O preço da luz e Wall Street
Nesta semana, de 07 a 10 de outubro, ocorre no Centro de Convenções de Olinda, em Pernambuco, o XVIII Seminário de Distribuição de Energia (SENDI). Este evento é promovido pela […]
Publicado 13/10/2008
Nesta semana, de 07 a 10 de outubro, ocorre no Centro de Convenções de Olinda, em Pernambuco, o XVIII Seminário de Distribuição de Energia (SENDI). Este evento é promovido pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), coordenado pela Companhia Energética de Pernambuco (CELPE) e, a despeito das opiniões oficiais sobre assunto, constitui uma típica manifestação histórica da ironia estrutural do modo de produção capitalista. Em tempos de decretação de crise financeira em Wall Street e de anunciação da queda do neoliberalismo, aqui, em terras nossas, o Consenso de Washington se refaz nas contas de luz. Vejamos.
O Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), sob o apoio de organizações como a Via Campesina e a Assembléia Popular, deu início à campanha O preço da luz é um roubo, contra os altos preços de energia elétrica. Na justificação dos motivos da campanha, o MAB apresenta alguns dados relevantes que reproduzirei no decorrer do texto. Tais dados encontram-se no sítio eletrônico do Movimento.
A naturalização da matriz energética dominante
De antemão, é de se notar que o processo histórico do desenvolvimento econômico nacional engendrou a priorização de um modo específico de produção energética, qual seja, o hidráulico. A energia de origem hidráulica corresponde a 85,4% da produção energética brasileira.
Apesar de ser uma fonte renovável de energia o que o difere do petróleo, por exemplo o sistema hidráulico traz conseqüências ambientais incorrigíveis, dentre elas a devastação de ecossistemas e o deslocamento de comunidades e, por vezes, de cidades inteiras em razão
das inundações necessárias às formações de barragens.
O argumento central apresentado em defesa desse sistema refere-se ao aproveitamento do potencial hidráulico brasileiro decorrente da quantidade de rios no país. Tal argumento compõe o arsenal discursivo da hegemonia que se vale da naturalização como caminho para atingir o
consenso. Ora, já que naturalmente possuímos rios, naturalmente viveremos de hidrelétricas. Soma-se à naturalização, a cultura do terror. Sem as hidrelétricas, a energia acabará, terrorismo retórico este que repercute sobremaneira na imposição mercadológica da necessidade também naturalizada do aumento da tarifa de energia elétrica.
Outro argumento prestado em defesa da hidroeletricidade diz respeito aos baixos custos dessa forma de produção energética. A este argumento, bastam os números apresentados pelo MAB. O custo da produção de um kilowatt de energia através dessa fonte é de R$ 0,06 (seis centavos), no entanto, nós cidadãos e cidadãs brasileiros(as) pagamos em média R$ 0,30 (trinta centavos) por kilowatt. Em estados como Minas Gerais e Goiás esse valor chega a R$ 0,60 (sessenta centavos). Essa desproporção entre o curso e o preço diz de uma concepção da energia e, de resto, da natureza como um todo, que elimina a humanidade do meio ambiente, ou a energia como um direito humano, e encara energia e natureza estranhamente na condição de mercadoria.
Em descompasso com o baixo custo da hidroeletricidade surge o fato de que o Brasil está entre os países em que os preços da energia são mais altos. Segundo um cálculo desenvolvido pelo Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Elétrico ILUMINA a partir da confrontação do preço da energia com o poder de compra das moedas, verificou-se que o Brasil está entre os cinco países de preços mais elevados. Nossos preços são superiores aos do Japão, da Alemanha, do México, da Coréia, da Espanha, do Reino Unido e da França, isso para citar apenas algumas nações. Em média, nós pagamos o dobro do valor que um(a) estadunidense paga pela energia elétrica.
As cifras energéticas: quem paga mais?
A divisão internacional do trabalho, segundo o qual as classes populares dos países periféricos são exploradas por um patronato cujo rosto elas desconhecem, repercute numa divisão internacional da
energia. Não é por eficiência, ou competência que os países centrais pagam menos pela energia. Pagam menos porque justamente alguém paga mais. A CELPE Companhia Energética de Pernambuco foi vendida ao grupo espanhol Neoenergia no ano 2000. Se o Brasil ocupa a
quinta posição na lista dos países com os preços mais altos de energia, a Espanha está nesta mesma lista no décimo sétimo lugar. Por certo a explicação do fenômeno não se encerra nessa analogia, mas está aí uma questão a priori emblemática.
O preço da energia elétrica no Brasil aumentou consideravelmente após as privatizações das companhias. De acordo com os dados oferecidos pelo MAB, nos últimos dez anos a tarifa de energia aumentos 400%, o que significa que o seu valor cresceu mais que o dobro do aumento da
inflação. Nos últimos quatro anos, o preço da energia aumentou 100%, a inflação 50%. Afirmam as conclusões da tese de doutorado defendida na Universidade de São Paulo pelo engenheiro José Paulo Vieira: o povo brasileiro paga, de energia, quinze bilhões de reais a mais por ano.
É possível ainda dizer que as classes populares pagam mais caro que as grandes empresas. O Governo Federal, através da Eletronorte, chegou a vender a Alumar e a Albrás, duas empresas multinacionais, grande quantidade de energia sob o valor de R$ 0,06 (seis centavos) o kilowatt. O setor industrial é o que mais consome energia elétrica no país. Quase metade de toda a energia produzida é utilizada pela indústria e perto de 550 (quinhentos e cinqüenta) grandes consumidores
gastam cerca de 20% da energia elétrica. Nas palavras do MAB, As empresas que gastam muita energia são chamadas de eletro-intensivas e são principalmente as exploradoras de ferro, alumínio e celulose.
Essas indústrias, entretanto, são as que menos produzem empregos. A mesma quantidade de energia engendra numa indústria de alimentos 70 (setenta) vagas e numa indústria de metais apenas duas.
Os números acima apresentados procuram desconstruir aqueles argumentos de legitimação do mercado segundo os quais as indústrias geram empregos e a tecnologia serve ao desenvolvimento do país, que mais se aproximam de um tecnologismo negador do processo histórico e das
ideologias do que de reais soluções para os problemas sociais nacionais. A lógica reverberada na atual conjuntura do modo de produção energética não é outra senão a do neoliberalismo. Nela, o
Estado reciprocamente determinado pelo capital concede ao privado a competência para gerir o que é público e lucrar a partir do que para as classes populares é fundamental. Em verdade, o
público não deixa de ser um bem simbólico sob conflito, conflito este do qual as multinacionais costumam sair vitoriosas.
No dia 8 de outubro, o presidente da ABRADE, Luís Carlos Silveira Guimarães explicou para utilizar o termo presente no blog Acerto de Contas em coletiva com a imprensa, que o preço do dólar tem um impacto de 6% na conta de energia elétrica que chega ao/à consumidor(a). O presidente do Neonergia, Marcelo Correa, no entanto, disse, ao comparar a crise financeira estadunidense a um paciente que sofreu infarto, que o momento era de espera. Ele pode esperar. Wall Street parece não poder. Mas se engana quem subestima a capacidade de readaptação da lógica do capital. Da espera do Neoenergia o lucro virá. Da pressa de Wall Street o lucro também virá. O cerne permanece o mesmo: as classes populares continuam a pagar a conta da desigualdade fundante da sociedade de classes.