A partir das águas: argumentações midiatizadas, resistência popular e a transposição do rio São Francisco

Grandes projetos infraestruturais em rios, como, transposições, barragens para geração de energia e abastecimento hídrico, têm sido propulsores de conflitos socioambientais em diversas realidades do sistema-mundo capitalista. Contra esses empreendimentos, […]

Grandes projetos infraestruturais em rios, como, transposições, barragens para geração de energia e abastecimento hídrico, têm sido propulsores de conflitos socioambientais em diversas realidades do sistema-mundo capitalista. Contra esses empreendimentos, articulam-se inúmeras redes de resistência antissistêmicas que pretendem com base na participação popular, efetivar a defesa socioambiental de forma indissociável da concretização de alternativas ao modelo capitalista. Essas defesas contribuem para o acúmulo de poder popular, por meio da elaboração e disseminação de ideologias emancipatórias, objetivando a necessária construção da ordem sociometabólica de transição. Tais redes disputam um novo modelo de sociedade em diversos espaços, entre eles o midiático controlado hegemonicamente pelo poder dominante. Um caso específico desse contexto é a transposição do rio São Francisco, situada no Nordeste brasileiro: obra de maior porte infraestrutural iniciada no governo Lula e objeto de intensa midiatização. Contra a obra, convergiram diversas ações coletivas fruto da união entre movimentos sociais, como, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entidades religiosas, etnias indígenas e comunidades quilombolas. Essas forças sociais conformaram a rede de resistência popular contra a transposição do rio São Francisco, constituindo uma articulação sem precedentes em termos de diversidade social contra uma obra estatal no Brasil. Seu ciclo de mobilizações teve pico de efervescência entre 2005 e 2007, sofrendo um refluxo em 2008, com o avanço do empreendimento, então, liderado pelo Exército. Nesse contexto, esta tese foi motivada pela seguinte pergunta: de que forma discursos veiculados pela Folha de S.Paulo retrataram a rede de resistência popular contra a transposição do rio São Francisco, no período de 2005 a 2007? A metodologia utilizada foi a análise de discurso com base em referentes imagéticos e textuais da Folha de S.Paulo, interessando compreender por quais mecanismos ideológicos, isto é, por quais estratégias de construção simbólica a resistência popular foi retratada pelo Jornal. A pesquisa verificou que 61,5% das reportagens do Jornal sobre a transposição foram elaboradas de forma a noticiar centralmente ações da rede de resistência. Entretanto, nas capas, fotografias, reportagens e editoriais, notou-se que, em grande medida, essas publicações ocultaram a diversidade de atores sociais da rede de resistência, bem como, as suas propostas socioambientais e alternativas à transposição. Outra estratégia utilizada foi a de ridicularizar e/ou minimizar a importância política das lideranças e da organização da resistência. Comumente, as mobilizações foram simbolizadas como atos violentos vinculados a vandalismos, a invasões ou representadas em oposição a forças militares. Percebe-se que a busca desses atores por participação política emancipatória foi bastante deslegitimada pelo Jornal, e seus argumentos voltados à defesa ambiental e dos direitos humanos, foram silenciados ou descaracterizados das propostas originais. Todavia, cabe considerar diferenças no interior do Jornal, visto que a maioria dos autores dos artigos de opinião se posicionou contra a obra e/ou favorável à rede de resistência. Palavras-chaves: rede de resistência popular; transposição do rio São Francisco; mídia e ideologia.

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