Documento-síntese do Seminário Internacional da Água

Aconteceu nos dias 20 e 21 de julho o Seminário Internacional: Panorama político sobre estratégias de privatização da água na América Latina. Organizado pelo MAB, a atividade contou com a […]

Aconteceu nos dias 20 e 21 de julho o Seminário Internacional: Panorama político sobre estratégias de privatização da água na América Latina. Organizado pelo MAB, a atividade contou com a presença de 120 pessoas de 50 organizações do campo e da cidade, vindas 13 países. 

Leia a seguir a síntese elaborada pelos participantes no final do seminário:

 

Síntese do Seminário Internacional: Panorama político sobre estratégias de privatização da água na América Latina

NOSSAS CONSTATAÇÕES SOBRE O ATUAL MOMENTO POLÍTICO

1. Trata-se de um momento de crise internacional do capitalismo, estrutural e prolongada, que tem beneficiado o capital tanto na criação, quanto nas “soluções” das crises. Como resultado, tem garantido maior reprodução, concentração e centralização de capital.

2. Constatamos maior movimento de disputa e privatização e apropriação dos bens naturais estratégicos: água, energia, minérios, biodiversidade, terra, alimentos e os próprios consumidores.

3. Constatamos maior movimento para aumento da exploração sobre os trabalhadores e trabalhadoras através da flexibilização e retirada de direitos, como: diminuição de salários, aumento de jornada de trabalho, aumento na intensidade de trabalho, retirada de direitos historicamente conquistados, entre outros.

4. Tende a acelerar os processos de privatizações e a mercantilização de tudo que possibilita gerar acumulação privada ao capital, inclusive busca apropriar-se e controlar os territórios mais estratégicos. Para isso, as forças hegemônicas usarão cada vez mais força militar, de diversas formas: golpes, guerras, apoios financeiros e políticos em disputas eleitorais, perseguição aos movimentos e organizações de trabalhadores, através da cooptação, criminalização e até eliminação.

5. Neste momento, o capital utiliza o Estado com mais intensidade para favorecer seus interesses – para financiar a crise, promover mais privatizações e reformas e conter as manifestações do povo.

6. O capital, por sua natureza, é destrutivo e devastador. No atual momento e dinâmica, torna-se mais voraz e destruidor ainda.

AS ESTRATÉGIAS DO CAPITAL PARA APROPRIAR-SE DA ÁGUA

1. Constatamos que o objetivo é transformar a água numa mercadoria para gerar lucro e acumulação privada em nível internacional. Para isso, buscará transformar a água em propriedade privada das reservas estratégicas de água (superficiais e subterrâneas) e dos serviços de água.

2. Os principais envolvidos e interessados são as grandes corporações internacionais, como Nestle, Suez, Coca-cola, Vivendi, Odebrecht, Camargo Correa, entre outras.

3. O capital busca institucionalizar seu modelo e interesses dentro dos Estados através de um conjunto de regras e normas, que posteriormente transformam-se em leis, acordos e tratados aos quais o povo é submetido e obrigado a seguir, como se fossem de seus interesses.

4. Neste momento há um movimento intenso de apropriação da água no saneamento, na geração de hidroeletricidade, no agro e hidronegócio, nos processos industriais e mineração, nas transposições, nas concessões dos rios e lagos e na apropriação e comercialização das reservas de águas minerais.

5. O discurso da “escassez”, das “secas e desastres ambientais” e da “pobreza” tem sido instrumentos ideológicos usados frequentemente para ameaças, chantagens e “convencimento”, para impor os interesses dos capitalistas sobre os povos. É estabelecido, inclusive, um novo conceito segundo o qual a água passa ter valor de mercado, para gerar negócios e lucros ao capital.

6. Constatamos que as propostas de mercantilização da água têm sido promovidas pelos pensadores neoliberais, entre eles o Banco Mundial, que seguem o modelo de privatização da energia elétrica. Seu objetivo é transformar água em vários negócios nas áreas de produção, distribuição, coleta, transmissão, comercialização, entre outros.

7. No saneamento, constatamos que as tentativas de privatização estão sendo implementadas via abertura de capital das empresas públicas, terceirização, parcerias público-privadas, concessões parciais ou totais, principalmente nos locais de maior potencial de lucratividade.

8. Em relação às tarifas de água, se privatizada, há uma tendência de ser elevada a preços internacionais referenciados na energia. O plano é transformar a água em commoditie, com preço definido na bolsa de valores, como recentemente a Nestle propôs.

9. O capital está se movimentando para apropriar-se dos locais com potencial de elevada lucratividade da água.

10. O agro e hidronegócio estão entre os maiores responsáveis pelo uso e contaminação da água. Suas empresas movimentam-se para apropriar-se dos melhores territórios e sua produção tem sido para exportação e para abastecer os centros capitalistas internacionais. O “veneno está na mesa”: o agronegócio é o principal responsável por transformar o Brasil no maior consumidor mundial de agrotóxicos. Cada brasileiro consome em média 5,2 litros de agrotóxicos por ano. Ao mesmo tempo em que gera bilhões de lucro às empresas do agronegócio, as águas, o ar, o solo e os alimentos estão altamente contaminados por venenos cancerígenos, causando mortes e doenças de todo tipo nos camponeses e na população urbana.

11. Nossos rios estão sendo apropriados por corporações internacionais e a América Latina tem sido foco de intensa construção de represas, sob a imposição de um modelo energético que penaliza o povo e beneficia as corporações. A enorme geração de riqueza não tem se revertido em benefício aos seus povos. Pelo contrário, o povo paga a conta e as corporações apropriam-se da água e acumulam as riquezas. Acordos, tradados e planos econômicos e de “cooperação” têm sido usados para viabilizar, elevar e manter a acumulação privada a partir da energia, como mostram os exemplos do Tratado de Itaipú, dos planos da IIRSA, do recente tratado Brasil-Peru, entre outros.

12. As experiências de privatização da água mostraram-se desastrosas, ineficientes e altamente prejudiciais aos povos. Altas tarifas, zonas de exclusão – as periferias/regiões mais pobres são as principais vítimas da falta de acesso à água -, baixa qualidade dos serviços e da água, falta de água para a produção de alimentos pelos camponeses, contaminação das águas por venenos e resíduos industriais, entre outros. Países e regiões que viveram a experiência de privatização estão revertendo os processos para controle público.

OS DESAFIOS DA CLASSE TRABALHADORA

1. Não esperar por nenhuma solução ou saída vinda do capital ou dos Estados e governos, porque são eles os principais responsáveis por tal situação. A única e verdadeira saída se encontra nos processos de lutas dos povos, que neste momento exige processos de unidade e caráter internacional.

2. Enfrentar e derrotar todos os processos e tentativas de privatização da água e reverter os processos já privatizados.

3. Defender a água pública como um direito humano, com qualidade e quantidade, acessível a todos e todas, numa luta popular permanente e internacional e levar esta luta até as últimas conseqüências.

4. Apostar em processos unificados de luta dos povos para criar e ampliar a força social, em nossos países e a nível internacional, priorizando as lutas de massa, o trabalho de base, a unidade operária e camponesa, a formação política e a organização do povo em quantidade e qualidade.

5. Fortalecer a troca de experiências entre as diferentes lutas e organizações a nível nacional e internacional.

6. Incentivar todo tipo de denúncia, lutas e ação contra o modelo e todas as formas de privatização da água.

7. Lutar e defender processos de acordos e cooperação econômica internacional sem fins de acumulação privada, mas acima de tudo de solidariedade entre os povos. 

8. Enfrentar e explicitar os conflitos sociais existentes do povo contra as empresas e políticas de Estado que prejudicam o povo e denunciar os governos que adotam políticas privatistas na água.

9. Realizar ações de forma articulada, de caráter nacional e internacional, visando laços de unidade e a integração solidária entre os movimentos, sindicatos, bairros, comunidades, igrejas e entidades.

10. Incentivar a organização da população e movimentos sociais em todos os locais onde existem planos de privatização da água e ligar as lutas específicas com as lutas gerais e estratégicas.

11. Fortalecer a articulação e organização com os trabalhadores e trabalhadoras da água, sindicatos de saneamento, operários de obras, etc.

12. Construir coletivos e articulações de comunicadores populares e alternativos e redes de contatos entre as organizações.

13. Desenvolver ações de denúncia e de debate que elevem o nível de consciência e que gerem simpatia na sociedade. Desmascarar o atual discurso do desenvolvimento, progresso, emprego, entre outros.

14. Estabelecer processos de pressão popular sobre governos e parlamentares e lutar para que plebiscitos sejam instrumentos reconhecidos de consulta e decisão popular.

15. Massificar o debate em todos locais e países com novos seminários (regionais, estaduais, nacionais e até internacionais), assembléias populares, conferências, etc.

16. Elaboração de materiais como cartilhas, vídeos, cartazes para massificar conteúdos e experiências de lutas.

17. Organizar grupos e coletivos para acompanhamento e monitoramentos de planos e de alterações na legislação.

18. A construção desse projeto dos trabalhadores e trabalhadoras deverá ser obra do protagonismo da própria classe trabalhadora.

Água não é mercadoria.

Água é um direito humano, um direito dos povos!

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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