Artigo: “O Dia do Fico”, por Antônio Claret
Em regiões de grandes projetos mineradores e hidrelétricos, os gestores públicos se tornam reféns do império do capital. Mas isso não lhes tira a responsabilidade de resguardar os direitos dos […]
Publicado 16/07/2013
Em regiões de grandes projetos mineradores e hidrelétricos, os gestores públicos se tornam reféns do império do capital. Mas isso não lhes tira a responsabilidade de resguardar os direitos dos munícipes.
Por Antônio Claret, militante do MAB e missionário na Prelazia do Xingu, em 12 de julho de 2013
FOTO: manifestante discute com o vice-prefeito de Altamira
Mais uma vez o sol escaldante de Altamira! Mesmo pela manhã, após uma caminhada da Rua da Alegria, onde fica a secretaria do MAB, até a Praça do Coreto, nada melhor que um descanso. A praça é um pouco desmazelada, como quase tudo por aqui, em Altamira, porém, sob os cajueiros, há sombra e uma suave ventilação.
Os bancos, perdidos na praça espaçosa, foram carimbados com o rosto de Che, e frases revolucionárias. Uma delas, ao lado de um punho erguido, diz levante pela educação.
A UFPA é logo ao lado. E estudantes passam de um lado para outro, em geral de dois ou três, e suas vozes se misturam com o barulho do trânsito, que se torna sempre mais intenso. Com Belo Monte, é o caos!
Daqui a pouco, às 10 horas, haverá reunião com o Prefeito, Juvenil. Ele é do mesmo partido de Lobão, o todo poderoso Ministro de Minas e Energia, e de Sarney, dono da Equatorial, que controla a Celpa, empresa de energia que presta péssimos serviços no Pará.
Homem de personalidade forte, alguns dizem que Juvenil tem um estilo ditador. Pesa sobre ele, ainda, acusação de ter desviado alguns bons milhões da ALEPA Assembleia Legislativa do Pará, à época sob sua presidência. O caso fora parar na Justiça, e rola até hoje.
Isso deve preocupá-lo no momento, mais que em outros tempos! Com as últimas mobilizações em todo o Brasil, há pequenos sinais que servem de recado para quem porventura tenha surrupiado dinheiro do povo.
O ex-juiz Nicolau, que desviara 169 milhões da obra do Tribunal Regional do Trabalho – TRT, em São Paulo, teve ao menos 14 milhões, em conta na Suíça, resgatados pelo Governo. Jader Barbalho foi condenado a devolver 2,2 milhões aos cofres públicos, mas prefere recorrer. Renan foi a casamento com dinheiro público e, acuado, já disse que vai devolver.
Joaquim Barbosa foi ao Maracanã, na Copa das Confederações, assistir ao jogo entre Brasil e Espanha; pagou com dinheiro público, mas até o momento não se pronunciou. Pelo cargo que ocupa, no Supremo Tribunal Federal, deveria ser exemplarmente punido, pois ver jogo com dinheiro do povo fica muito feio.
Bom! Às 10 horas, então, uma comissão dos movimentos populares e sociais, entre os quais o MAB e o Levante Popular da Juventude, universitários e secundaristas, vão se encontrar com o Prefeito. Não se espera muito! Mas toda caminhada, por longa que seja, supõe o primeiro passo.
Em pauta, diversos pontos. Alguns simples, mas extremamente importantes, como a contratação de interpretes para pessoas com necessidades especiais em audição. Levantamento preliminar aponta que, em Altamira, existem aproximadamente 250 surdos, necessitados desse serviço.
Outro ponto simples é o da escola de música, que atende a mais de 200 estudantes e está fechada há sete meses.
Há questões estruturantes, com destaque para saneamento básico, hospital público, distribuição de água de qualidade e em quantidade suficiente para todos os altamirenses, melhora na qualidade da oferta de energia e extensão para as famílias que ainda não tem luz elétrica em casa obrigando-se a fazer gatos e moradias.
Um desafio é o Reassentamento Urbano Coletivo para as famílias atingidas pela barragem. O que a empresa que fazer é uma favelinha, longe da cidade. É uma forma de esconder os empobrecidos.
O povo organizado tem proposta! Um reassentamento justo supõe: que as famílias escolha a área, que seja toda urbanizada, que tenha os equipamentos de serviços públicas saúde, educação e etc -, que as casas sejam boas e de alvenaria, e que as famílias tenham garantidos os meios de subsistência.
Diversos pontos não são de responsabilidade direta do gestor municipal. Ainda mais! Em regiões de grandes projetos mineradores e hidrelétricos, os gestores públicos se tornam reféns do império do capital. Mas isso não lhes tira a responsabilidade de resguardar os direitos dos munícipes.
Essa reunião que acontece hoje é resultado de manifestação de ontem, exigindo Direitos Já!. E está ligada a outra, que ocorreu no dia 27 de junho e mobilizou três mil pessoas.
O manifesto ontem foi ordeiro, pacífico, e muito animado. Após caminhar pelas ruas da cidade, com o sol bem brando, à tardinha, os manifestantes se dirigiram à Prefeitura.
O portão estava fechado. Juvenil estava para Brasília. O vice-prefeito (prefeito em exercício) prometeu abri-lo, mas depois se arrependeu, colocou a viola no saco e, passando por trás do carro de som, ia saindo de fininho. Os manifestantes tomaram essa atitude como um desrespeito e provocação.
A cena foi pitoresca! Um manifestante o viu saindo, gritou aos demais no microfone, e todos, feito um enxame de abelha, saíram em disparada na sua direção. Alcançaram-no. Cercaram-no. Fizeram um cordão de isolamento em volta dele para dar-lhe proteção, pois havia gente que passava por ali, não se sabe vindo de onde, desejosa de ir à desforra.
Os profissionais da imprensa, de filmadora à mão, foram correndo atrás. De longe, naquele claro-escuro, pois a iluminação pública é muito precária, ia aquele farol luminoso voando. Parecia uma estrela cadente.
Após impasse, o prefeito em exercício resolveu ficar. E disse: fico, mas vou sozinho! Ninguém precisa me levar!.
Bons tempos, o das estrelas! Elas cortavam o céu e, onde quer que pousassem, havia minério. Era a mãe do ouro. Hoje as estrelas emudeceram por completo. A magia acabou! O que brilha são os faróis da Norte Energia, da Belo Sun, da Vale, sedentas de lucro. Ao menos aqui!