Um argumento equivocado
por Ricardo Gebrim* Vários militantes de nossa campanha tem enfrentado debates no âmbito jurídico, onde surge o argumento de que a convocação de uma Constituinte é um equívoco pois certamente […]
Publicado 01/09/2014
por Ricardo Gebrim*
Vários militantes de nossa campanha tem enfrentado debates no âmbito jurídico, onde surge o argumento de que a convocação de uma Constituinte é um equívoco pois certamente representará perda de direitos, já que a atual correlação de forças é desfavorável. Parece um argumento com uma lógica invencível, mas só parece. Na verdade, não se sustenta.
Sua primeira fragilidade é incorrer no erro de imaginar que o futuro é o mero desdobramento linear do presente. É exatamente na luta pela obtenção da Constituinte que os setores populares ganharão força para obter conquistas na sua realização. Dou um exemplo.
Quando se começou a construir a campanha das “Diretas Já”, algumas forças, inclusive de esquerda, diziam pragmaticamente, que uma eleição direta em 1983, poderia ser ganha pela ditadura, que contava com uma imensa máquina partidária que era a ARENA, além de controlar as regras do sistema político. Desprezavam que foi exatamente no bojo de construção da campanha pelas “Diretas Já” que a correlação de forças se alterou. Ninguém imaginava que Lula chegaria a um segundo turno (e quase ganharia as eleições) em 1983, sem prever todo o acúmulo da campanha em 1984 e sua recusa em aceitar o Colégio Eleitoral.
Ou se buscarmos exemplos mais recentes, temos a experiência da Venezuela, Bolívia e Equador. Nestes três países quando a proposta da Constituinte foi lançada, a presença de deputados “progressistas” era muito menor do que a nossa atual composição do Congresso Nacional. Nestes três casos, também surgiram vozes pessimistas alertando para possíveis derrotas numa Constituinte. E, não fosse a luta popular pela conquista da Constituinte, um quadro desfavorável poderia ter predominado. Mas é a luta social que altera e determina as mudanças na correlação de forças.
Há uma outra questão também para utilizarmos neste debate. Uma Constituinte pode ser originária, quando uma ruptura política ou final de um regime permite o surgimento de uma força social que vai elaborar um Texto Constitucional completamente novo. Ou pode ser derivada. Isto é, quando a Constituição prevê e autoriza que mudanças sejam feitas a partir dela. Nossa Constituição Federal permite mudanças derivadas. São as emendas constitucionais. Elas podem ocorrer desde que não atinjam as chamadas Cláusulas Pétreas (as regras de pedra). Os direitos sociais e individuais e outros itens como a forma democrática e republicana, são cláusulas pétreas. No caso dos direitos individuais e sociais, não podem ser suprimidos nem reduzidos, mas podem ser ampliados. Portanto, nada temos a perder, somente a ganhar na questão da ampliação de direitos. Ora, se a Constituição Federal permite emendas, nada obsta que essas emendas abranjam capítulos e títulos. E, tampouco, havendo a decisão legítima e soberana de um Plebiscito Legal, a eleição de representantes exclusivos para a redação das mudanças.
Portanto, a resistência a campanha pela Constituinte é política e ideológica e não existe nenhuma impossibilidade jurídica. Até mesmo por que é a luta que faz a lei. Uma Constituição é como uma cristalização – uma fotografia – de uma correlação de forças. E as forças se alteram, tornando as constituições anacrônicas e superadas. Nosso sistema político, herança da ditadura é o fator que impede avanços sociais. Conceber que é imutável é desconhecer os processos históricos.
A formação jurídica, tão influenciada pelo pensamento positivista, incorre invariavelmente neste erro. Imaginam o futuro como a mera continuidade linear do passado. Se assim fosse, a Assembléia Constituinte construída no auge da Revolução Francesa estaria limitada a regulamentar o poder da dinastia Bourbon.
*Militante da Consulta Popular