Atingidos por Belo Monte denunciam violações na remoção da população urbana

Mais de 500 atingidos pela barragem de Belo Monte compareceram à audiência pública chamada pelo Ministério Público Federal (MPF) nessa quarta-feira (12 de novembro) em Altamira para denunciar as inúmeras […]

Mais de 500 atingidos pela barragem de Belo Monte compareceram à audiência pública chamada pelo Ministério Público Federal (MPF) nessa quarta-feira (12 de novembro) em Altamira para denunciar as inúmeras violações de direitos ocorridas durante o processo da remoção das famílias da área do lago na cidade de Altamira.

Os participantes trouxeram vários casos de famílias para as quais a Norte Energia só está oferecendo a opção de indenização em valores irrisórios e não o direito a uma nova casa. Os atingidos ficam numa encruzilhada, pois não conseguem garantir uma nova moradia em Altamira com os valores oferecidos.

De acordo com os depoimentos, a Norte Energia também não considerou a dinâmica da região na imposição de seus critérios. É comum ribeirinhos, pescadores e indígenas manterem “casas de apoio” na cidade, mas passarem grande parte do tempo fora, no exercício de suas atividades econômicas. Para esses casos, não está sendo oferecido reassentamento, pois a empresa pressupõe que os atingidos estão utilizando esses imóveis para especulação.

Para a procuradora da República Thaís Santi, que coordenou os trabalhos, um dos problemas centrais está no critério de elegibilidade imposto pela Norte Energia para dizer quem tem direito ao não a uma nova casa: “Existem regras [no Plano Básico Ambiental de Belo Monte] que estão longe da nossa realidade e precisam ser aproximadas”, afirmou, esperando da Norte Energia o compromisso em rever esses critérios. O direitor da Norte Energia, Luiz Zoccal, afirmou que na prática existe “flexibilização [desses critérios] nas negociações”, mas não admitiu rever as regras.  

O MPF propôs a criação de uma espécie de “câmara de conciliação”, formada por órgãos públicos, empresa e atingidos, para tratar dos casos de descontentamento. As autoridades presentes na audiência aceitaram a proposta, mas ainda será marcado um seminário para definir melhor as regras de funcionamento e escopo de atuação. “Nossa preocupação é que de fato isso seja um instrumento para avançar nos direitos dos atingidos, e não mais um espaço em que a empresa impõe sua vontade”, afirma Claret Fernandes, militante do MAB.

Uma boa notícia da audiência foi o anúncio da vinda da Defensoria Pública da União para Altamira, no princípio em caráter itinerante, o mais breve possível, diante da gravidade dos fatos apresentados.

Proposta do MAB

O Movimento dos Atingidos por Barragens foi a primeira organização da sociedade civil a fazer o seu depoimento na audiência.

O MAB apresentou uma proposta de compromisso para a Norte Energia garantir de fato o direito à moradia. Leia a seguir a íntegra da carta entregue pelo Movimento ao Ministério Público e às demais autoridades presentes:

 

Às Procuradoras da República

Cynthia Arcoverde Ribeiro Pessoa

Thaís Santi Cardoso da Silva

Ministério Público Federal – Procuradoria da República no Município de Altamira

 

Prezadas Senhoras,

Em atenção ao ofício 855/2014, datado de 22 de outubro, que convida o MAB – Movimento dos Atingidos por Barragens para participar de Audiência Pública sobre ‘Realocação e reassentamento de população urbana atingida pela UHE Belo Monte’, a ser realizada pelo Ministério Público Federal neste dia de hoje, 12/11, o MAB cumprimenta o MPF pela importante iniciativa por acreditar que uma Audiência Pública exitosa pode constituir-se num importante instrumento de luta popular e de efetiva conquista de direitos.

O Movimento vem trabalhando uma pauta unitária envolvendo a cobrança tanto dos direitos dos atingidos por Belo Monte nas suas diversas categorias quanto os direitos coletivos incluídos (ou ainda não) nas obrigações da Norte Energia previstas no PBA (especialmente para a cidade de Altamira) em contraposição à tática de fragmentação e individualização adotadas pela empresa Norte Energia, dona de Belo Monte, e pelo Governo. A experiência mostra que o tratamento coletivo é a forma adequada de solução de problemas tão complexos, como é o caso das populações atingidas por ‘grandes’ projetos.

O Movimento externa ainda sua preocupação com a proximidade do tempo de inverno e sua implicação direta na vida das famílias, situação dramaticamente agravada na fase atual de construção das obras civis de Belo Monte. O inverno, antes um fenômeno natural, agora poderá ser a oportunidade para a Norte Energia naturalizar o enchimento do lago de Belo Monte. Somem-se a isso os atrasos no processo de realocação das famílias por parte da Norte Energia e se tem, então, o grau de responsabilidade dessa empresa pelo agravamento da condição de vulnerabilidade das famílias das áreas alagadiças.

Colocado isso, o MAB está de pleno acordo que a centralidade dessa Audiência Pública, nesse momento, seja o processo de ‘reassentamento’, com prioridade para os ‘critérios de elegibilidade’ e sua aprovação pelas comunidades atingidas conforme PBA, p. 255.

Comparando o que foi soberbamente dito pela Norte Energia e o que está escrito no PBA com o que ocorre na prática do processo de realocação forçada das famílias atingidas pela barragem de Belo Monte, vemos que esse processo está viciado desde a sua origem, principalmente porque a participação do povo, meramente formal (com listas de presença nas reuniões) tem como principal objetivo garantir uma suposta legalidade para a obtenção da Licença de Operação e, não, a efetiva garantia dos direitos da população atingida, com a seriedade, o envolvimento popular e o tempo que isso exige. É impossível a efetiva garantia do direito da população atingida com a disritmia existente entre obra civil da barragem e questões socioambientais.

Fato é que a Norte Energia deveria tratar o processo de realocação como uma obrigação que ela tem com famílias em deslocamento forçada imposto pela barragem de Belo Monte e, não como a livrar-se de um problema formal-cronológico a ser resolvido no mais breve tempo pelo menor custo ou como um dos vários negócios no longo processo de construção de uma barragem.

Para amenizar esse procedimento viciado, o MAB espera dessa Audiência Pública o compromisso por parte da Norte Energia e do Governo Federal com os seguintes pontos:

a – Que os ‘critérios de elegibilidade’ sejam aprovados pelas famílias atingidas e suas organizações;

b – Que toda família atingida tenha o seu direito a uma casa no reassentamento, respeitada a sua opção, garantido independente da sua condição ‘atual’ de moradia (de favor, de aluguel…);

c – Que toda família moradora na área atingida, independente de sua condição e tempo no local, seja reconhecida como tal (cadastrada) pela empresa;

d – Que a declaração de vizinho seja suficiente para comprovação de moradia na área atingida;

e– Que a negociação seja coletiva;

f – Que os atingidos organizados possam indicar equipe de profissionais de sua confiança custeados pela Norte Energia para acompanhá-los em todo esse processo;

g – Que se possa resgatar o sentido do Reassentamento Urbano Coletivo – RUC, contendo, no mínimo, urbanização completa da área, moradia de qualidade, equipamentos de política pública em pleno funcionamento e as condições para reprodução ou conquista dos meios de subsistência de cada família.

Estamos convencidos de que a parceria entre o povo organizado e autoridades sensíveis às questões sociais pode fazer avançar os direitos do povo.

Sem mais, subscrevemo-nos, atenciosamente,

Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)

Altamira, 12 de novembro de 2014

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro