);

– Proposta/regulamento de concurso de artigos para viabilizar a recomendação n. 32 (estudo sobre a utilização do interdito proibitório como forma de cerceamento do direito de manifestação);

– Proposta de Convocação da Conferência Nacional de Energia, para atender ao disposto na recomendação n. 10;

– Proposta de dispositivo normativo sobre assessoria técnica a organizações da sociedade civil representativas de populações atingidas, de 19 de julho de 2012, para atender a recomendação n. 7;

Em 2013 e 2014 o GT retornou às barragens de Canabrava, Tucuruí, Aimorés, Foz do Chapecó, Fumaça, Emboque e Acauã para verificar a situação dos atingidos sete anos depois da visita e dos relatórios de violação de direitos.

A situação encontrada pelos integrantes do GT, segundo o representante do MAB no mesmo, não difere muito daquela reportada pela Comissão Especial em 2007: “as barragens provocaram degradação das condições de vida materiais das pessoas, com a ruptura de redes culturais, sociais e econômicas; agravando, piorando a sua anterior condição de existência; colocando-os em situação de exclusão social que não havia anteriormente”.

A maioria dos problemas apontados pelos relatórios de violação de direitos permanecem e, em alguns casos, foram agravados. As recomendações para que fossem concedidas reparações para as famílias atingidas não foram acolhidas e implantadas pelas empresas do setor elétrico e pelos órgãos responsáveis.

Não repetição

Entre os principais fatores que causam as violações de direitos humanos apontados pelo relatório, está a ausência de legislação que reconheça e garanta os direitos das populações atingidas, a falta de uma atuação do poder público para implementar estes direitos, precariedade e insuficiência dos estudos ambientais realizados pelos governos federal e estaduais, e a definição restritiva e limitada do conceito de atingido adotados pelas empresas.

A aprovação de uma Política Nacional de Direitos para os atingidos por barragens seria a forma de garantir-se a não repetição da violação de direitos humanos na construção de barragens, como aquelas ocorridas nos casos analisados.

O MAB tem reivindicado a aprovação desta política desde 2010, sem grandes avanços junto ao governo federal. Como a situação permanece a mesma, novos casos de denúncias de violações são recebidos pelo CNDH, como aconteceu nos casos das Usinas do Rio Madeira, Belo Monte, Garibaldi, Baixo Iguaçu e outras. Em 2013, por exemplo, os atingidos por barragens apresentaram denúncia contra a UHE Garibaldi (SC), que de tão graves, motivaram a ida do ouvidor nacional de Direitos Humanos à região. Em 2014, o MAB elaborou 12 relatórios de violações de direitos humanos no Brasil, e as atingidas por barragens as representaram em arpilleras.

 

Conquistas: o legado do relatório do CNDH

Embora a situação dos atingidos que serviu de base para as conclusões do CNDH ainda seja a mesma, o relatório foi importante para dar visibilidade à situação das barragens no Brasil e também dos casos analisados. Em Tucuruí, Emboque, Fumaça e Foz do Chapecó as empresas fizeram concessões aos atingidos. Em Cana Brava está em fase de finalização um acordo de R$6 milhões para reparar os garimpeiros que ainda não foram indenizados. Em Acauã, o governo da Paraíba criou uma mesa de negociação com o MAB para tentar viabilizar reassentamento para famílias.

A partir da aprovação do relatório ganhou força a proposta do MAB de criar um marco regulatório dos direitos dos atingidos a nível nacional, chamado de política de direitos, e também a nível internacional, junto as Nações Unidas, através da pressão dos movimentos sociais de todo mundo pela criação de um “Tratados dos Povos”, como norma vinculante que imponha às empresas obrigações jurídicas internacionais quanto a violações de direitos humanos.

Em 2010 o MAB conquistou a promulgação do Decreto Federal nº 7.342/10 e da Portaria Interministerial nº 340/2012, que estabelecem a obrigatoriedade da realização do cadastro socioeconômico nas áreas diretamente afetadas pelas barragens, com o objetivo de recolher informações que possibilitem identificar e analisar as condições e modos de vida da população atingida, o qual tentou ser uma resposta do governo federal ao relatório sobre a situação de violações de direitos nas barragens do setor elétrico.

Em 2012, o IBAMA, através da nota técnica 89/2012, institui normativa interna a ser seguida nos licenciamentos federais, para indenizações e reassentamentos, que contemplam e se referem ao relatório do CNDH.

Em 2014 foi assinado o Decreto Estadual n. 51.595 que institui a Política Estadual dos Atingidos por Empreendimentos Hidrelétricos no Estado do Rio Grande do Sul – PEAEH. O Decreto também criou o Comitê Gestor Estadual e os Fórum de Participação Permanente a ser constituído nas regiões atingidas por projetos hidrelétricos no Rio Grande do Sul com a participação das comunidades locais e representações da sociedade civil organizada.

O MAB considera uma vitória histórica do movimento a criação desta Política Estadual de Direitos dos Atingidos, o primeiro marco legal neste sentido e o único do país, o qual incorpora várias propostas do relatório do CNDH.

1 O Relatório completo está disponível no site: http://www.direitoshumanos.gov.br/conselho/pessoa_humana/relatorios

2 O GT ficou assim constituído: Dr. Edgar Flexa Ribeiro, representante do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana; Dr. Carlos Bernardo Vainer, representante do Instituto de Pesquisa e Planejamento urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR); Dr. Joceli Andrioli e Dr. Leandro Scalabrin, representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB); Dr. Pedro Grossi Matias, representante da Defensoria Pública da União; Dr. João Akira Omoto e Maria Luiza Grabner, representantes do Ministério Público Federal; Dr. Moisés Savian, representante do MMA; Dra. Silvia Ramos e Dr. Leonardo Povoa, representantes do MME; Dr. Silvio Brasil, representante da Secretaria Geral da Presidência da República.

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro