MAB realiza encontro nacional em São Paulo
Simone Freire, Do Brasil de Fato A necessidade de uma política nacional de direitos para as populações atingidas por barragens, uma política energética popular, bem como a luta contra as […]
Publicado 30/08/2013
Simone Freire,
Do Brasil de Fato
A necessidade de uma política nacional de direitos para as populações atingidas por barragens, uma política energética popular, bem como a luta contra as privatizações implementadas no país. Essas pautas estarão presentes no Encontro Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Com o lema Água e energia com soberania, distribuição da riqueza e controle popular, será realizada entre os dias 2 e 5 de setembro, em Cotia (SP). São esperadas cerca de 3 mil pessoas de várias regiões do Brasil e do mundo.
Em São Paulo (SP), o movimento também fará panfletagem nas ruas a fim de denunciar as irregularidades das transnacionais. A Siemens e a Alstom, por exemplo, foco de denúncias por formação de cartel para atuação em obras do metrô e trens da cidade, também fornecem equipamentos para as hidrelétricas no Brasil e estão presentes, inclusive, em Belo Monte, no Pará.
A energia produzida em nosso país tem que estar a serviço da população, a serviço da soberania do nosso país, e não a serviço de grandes empresas se apropriando de toda esta riqueza enfatiza Liciane Andrioli, da coordenação nacional do MAB. Na entrevista abaixo, Liciane discorre sobre o encontro e os 21 anos de luta do movimento.
Brasil de Fato Quais os temas e objetivos deste encontro nacional?
Liciane Andrioli Um dos objetivos do encontro é celebrar as conquistas que tivemos ao longo destes 21 anos de movimento, denunciar as injustiças praticadas através da construção das barragens que tem violado muitos direitos do atingidos; pressionar o governo federal em relação à dívida que tem com os atingidos e reafirmar a importância da articulação dos atingidos e camponeses com os trabalhadores urbanos.
São mais de 20 anos de movimento. Neste período, o que mudou na realidade dos atingidos por barragens?
A gente teve várias conquistas ao longo destes anos de luta. Tivemos conquistas em relação a assentamentos coletivos para algumas famílias atingidas. Uma conquista foi o lançamento de um Decreto presidencial, em outubro de 2010, que reconheceu que há atingidos por barragens no país. Porém, o Decreto não trabalha muito o conceito dos atingidos que o movimento acredita. Ele é muito restrito. Ele é apenas para atingidos que têm titulação de terra e a gente sabe que nem todos têm a titulação. Tivemos conquistas de alguns pequenos convênios na área da produção, de formação e de capacitação dos atingidos; mas conquistas compensatórias mínimas. Nada de conquistas estruturantes da vida da população dos atingidos como um todo.
Quantos são os atingidos e qual o valor da dívida do governo federal para com esse setor da população?
No Brasil, nós temos cerca de mais de 2 mil barragens construídas. Elas já expulsaram mais de um milhão de pessoas de suas terras e de suas casas. Muitas delas não tiveram nenhum direito e acabaram indo para as favelas, sem ter casas, moradias ou terras para a produção. A dívida também se refere à educação, a estradas e várias questões estruturais para melhoria da vida das famílias.
Entre outras questões, o encontro vai tratar da questão da usina de Belo Monte e da possível construção no Rio Tapajós. Qual a situação destes dois casos atualmente?
No nosso encontro, a gente vai ter delegações tanto da região de Tapajós como de Belo Monte. Em Belo Monte, a obra está sendo construída. A gente tem informações e estamos trabalhando na região onde já tem famílias sendo retiradas de suas casas, sendo expulsas de suas moradias. Porém, tem lugares definidos para estas famílias irem, como reassentamento coletivo. Mas, está muito lento o processo de negociação em relação às famílias de Belo Monte do ponto de vista da pauta concreta das famílias avançar.
No Tapajós, a situação é a mesma?
No Rio Tapajós, a pauta também não tem avançado. Apesar de ter se conseguido o cancelamento dos estudos do início da obra, o processo da empresa responsável em relação às pesquisas já retornou, com todo o levantamento e o canteiro de obras.
Qual o principal motivo destes entraves nas negociações?
O principal motivo é a falta de abertura, inclusive do governo federal e das empresas que estão nestas regiões, de reconhecer os atingidos por barragens que moram neste local. Estas obras acabam beneficiando as grandes empresas e não a população local e as famílias que estão sendo atingidas nestes territórios.
Quais as principais empresas que estão envolvidas nestes processos?
A Siemens e a Alstom estão envolvidas. A Tracbel, que é uma empresa transnacional, está envolvida em várias obras. A Alcoa também tem participação nas obras, inclusive a Vale.
No encontro, vocês também vão falar do preço alto das tarifas de energia pago pela população e dos leilões de petróleo. Qual o posicionamento do MAB em relação a isso?
A posição do Movimento é que aqui no nosso país pagamos uma das tarifas mais altas do mundo, uma vez que a forma de produção de energia aqui no Brasil é via hídrica com a construção de barragens. É uma das tecnologias mais baratas de produção de energia. Porém, a gente paga um preço da energia baseada no petróleo que é um preço internacional, até mesmo por este envolvimento de muitas transnacinais na construção das obras e na produção da energia. Por exemplo, em São Paulo (SP), uma família paga de R$ 0,30 a R$ 0,40 centavos o quilowatt-hora (kWh) pela energia. Enquanto as grandes empresas e transnacionais pagam neste mesmo quilowatt, R$ 0,03 centavos. Queremos mostrar isso à sociedade e potencializar a campanha que desenvolvemos desde 2007; O preço da luz é um roubo. É um processo de formação e conscientização da população em relação a este cartel que existe entre as empresas. Paralelo a isso, sabemos que a riqueza gerada pelo petróleo tem que estar a serviço da população. Na verdade, todos os acordos apontam para privatização do nosso petróleo.
O assunto acerca das barragens é muito associado ao meio rural. Mas, sabe-se que ele interfere muito na questão urbana. De que forma se dá este relacionamento?
Tem tudo a ver com a questão urbana porque nos últimos anos as barragens têm cada vez mais atingido o meio urbano. Por exemplo, uma barragem pela qual eu fui atingida, ela atingiu toda uma cidade, por menor que seja. Mas é todo um público urbano que teve que fazer a construção de uma outra cidade. No caso, foi a barragem de Itá, lá no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, que deslocou toda a população urbana para outros lugares. Temos o caso das barragens do Rio Madeira, em Porto Velho, onde a grande maioria das população foi atingida diretamente pela construção das obras. E mais. Como a gente trabalha para além da questão da barragem, e tem esta questão da energia e do modelo energético, é um tema que atinge toda a população urbana e do campo também.
Quais entidades estarão no encontro para discutir estas questões?
Teremos mais de 3 mil atingidos e atingidas por barragens, representantes de 20 estados e representantes das delegações internacionais, de 21 países. Estamos trabalhando para a participação de todas as organizações da Via Campesina. A Plataforma Operária e Camponesa, que é uma articulação que tem construído neste último período que é junto aos eletricitários, junto aos petroleiros, ao campo mais sindical e que atua na área da energia.
E como será a dinâmica do encontro?
Teremos um debate sobre a análise de conjuntura atual, para sabermos definir melhor os próximos passos de ação do movimento. Teremos um debate sobre a questão da violação dos direitos dos atingidos por barragens pautando o governo federal para a construção de uma política nacional de direitos das populações atingidas por barragens. Na concepção de uma política que venha trazer o conceito de atingidos nesta compreensão do movimento de que todas as famílias, de alguma forma, são atingidas pelo modelo energético e construção das barragens. O movimento aborda nesta política que não é só a família atingida pelo lago e sim a família que tem qualquer situação prejudicada na sua vida com a construção da barragem. Outro ponto forte no encontro é a construção deste modelo energético. Tudo o que este modelo vem causando em toda a sociedade, pautando também um projeto energético popular, em que a energia deve servir à população como um todo e não às empresas, que vêm só explorando as nossas riquezas e as levando para fora do Brasil. Para essa luta, estamos buscando várias alianças e entidades, organizações a participar da nossa luta unitária contra as privatizações que será no dia 5 de setembro, finalizando o nosso encontro.
Por que o encontro vai ser realizado em São Paulo?
São Paulo é o grande centro econômico, político e comercial. Há também uma grande exploração dos trabalhadores. Sua importância tem a ver com o diálogo com o máximo de pessoas em relação ao tema da água, da energia, aos atingidos pela construção, a um projeto energético popular, contra as privatizações e em defesa do petróleo que deve estar a serviço da população.