Para famílias atingidas no Rio Grande do Sul, auxilio reconstrução é conquista, mas “insuficiente”
Segundo famílias atingidas, apoio financeiro no valor de R$ 5.100,00 é importante, mas não garante a reconstituição de suas condições básicas de vida
Publicado 21/06/2024 - Atualizado 24/06/2024
Cada vez mais recorrentes no Brasil, os eventos extremos já atingiram 4 milhões de pessoas em mais de 90% dos municípios brasileiros, entre 2013 e 2022, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Em vários casos, como dos recentes deslizamentos em Petrópolis (RJ), Teresópolis (RJ) e no litoral norte de São Paulo, e das enchentes, que têm acontecido de forma recorrente no Vale do Taquari (RS), milhares de famílias perderam tudo que tinham. A partir de maio de 2024, as chuvas intensas devastaram também municípios da região metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Caí e Jacuí, no Rio Grande do Sul, como o Brasil acompanhou nos últimos meses.
Em geral, os mais atingidos em todas essas regiões são os moradores de áreas de risco, como encostas, morros, áreas de várzea e córregos, com baixa renda familiar, mesmo em capitais, como Porto Alegre. A maior parte das famílias afetadas pelas enchentes têm renda de até R$109 reais mensais, ou seja, estão na faixa de extrema pobreza. Segundo a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, ao todo, 25.065 famílias recebem entre R$109 a R$ 2.112 reais (um salário mínimo e meio) por mês, em bairros como o Sarandi e Farrapos.
Nesses casos, a reconstrução das condições de vida anteriores à tragédia pode levar anos, ou mesmo não acontecer, se elas não contarem com politicas de apoio do Estado, o que agravaria ainda mais sua vulnerabilidade econômica, social e alimentar.
Para amparar inicialmente essa população (que até o momento não contava com nenhum tipo de reparação instituída), o Governo Federal criou o Auxílio Reconstrução, no valor de R$ 5,1 mil, pago em parcela única, para que as famílias pudessem adquirir móveis e bens perdidos nas enchentes. Ao todo, já foram contemplados 375 mil núcleos domésticos no estado.
Muitos atingidos, porém, seguem aguardando esse apoio mínimo para retomarem suas vidas. Claudia de Abreu da Silva, moradora do bairro Marmitte, em Estrela (RS), por exemplo, aguarda desde o dia 26 de maio o auxílio. “Ajudaria um pouco, mas não é suficiente”, conta a moradora, que teve sua casa levada por inteiro pelo Rio Taquari. O problema é que os dados cadastrados pelos atingidos precisam ser cruzados com os dados cadastrados pela Prefeitura e, em diversos municípios, falta infraestrutura, funcionários e até interesse em agilizar esse processo.
Além de novos móveis, Cláudia conta que também precisa de outra casa para sua família. Com três filhos, de 17, 11 e 8 anos, Cláudia preferiu não ir para os abrigos após a tragédia. “Não quisemos ficar nesses espaços, porque é muita gente. Eu tenho criança pequena e fico já com medo de alguém mexer, né? Estavam acontecendo vários casos, a gente viu na tv”, explica. Ainda assim, Claudia quer permanecer no município onde sempre viveu. “Meu marido se criou ali (no Marmitte), né? Dai, então, nos casamos e moramos há 13 anos ali. Meus filhos também estão acostumados já com o lugar em que cresceram, então nós queremos continuar aqui. Queremos uma nova casa aqui, mas condições de comprar outro imóvel nós não temos, porque tive de parar de trabalhar pra cuidar deles agora”, conta.
Na outra ponta do estado, em Canoas (RS), algumas famílias nem mesmo tinham conhecimento do direito ao auxílio federal, um mês após a tragédia. É o caso da família de Luís Eduardo, que também perdeu tudo na enchente do Rio Sinos, que ultrapassou o dique de proteção construído em torno de um dos maiores bairros do município, o Mathias Velho. “A maioria das pessoas aqui perdeu tudo e só têm uma vida pra tentar reconstruir”, conta o atingido. Na Vila Sapo, lugar que ficou conhecido pelo salvamento do cavalo “Caramelo”, a situação ainda é desoladora: muitos entulhos nas ruas, vias ainda bloqueadas e lama em todas as casas da região.
“Foi complicado ver as nossas coisinhas tudo boiando. Pra gente, já é ruim pra conquistar as coisas, pra comprar um negócio aqui já é meio difícil. Quando o cara consegue, vem isso aí”, desabafa o morador, que vivia com o pai e a avó, mas está há mais de um mês em um abrigo, enquanto tentam limpar sua moradia.
Integrante da coordenação nacional do MAB no Rio Grande do Sul, Alexania Rossato conta que, mesmo quem conseguiu acessar o auxílio está tendo dificuldades para adquirir o básico para viver. “Em todos os municípios atingidos, as famílias afirmam que o valor é insuficiente para garantir o mínimo, seja para quem está nos abrigos ou retornando para suas casas”, relata a dirigente.
Segundo ela, o MAB vai lutar para que os atingidos tenham uma reparação digna e justa. “Vamos precisar garantir outras parcelas do auxilio para as famílias garantirem o mínimo para se reestabelecerem. Essa seja uma política não só para o Rio Grande do Sul, mas para outros estados que enfrentam tragedias climáticas”, afirma Alexania.
Nesse mês, diversas organizações da sociedade civil lançaram uma campanha para a criação de um Auxilio Calamidade Climática, para situações como a dos municípios gaúchos. De acordo com a proposta, o valor de apoio para famílias atingidas seria de um salário mínimo, mais R$ 150,00 para cada criança e adolescente, por 24 meses. O Movimento dos Atingidos é um dos assinantes da campanha.