“Direitos Universais dos Atingidos por Barragens” são proclamados em Belo Monte

Ao final de celebração religiosa dentro do canteiro de obras, atingidos por Belo Monte proclamam “Direitos Universais dos Atingidos por Barragens” Por Antônio Claret, militante do MAB e missionário na […]

Ao final de celebração religiosa dentro do canteiro de obras, atingidos por Belo Monte proclamam “Direitos Universais dos Atingidos por Barragens”

Por Antônio Claret, militante do MAB e missionário na Prelazia do Xingu

Representantes de comunidades da Área Pastoral Belo Monte, onde está sendo construída a 3ª maior hidrelétrica do mundo, participaram de celebração dentro do canteiro de obras (km 50), nesse dia 7 de setembro. A missa foi no espaço ecumênico do canteiro, denominado Murupiara, traduzido pelo funcionário da Norte Energia como ‘lugar onde se reúnem pessoas felizes’. Uma ironia e contradição ao mesmo tempo!

Ao final da celebração, participantes de movimento sociais que vem acompanhando a reação indignada das comunidades, diante da condição desumana imposta aos trabalhadores da obra e da expulsão de atingidos de suas terras, proclamou a Declaração Universal dos Direitos dos Atingidos por Barragens.

São eles: todos nascemos livres, somos iguais em dignidade e temos o direito de dizer NÃO às barragens; todos temos direito à participação direta, prévia, informada e deliberativa sobre os projetos que afetarão as nossas vidas; fica estabelecido que a água e a energia não podem ser vendidas como mercadorias; todos as pessoas têm direito a energia elétrica como um bem de uso público e acesso gratuito, necessário ao bem viver; todos temos o direito à melhoria das condições de vida existentes antes das barragens e à reparação de todas as perdas, materiais e imateriais, individuais e coletivas; todos temos direito ao reassentamento e a não ser tratados como uma mercadoria que se pode comprar ou indenizar; todos temos o direito à negociação coletiva das reparações justas e a liberdade de escolher entre as opções estabelecidas; os indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações tradicionais têm direito a preservar seu modo de vida e suas comunidades; as águas têm o direito de não ser barradas e as árvores de não ser derrubadas para a construção de barragens; fica proibida a exploração sexual das mulheres e crianças como negócio assessório e necessário à construção de barragens; fica proibido o confinamento de trabalhadores em canteiros de concentração de obras; o Estado e os governos têm o dever de proteger os direitos de mulheres e homens, crianças e idosos, sejam atingidos ou trabalhadores, indígenas, populações anfitriãs ou tradicionais, assim como os direitos dos peixes, dos demais seres vivos e da natureza;  ficam revogados todos decretos de apropriação concedidos pelo Estado ao capital, empresas nacionais ou internacionais, grandes ou pequenas, bem como os privilégios concedidos ao concreto, ligas de aço, turbinas e geradores, lucros e bolsas de valores; o capital e as empresas têm o dever de pagar a conta da poluição, violação de direitos e impactos causados pelas barragens; todos temos o dever de lutar contra as barragens e pela conquista e ampliação desses direitos.

Padre Jorge, coordenador da Área Pastoral Belo Monte e presidente da celebração, afirmou que a independência do Brasil, ‘esse país bonito’, ainda precisa ser construída, e chamou a atenção para a importância da organização do povo: ‘o engajamento cristão nos liberta das injustiças e da exploração, e nos ajuda a ter esperança’, disse.

Exploração e injustiça

O operário C. relatou em reunião pastoral que eles são obrigados a trabalhar todos os sábados e dois domingos por mês. ‘Ficamos tão cansados que não conseguimos participar de mais nada’, disse. Ainda segundo C., isso se deve ao ritmo acelerado da obra, querendo adiantar o fechamento do lago previsto inicialmente para o final de 2014. Ele informou ainda que os ônibus de Brasil Novo e Vitória do Xingu que transportavam os trabalhadores já foram cortados e que a Norte Energia vai tirar os de Altamira até o final deste ano. ‘Só contratam agora com a condição de ficar confinado no canteiro, e quem quiser ir à casa tem 6% de desconto no próprio salário’.

Dona Antônia, que morava na Comunidade Santo Antônio, totalmente destruída por Belo Monte, foi à celebração e aproveitou para ‘matar saudades’: ‘aqui era terra do Raimundão, quem diria, ficou tudo diferente!’. D. Antônia tem 63 anos, teve 18 filhos (13 vivos), e revelou, com olhar triste: ‘quando passo ali no nosso pedacinho dá vontade de chorar, porque a gente não queria sair. A gente saiu porque é obrigado! Depois que mudei, já passei por três lugares e não me dei bem. Agora estou no 18 (Km 18, Comunidade Leonardo da Vinci). Se fosse para voltar para o lugarzinho debaixo de um barraco de lona, vinha batendo palma’.

Senhor Cândido, da equipe de Qualidade de Vida’ da Norte Energia, justificou a celebração dizendo que ‘faz parte do conjunto de atividades para o trabalhador se sentir bem’. A empresa estranhou a ‘declaração dos direitos’, mas Bruno, também da equipe, disse que entende o que chamou de ‘posicionamento ideológico’.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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