CRÔNICA | O sabiá-laranjeira

Uma reflexão sobre símbolos da natureza, guiada pelo vôo do sabiá

Criança brinca com bandeira do MAB durante ato na Praça da Estação, em Belo Horizonte (MG). Maio de 2025. Foto: Nívea Magno / MAB
Criança brinca com bandeira do MAB durante ato na Praça da Estação, em Belo Horizonte (MG). Maio de 2025. Foto: Nívea Magno / MAB

“Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há

Colher a flor que já não dá
E algum amor, talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia”

Sabiá – Chico Buarque e Tom Jobim, 1968

Uma leitora atenta do nosso ultimo texto “A águia, o canhão e o arrozal” percebeu que a identificação da águia com a violência imperialista pode ser uma injustiça. Diz ela que “é fato que a águia tem características de poder, visão aguçada, autoridade, mas também é um dos animais simbólicos em várias culturas, inclusive por estas características. O imperialismo é tão perverso, não tem pedra sobre pedra. Tadinha da águia, não merece esta comparação!”

É quase uma outra crônica da nossa aguçada militante, artista, modelo, artesã, estilista, criadora e criativa Fernanda Portes. Fiquei pensando, em minhas horas de devaneio, o quanto a águia pode ser outras coisas, todas as coisas, assim como nós.

Na Grécia, é relacionada a Zeus, o Senhor dos Deuses, que a utiliza como mensageira. Nas culturas indígenas americanas, a águia é a ave sagrada que simboliza a conexão entre o homem e o universo. Para os celtas, traz avisos e presságios de outros mundos guiando espiritualmente os que estão nessa dimensão terrena. No Egito antigo, está associada à alma que ascende após a morte em busca de renascimento. Na mitologia nórdica e germânica, a águia vigia o mundo com Odim, que a todos governa.

Mas, enquanto as águias voam com suas representações no tempo e no espaço, eu olho os céus azuis e escuto desde a manhã o canto dos pássaros vizinhos. São tantos e coloridos e diversos. Penso naqueles que poderiam ser nossa majestade. Pesquiso, pergunto, curioso com uma resposta que seja justa. Em certo momento, chega nas asas de uma inspiração relâmpago, Roberta Miranda e Jair Rodrigues cantando:

“Meus pensamentos tomam formas, eu viajo
Vou pra onde Deus quiser
Um videotape que dentro de mim retrata
Todo o meu inconsciente de maneira natural.

Ah! Tô indo agora prum lugar todinho meu
Quero uma rede preguiçosa pra deitar
Em minha volta, sinfonia de pardais
Cantando para a majestade, o sabiá
A majestade, o sabiá.”

A majestade, o Sabiá – Roberta Miranda

Vem de longe minha resposta, da música que é tocada enquanto batem as asas de alguma águia vinda de outros mundos espirituais esquecidos. Eis nosso transmissor de bons presságios, canto majestoso, guardião do mundo. E entre tantos sabiás, vejo o sabiá-laranjeira, oficialmente o pássaro símbolo do Brasil desde 2002. Um mensageiro que desbancou a arara e o tucano. Presente em quintais e parques de todo o país, deixa um canto nostálgico, que muitos atribuem ao anúncio da chegada das chuvas. Olavo Bilac e Gonçalvez Dias celebraram esse canto em mais de um verso, tais como “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”.

Águias e sabiás voam sobre nós. O tempo passa, o mundo gira, tudo muda e se transforma. E, ao final de tudo, queremos apenas uma coisa: voar como eles.

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