Festa Camponesa de Rondônia irá celebrar resistência de pequenos agricultores da Amazônia

Movimentos organizados na Via Campesina realizam evento entre os dias 12 e 14 de julho em Jaru (RO), reunindo produtores de cerca de 40 municípios

Os movimentos da Via Campesina no estado de Rondônia vão realizar a 7ª edição da Festa Camponesa, na cidade de Jaru (RO), entre os dias 14 e 16 de julho, com o tema “Democracia e esperançar: produzindo alimentos saudáveis e justiça social na Amazônia”. A programação do evento inclui a exposição e comercialização de produtos da sociobiodiversidade, seminários temáticos, oficinas e dinâmicas, como a troca de sementes entre os produtores.

De acordo com Isabel Ramalho, dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), “a Festa é construída a muitas mãos, organizada por muita gente, tendo a participação de muitas mentes e muitos corações de camponeses e camponesas, mulheres, homens, jovens, crianças e todo o povo que está organizado na Via Campesina de Rondônia e no território da Amazônia em toda sua diversidade”, afirma.

Além do MPA, estão envolvidos na organização do evento o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Instituto Padre Ezequiel Ramin (IPER).

A Festa Camponesa vem sendo realizada de forma bienal desde 2008, com exceção do período da pandemia da Covid-19, tendo tido edições nos municípios de Ouro Preto e Jaru. Os organizadores destacam o duplo simbolismo do evento no período histórico atual. “Em primeiro lugar, a Festa Camponesa celebra a resistência de movimentos que se mantiveram vivos durante o período de intensas violações praticadas contra o povo pelo último governo. Além disso, o evento marca o compromisso das organizações populares do território com a construção de um novo período de luta diante das recentes iniciativas de criminalização dos movimentos sociais que tomam conta do setor mais reacionário do Parlamento brasileiro, comprometido com o agronegócio e com a desarticulação do próprio sistema democrático”, afirma Leila Denise, do MPA

Segundo Océlio Muniz, dirigente do MAB, “a proposta é promover a exposição da produção camponesa, a troca de sementes e o processo de estudo durante toda a programação”. No primeiro dia, a atividade é centrada em um seminário com temas da atualidade, incluindo a questão da produção de alimentos saudáveis com justiça social na Amazônia. No segundo dia, serão realizados seminários temáticos e oficinas diversas, bem como a feira de produtos do campesinato. No terceiro dia, acontece o Café Camponês, que é o grande momento de celebração e encontro.

A programação inclui ainda atividades culturais, com a participação de artistas locais e convidados, como o cantador Pereira da Viola, entre outros músicos comprometidos com as causas da Via Campesina.

Saber de onde se vem e para onde se quer ir

Isabel aponta que a organização da Festa Camponesa está comprometida um futuro com mais justiça social e respeito à democracia: “Desde que, em 2008, decidimos fazer a primeira edição, inspirados por um encontro estadual que havia sido realizado, o evento serve para que nós possamos mostrar, além das nossas experiências na produção agroecológica, as experiências de resistência, as experiências de recuperação de todos os modos de vida no campo aqui no estado”.

Para a dirigente, além de fazer um contraponto com o agronegócio, a festa cumpre o papel de promover um grande intercâmbio. “Juntamos o que nós temos de mais belo e sagrado no campo, avaliamos e refletimos sobre o que a gente já vem fazendo e podemos apontar passos seguintes de forma articulada enquanto Via Campesina”, afirma. Ela destaca o debate sobre temas como o processo de transição agroecológica e, também, sobre a produção, reprodução e repartição das sementes crioulas, a valorização da criatividade do povo e o papel do campesinato na construção da soberania alimentar.

“Falar da Festa Camponesa é falar da nossa teimosia, da nossa resistência, da nossa capacidade de seguir existindo enquanto campesinato. É falar da importância das mulheres e da juventude no processo produtivo, no processo da comercialização e na distribuição do alimento. É falar da importância da nossa diversidade e da relevância do povo do campo na construção da resistência nesse território, parte da nossa Amazônia” afirma.

Movimentos retornam para a comunidade a solidariedade recebida

Claudinei Soares, dirigente do MST, explica que um dos objetivos da Festa é justamente manter ativa a solidariedade que se pratica entre as comunidades e os movimentos sociais. “A festa nasceu do desejo da Via Campesina de ter um espaço de interação e devolução para com a sociedade urbana diante de tantas conquistas alcançadas graças à solidariedade da sociedade com os movimentos sociais”. O dirigente afirma que a CPI contra o MST no Parlamente demonstra que é preciso, mais que nunca, fortalecer as relações de aliança entre campo e cidade.

“Procuramos fazer essa devolução para a sociedade através de um espaço onde os movimentos sociais apresentam uma leitura de conjuntura da questão agrária, assim como espaços de oficinas e capacitação, onde se reúnem camponeses, camponesas e público urbano, numa troca contínua de saberes”, aponta Soares.

Sementes crioulas, patrimônio dos povos

Um dos destaques da programação é a troca de sementes. Patrimônio coletivo dos povos, ela elas são sinônimo de resistência e garantia de autonomia para os agricultores. “A troca das sementes é encarada como uma ação política, já que é permeada pela história da agricultura, que tem na semente um dos principais patrimônios, um referencial de saber acumulado ao longo de milhares de anos”, afirma Soares. Ao mesa das sementes é organizada ao lado do espaço do Café Camponês, onde se compartilha o alimento em toda a diversidade característica do campesinato e das comunidades tradicionais e originárias do território amazônico.

Francisco Bandeira, o Chicão, do IPER, acredita que a dinâmica fortalece e amplia o diálogo entre os pequenos produtores do estado de Rondônia. “As sementes crioulas são fundamentais no sentido de fortalecer também o trabalho da biodiversidade dos agricultores, que colocam o alimento saudável na mesa dos consumidores”, afirma.  O dirigente explica que tão importante quanto apoiar a transição agroecológica junto aos que se dedicam à produção, é conscientizar os que estão na outra ponta, que são os consumidores dos produtos agroecológicos.

Uma festa plural

A maior parte dos eventos vinculados ao agronegócio são reféns dos interesses econômicos que sustentam o setor. Isso se reflete na exposição de produtos originados em linhas de produção e em um discurso hegemonizado. Na Festa Camponesa de Rondônia, assim como nas demais festas e feiras do campesinato e da Reforma Agrária realizadas Brasil afora, essa relação é diferente, pois nasce a partir da solidariedade ativa, do trabalho coletivo e da afirmação da diversidade no campo.

“Pra gente ter ideia da dimensão e da grandeza da Festa Camponesa, ela é totalmente feita pelas famílias que integram movimentos sociais, que já estão há algum tempo preparando as mudas que vão ser doadas, as sementes que vão ser trocadas, a produção que vai ser comercializada”, afirma Isabel. Segundo ela, como não existe nenhum interesse financeiro de grandes empresas ou governos, “a Festa Camponesa de Rondônia, mais que uma feira de produtos, é um espaço de construção, de repartição, do exercício do cuidado, de construção coletiva da arte, da cultura, da resistência e do enfrentamento”.

Maria Petrolina, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca justamente esse aspecto: “a festa camponesa é uma festa autônoma. Ela não é presa a acordos financeiros. Ela é feita com muito sacrifício, juntando muitos grãos de punhadinho em punhadinho, com muitas mãos construindo esse momento”.  

A resistência da democracia

Ao refletir o tema proposto ao evento, “Democracia e esperançar”, Petronila relembrou as palavras do saudoso Dom Pedro Casaldáliga: “Ter esperança é um ato de rebeldia”. Para ela, essa esperança não é ingênua nem passiva, leva – como ensinou o bispo fundador da CPT – para que todos possam não somente sonhar, mas construir dias melhores. Queremos fazer esse convite especial para toda a comunidade, toda a sociedade que acredita que é possível sonhar junto, que é possível manter viva essa esperança. A feira é um grande encontro dos sonhos, das utopias, um espaço de celebrar o que nos move e que nos permite continuar acreditando num mundo melhor para todos e todas”.

A dirigente afirma ainda que a CPT interpreta o espaço da Feira Camponesa como um espaço coletivo para celebrar, festejar, planejar, sonhar e – sobretudo –  acreditar na cultura camponesa, das comunidades tradicionais, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas, assim como dos setores urbanos, sobretudo da periferia.

“Para além da formação, do conteúdo, é importante o momento onde o pessoal da área urbana, os camponeses agricultores, o povo das florestas e das águas, os indígenas e quilombolas, todos possam garantir o espaço de resistência, colocando em destaque a biodiversidade amazônica”, afirmou Chicão.

Isabel Ramalho afirma ainda que a festa, enquanto construção coletiva, é mérito de muitas pessoas, homens, mulheres, toda uma diversidade, LGBTs, povos, pessoas que, ao longo do tempo, foram construindo alianças de luta e companheirismo. “De fato, nós vamos avançar, ampliar o nosso esperançar sobre a região amazônica, sobre o campo brasileiro e queremos dividir esses encantos da nossa festa camponesa com toda diversidade de pessoas que estiverem dispostas a estar aqui com a gente”. O povo dos campos, das águas e das florestas, o povo que de fato produz os alimentos que chegam até a mesa dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, merece respeito.

Programação

14/07

9h – Abertura, com análise de conjuntura

11h – Debate

14h – Os desafios da produção de alimentos saudáveis com justiça social na Amazônia

16h – Democracia e Esperançar – com Don Norberto

20h – Ato político e cultural com a participação de artista rondonianos e apresentação de Pereira da Viola

15/07

8h – Seminários Temáticos: Religiosidade e Espiritualidade Camponesa; Agroecologia Camponesa e Sementes Crioulas; Conflitos no Campo em Rondônia; Os Povos Tradicionais e Indígenas em Rondônia; Gênero e Diversidade LGBTQIA+; Saúde Integrativa Popular Comunitária.

9h – Lançamento do livro “Geografias do Bolsonarismo”, de Bruno Malheiro.

11h – Troca de sementes crioulas.

14h – Oficinas práticas: Recuperação de Nascentes e Plantio de Árvores; Pelotização de Sementes e Água de Vidro; Comunicação Popular e Mídias Sociais; Produção de Açúcar e Melado de Cana; Capoeira; Teatro; Derivados do Cacau; Transição Energética e Energia Solar; Produção de Arpilleras.

16h – Marcha Camponesa.

19h30 – Noite cultural com artistas regionais e Forró Camponês.

16/07

07h – Café Camponês

Serviço:

VII FESTA CAMPONESA

14 a 16 de julho de 2023

Centro Comunitário Católico / Avenida Dom Pedro I, St 05, Jaru, RO

Para mais informações, acessar as redes sociais do evento no Instagram e Facebook.

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