Famílias de Vitória do Xingu lutam por direito à moradia
No município-sede de Belo Monte, “premiado” com um recurso de até R$ 10 milhões a mais por mês, os benefícios não chegaram a quem mais precisa Goiano foi um dos […]
Publicado 17/07/2014
No município-sede de Belo Monte, “premiado” com um recurso de até R$ 10 milhões a mais por mês, os benefícios não chegaram a quem mais precisa
Goiano foi um dos primeiros a montar seu barraco na ocupação Nova Vitória, na cidade de Vitória do Xingu, interior do Pará. Desde outubro de 2012, ele vive no local com mais de mil famílias em luta pelo direito à moradia. Mas essa não foi a primeira vez que ele pisou lá: em 2008, Goiano foi um dos 33 trabalhadores escravos resgatados no local, antiga propriedade de Danilo Dâmaso, conhecida por Laticínio.
O bairro chamado Nova Vitória é formado por duas ocupações: uma nessa área do antigo Laticínio e outra em terreno da prefeitura. São os primeiros locais vistos por que chega a Vitória do Xingu pela PA-415, respectivamente dos lados esquerdo e direito da avenida principal. Quem chega a essa pequena cidade de pouco mais de 15 mil habitantes e vê as casas simples em meio à poeira não imagina a sorte grande que ela tirou: Vitória do Xingu é o município-sede da hidrelétrica de Belo Monte, para onde vão grande parte dos impostos da obra.
Reunião de moradoras da ocupação Nova Vitória
Enquanto Altamira vive o caos do inchaço populacional e do alagamento por causa da obra, a vizinha Vitória do Xingu recebe 91,65% de todo Imposto Sobre Serviço (ISS) pago pela construção da usina, uma vez que praticamente toda a área dos canteiros está em seu território. Isso dá um total de R$ 635 milhões ao longo do tempo de construção da barragem, ou cerca de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões por mês, dependendo do ritmo da obra. Para comparar, a receita anual do município é R$ 16,6 milhões, dos quais R$ 15,9 milhões são recursos federais.
A população, porém, não vê para onde está indo esse dinheiro. Vê que a cidade se transformou num grande canteiro de obras, porém de qualidade questionável e com aparência de falta de planejamento.
A moradora Margarida, por exemplo, ficou feliz ao ver que sua rua seria asfaltada. Porém, logo se decepcionou com o resultado. Já terminou, é só isso?, perguntou ao trabalhador. Minha senhora, a ordem é fazer só o mata-pó, ouviu em resposta. Outra moradora, Maria Helena, questiona a “paternidade” das obras: “a prefeitura fica com o crédito por essas obras, mas na verdade elas são parte das condicionantes que a Norte Energia tem que fazer”, afirma.
Para os moradores da ocupação Nova Vitória, porém, nenhum benefício vem: nem água, nem energia, nem recolhimento do lixo ou transporte escolar para as crianças. São invisíveis aos olhos do poder público porque estão irregulares. Soa irônico falar em regularidade em um município que viveu recentemente uma série de escândalos políticos envolvendo até a prisão do ex-prefeito, Liberalino Neto filho de Danilo Dâmaso, o mesmo proprietário da área do laticínio.
E agora um projeto de lei da prefeitura pode colocar as ocupações em risco: a lei de titularização fundiária da cidade prevê a regularização apenas para terrenos ocupados públicos há mais de cinco anos porém as ocupações têm menos de dois. Além disso, prevê a regularização apenas mediante compra pelo valor de mercado. Isso é um voltar ao século 19, à lei de terras, que não garante o direito à moradia, afirma a defensora pública Andréia Barreto.
O projeto entrou na pauta da câmara municipal para ser votado no final de junho, mas a presença de moradores da ocupação assistindo as sessões gerou certo incômodo. A câmara entrou em recesso nessa semana e o projeto ainda não foi votado. Enquanto aguardavam ocorrer a sessão, alguns vereadores e assessores foram falar com moradoras das ocupações para tranquilizá-las: essa lei não tem nada a ver com vocês, ninguém vai tirar vocês daí, foi o discurso. Porém, para garantir o direito à moradia, as famílias já perceberam que palavras não bastam.