Em Itueta, o rio Doce morre pela segunda vez
por Neudicléia de Oliveira, de Itueta Fotos: Leandro Taques A Usina Hidrelétrica Aimorés, construída sobre o leito do rio Doce, destruiu pelo menos duas cidades mineiras: Aimorés e Itueta. De […]
Publicado 18/12/2015
por Neudicléia de Oliveira, de Itueta
Fotos: Leandro Taques
A Usina Hidrelétrica Aimorés, construída sobre o leito do rio Doce, destruiu pelo menos duas cidades mineiras: Aimorés e Itueta. De propriedade da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG) e da Vale, atingiu milhares de pessoas, incluindo a artesã Maria Helena Preisigke, de 57 anos.
Era na Rua dos Operários que dona Maria morava com sua família, na cidade conhecida atualmente como Itueta Velha, mas o local ficou totalmente submerso com a formação do lago da barragem da hidrelétrica. A artesã conta que 11 anos atrás, o núcleo urbano da cidade precisou ser realocado, o que gerou diversos problemas à população, como a perda de referências e dificuldades de convívio social.
O relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), que analisou durante quatro anos (2006-2010) as denúncias de violações na construção de barragens no Brasil, apontou onze direitos humanos infringidos pela hidrelétrica de Aimorés. Os relatos incluem depressão coletiva e uma série de tentativas de suicídio em decorrência da usina.
Desde o início de novembro, as lembranças de sofrimento do período de construção da hidrelétrica retornaram à população de Itueta. Além de conviver com as dívidas sociais deixadas pela construção da barragem, hoje, os moradores enfrentam os problemas decorrentes da lama da Samarco (Vale/BHP Billiton) que invadiu o Rio Doce após o rompimento da barragem de rejeitos de minério.
Atualmente, as famílias que vivem às margens do rio lidam com a incerteza do futuro da região, que perdeu o acesso direto ao rio. Muitas cidades da Bacia do Rio Doce eram abastecidas por essa água e, mesmo com o tratamento, as famílias sentem receio em beber com medo de intoxicação.
Dona Maria Helena se emociona ao falar do rio Doce. Quando eu vi o rio Doce descendo com aquele barro vermelho me doeu mais do que quando eu me mudei, eu senti que ali a gente perdeu o rio Doce de verdade, ninguém fez nada para esse trem parar. Antes do rio virar lago à gente tomava banho no rio Doce, quando faltava água nas torneiras a gente pegava lá, era bacana. Eu não queria mudar de Itueta Velha, queria ser uma das últimas moradoras a sair de lá, mas não teve jeito: a água subiu e tive que mudar, recorda dona Maria.
Durante o período de transição dos moradores de Itueta Velha para Itueta Nova o consórcio responsável pela barragem de Aimorés não prestava assistência para famílias e não havia dialogo com os atingidos, as negociações eram somente com uma comissão representativa, onde definiam quem era o atingido e qual o direito que a família teria.
Com a cabeça baixa, olhar triste e lágrimas nos olhos, Maria Helena relembra o sacrifício que foi sair de sua casa para dar lugar ao lago de uma barragem. Foram eles que definiram o padrão e o tamanho que ia ser minha casa. Quando acabei de mudar eles já haviam demolido minha antiga casa. Falei para meu marido para voltar lá pegar as portas e as janelas da antiga casa, mas quando chegamos lá não tinha mais nada, já tinham destruído. A empresa era tão dura com a gente, relembrou Maria.
Até o momento, a empresa Samarco (Vale/BHP Billiton), responsável pelo crime ambiental que provocou o rompimento da barragem de rejeitos de minério em Mariana (MG), não se manifestou no município para dialogar sobres as perdas ocasionadas pela invasão da lama tóxica no Rio Doce. Nessa região, apesar da história já ter se repetido diversas vezes, muitos ainda insistem em esconder a farsa e nomear os crimes como tragédia.