Iguaçu
Os rios I não importa sua substância Cobre? Madeira? tampouco sua origem Piracicaba? Tocantins? Paraná? Titicaca? Panamá? nem mesmo sua identidade Francisco? Madalena? tudo isto pode […]
Publicado 25/07/2011
Os rios
I
não importa sua substância
Cobre?
Madeira?
tampouco sua origem
Piracicaba?
Tocantins?
Paraná?
Titicaca?
Panamá?
nem mesmo sua identidade
Francisco?
Madalena?
tudo isto pode ser trocado
por trinta moedas de ouro
II
as águas que romperam
pelos meandros de seu caminho
todo o sal da geologia
perfuraram rochas
se lançaram em quedas suicidas
e copularam com o mar
Paralisaram
diante do concreto armado
Os afogados
I
a torneira rangeu
g
o
t
a
a
g
o
t
a
sobre a pia solitária
da casa
II
cansados naquela cama
os dois miravam o teto
no quarto escuro
III
era possível contar
as voçorocas de suas mãos
fotografia do chão que araram
de lua a lua
IV
a casa tinha
teto tinha parede
tinha banheiro tinha
chão
não teria mais nada
(isto não tinha graça)
V
numa qualquer
as mesmas águas de seu batismo
do suor a minar do corpo que trabalha
e ama
da mijada no pé da cerca
da chuva necessária ao chão e à semente
cumpriram a profecia do dilúvio
deus desta vez
esquecera de ordenar
a construção de uma arca
VI
o sertão e a selva
viraram mar
E morte
VII
o dilúvio chegou também
à terra dos rios
de leitos de concreto
e secos de peixe
arrastou tudo
dos que nada têm
travessou paredes e feridas
carregando móveis corpos carros
e germes
por mais um ano seguido
VIII
os jornais deram a notícia
MORTES
ENCHENTES
DESLIZAMENTOS
EMVÁRIOSLUGARESDOBRASIL
os jornais não disseram
que a pedido do governador
a empresa de saneamento
abriu as comportas de contenção
do rio enclausurado
era preferível deixar umas famílias
no pântano
a alagar a grande marginal Tietê
(menina dos olhos na campanha eleitoral)
IX
árvores bichos e gente
não sabem andar sobre as águas
X
a estiagem
a água baixa
homens mulheres crianças
e cães
andam por entre o entulho
ratos e baratas espreitam
homens mulheres crianças
buscam recolher o lixo
deixam pegadas na lama
tentam juntar os cacos
de sua história
Tantas vezes rasurada
Húmus
leu as manchetes dos jornais
os números de mortos
de desalojados
de megawatts
tomou um gole de água
gelada
concluiu
a quem não interessam
a cumplicidade ou a resignação
Só resta a luta.