Atingidos do Vale do Jequitinhonha vão às ruas pelo respeito aos territórios, à água e à vida

Marcha em Araçuaí reúne moradores, atingidos e movimentos sociais em defesa dos direitos das comunidades.

Em Araçuaí, moradores pedem respeito ao Vale do Jequitinhonha. Dezembro de 2025. Foto: Joyce Silva / MAB
Em Araçuaí, moradores pedem respeito ao Vale do Jequitinhonha. Dezembro de 2025. Foto: Joyce Silva / MAB

Nesta quinta-feira (19), o Vale do Jequitinhonha escreveu mais um capítulo de sua história de resistência. Cerca de 300 pessoas, entre moradores, lideranças religiosas e movimentos sociais, se reuniram em um grande ato unificado no centro de Araçuaí, marchando pelo respeito, pelos direitos e pela defesa do território diante da intensificação dos conflitos com a mineração.

Os territórios do Vale seguem se refazendo para enfrentar o racismo estrutural e o racismo ambiental presentes no cotidiano de suas comunidades. Há décadas, a população, sobretudo a rural, convive com a falta de acesso a políticas públicas básicas, como ocorreu com a comunidade Córrego Narciso do Meio, que lutou por mais de 30 anos para ter acesso à água, apesar de estar a apenas cinco quilômetros da barragem do Calhauzinho, construída em 1991. A luta por dignidade se soma, hoje, ao avanço da exploração mineral, que aprofunda desigualdades e amplia vulnerabilidades históricas.

COP30: a fala que acendeu o alerta no Vale

A indignação da população aumentou após a COP30, realizada em Belém, no Pará. Durante o evento, que reuniu atingidos do Brasil e de outros países, a CEO da Sigma Lithium, Ana Cabral, deu uma declaração de teor racista e colonialista ao se referir às crianças do Vale do Jequitinhonha como “mulas d’água”. A fala gerou forte repúdio e mobilizou influenciadores locais, veículos de imprensa e prefeituras da região.

Para o MAB, a declaração expõe uma postura que já vinha sendo denunciada: a chegada desrespeitosa e violenta da mineração nos territórios, sem diálogo, sem garantias de direitos e sem respeito às comunidades que vivem há gerações na região.

Mineração no Vale: um histórico de conflitos e denúncias

Da capital canadense, a Sigma Lithium iniciou sua presença gradualmente em Araçuaí e Itinga. A operação se consolidou com a abertura da mina a céu aberto em Itinga, próxima à comunidade Piauí Poço Dantas, de onde saiu o primeiro carregamento de espodumênio de lítio em julho de 2023.

Desde então, moradores e entidades relatam uma série de impactos e violações: famílias convivendo com ruído intenso, poeira permanente, rachaduras em casas e problemas de saúde; pressão sobre os recursos hídricos em uma das regiões mais secas do estado; licenciamento ambiental marcado por irregularidades, sem cumprimento da Convenção 169 da OIT; acúmulo de pilhas de rejeitos a céu aberto; suspeitas sobre créditos de carbono obtidos pela empresa, investigadas pela Polícia Federal; e demissões em massa de trabalhadores terceirizados. Prefeituras, como a de Itinga, também denunciam que a companhia está há meses sem repassar a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).

O MAB alerta que o Governo Federal já registrou mais de seis mil processos de exploração mineral em andamento no Vale do Jequitinhonha, o que amplia os riscos para comunidades já historicamente vulnerabilizadas. Diante do aumento das denúncias, o Ministério Público Federal recomendou à Agência Nacional de Mineração (ANM) a suspensão e revisão das autorizações minerárias relacionadas ao lítio no território.

Ato unificado toma as ruas de Araçuaí

Em resposta a esse cenário, a população do Vale organizou um ato que tomou as ruas de Araçuaí. A marcha contou com a participação do bispo diocesano, Dom Geraldo, e de organizações como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Cáritas e Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), além de lideranças comunitárias e representantes de comunidades tradicionais.

A manifestação passou por uma das sedes do Ministério Público de Minas Gerais, pela prefeitura, pela praça que concentra os principais bancos e seguiu até o mercado municipal. Ao longo do percurso, os participantes cobraram respeito ao povo do Jequitinhonha, retratação pública pela fala da CEO da Sigma e medidas efetivas para conter as violações provocadas pela mineração.

Ao ocupar as ruas, o povo do Vale do Jequitinhonha reafirma que desenvolvimento não pode significar destruição, racismo e violação de direitos. A marcha em Araçuaí ecoa um recado coletivo: enquanto não houver respeito às comunidades, à água e ao território, o povo do Vale seguirá denunciando a mineração que avança sobre a vida.

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