Meta proposta pelo governo Bolsonaro de cortar emissões de gases em 50% até 2030 e a promessa de zerar o desmatamento ilegal ‘é um compromisso vazio” e mostra que o país corre sério risco de ficar de fora dos grandes debates e dos arranjos estratégicos para frear o aquecimento global
Publicado 02/11/2021 - Atualizado 02/11/2021
Glasgow (Escócia) – Compromisso vazio. As duas palavras sintetizam o sentimento da comunidade internacional e de ambientalistas brasileiros sobre a meta proposta pelo governo Bolsonaro de cortar emissões de gases em 50% até 2030 e a promessa de zerar o desmatamento ilegal em sete anos. No segundo dia da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP26), o Brasil mostrou que corre sério risco de ficar de fora dos grandes debates e dos arranjos estratégicos para frear o aquecimento global.
Para Flávia Bellaguarda, coordenadora de Política e Justiça Climática do The Climate Reality Project Brasil, a nova proposta apresentada pelo governo Bolsonaro apenas deixa claro que o país não tem a ambição necessária para evitar a crise climática. “Mesmo a delegação federal tendo quase 100 pessoas, infelizmente, com as portas fechadas, não sabemos o que esperar. Sabemos que o governo é negacionista com a questão climática. As expectativas não são altas”, declarou ela em Glasgow.
A cartada do governo brasileiro de anunciar apenas durante a COP26 um reajuste da meta de emissões se mostrou inócua. Nesta segunda-feira (1), o Brasil reajustou de 43% para 50% o corte a ser atingido da emissão de gases do efeito estufa até 2030. Esse índice é a Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), que cada país estabeleceu no Acordo de Paris, em 2015. Em dezembro, na última revisão da NDC, o Brasil manteve sua meta de emissões de 37% para 2025 e 43% para 2030. Na ocasião, o consórcio The Climate Action Tracker rebaixou de “insuficientes” para “muito insuficientes” as ações do governo brasileiro anunciadas para o NDC.
Quem anunciou a melhoria da meta de emissões foi o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que falou de Brasília, mas foi transmitido por vídeo no pavilhão do Brasil na COP26. Nessa mesma fala, o governo brasileiro assegurou que vai zerar o desmatamento ilegal de 2030 para 2028.
O ministro do Meio Ambiente citou apenas porcentagens e não mostrou qual será a redução real nas emissões dos gases de efeito estufa para esta década. Tampouco ficou clara a base de cálculo utilizada para essa revisão, o que pode, segundo temem os ambientalistas, se tratar de uma manobra contábil que permite relaxar a meta de corte nas emissões de dióxido de carbono (CO2). Essa manobra já está sendo chamada de “pedaladas de carbono”.
Leite será o emissário brasileiro na COP26, depois que Bolsonaro desistiu de comparecer presencialmente em Glasgow, ao contrário de outros líderes, como o presidente norte-americano, Joe Biden. Num discurso gravado, o presidente brasileiro afirmou que a posição do país no enfrentamento das mudanças climáticas “sempre foi parte da solução e não do problema”.
Isolamento de Bolsonaro
Conferencistas e jornalistas, aglomerados em torno do pavilhão que continha a frase “O Futuro verde está no Brasil” estampada na parede, imediatamente apontaram para a contradição da fala de Bolsonaro, que trazia a ideia do crescimento verde e a conservação florestal, mas ia no caminho contrário das políticas praticadas pelo governo atual.
O isolamento político de Bolsonaro ficou patente, segundo Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, que resumiu nas duas palavras de abertura desta reportagem a postura do governo brasileiro na COP26. Para ele, o discurso de Bolsonaro não trouxe nenhum avanço, sendo baseado apenas em uma pressão política.
“O presidente não tem mais o guarda-chuva que sempre contou que foi o governo [de Donald] Trump. Bolsonaro está sozinho, muito isolado. Não tem mais quem dê esse suporte para ele internacionalmente, que era um outro negacionista americano”, disse Astrini. Para ele, que participou de uma coletiva de imprensa promovida pela Brazil Climate Action Hub, o presidente não apresentou nenhum ganho, mas mostrou mais um retrocesso.
Biden, com um discurso diferente do antecessor Trump, defendeu, durante sua fala presencial na COP26, “que este seja o início de uma década de ações transformadoras que preservem nosso planeta e elevem a qualidade de vida das pessoas em todos os lugares”. Posicionando os Estados Unidos em outra escala nas questões ambientais, o presidente Biden assegurou que é possível adotar essa estratégia e que essa escolha já foi feita pelos norte-americanos. Ele também criticou quem destrói as florestas.
O ambientalista Márcio Astrini afirmou que já não alimenta expectativas em relação à posição brasileira na COP26, e adiantou que o país deve apenas se posicionar nesta terça-feira (2) com um anúncio sobre as florestas. “Mas nada excepcional. É um anúncio que o Brasil vai fazer de desmatamento. Sabemos que é um compromisso vazio, na prática a ilegalidade, e sabemos que ele [Bolsonaro] não vai implementar e vai deixar para outro presidente”, finalizou.
“Não reduz a vergonha”
O Observatório do Clima, em nota, explicou que a “pedalada de carbono” pode resultar numa emissão adicional de 400 milhões de toneladas de CO2 equivalente em relação à NDC anunciada em 2015, pela presidenta Dilma Rousseff. Isso porque os inventários são constantemente atualizados e Bolsonaro estaria utilizando uma base favorável para, na prática, continuar com mais emissões. “Nova meta do Brasil no clima reduz pedalada, mas não a vergonha”, resumiu em nota o Observatório do Clima.
No próprio documento “Diretrizes para uma Estratégia Nacional para Neutralidade Climática”, o Ministério do Meio Ambiente informa que o Programa RenovaBio conseguiu em 2020 evitar a emissão de 14,89 milhões de CO2 equivalente. Nesse ritmo, o Brasil chegaria em 2030 com uma redução inferior a 140 milhões de CO2 equivalente, bem abaixo da pretendida emissão menor que 620 milhões de CO2 equivalente descrita no documento.
Ao contrário de Bolsonaro, que fugiu da COP26, delegações brasileiras da sociedade civil têm participado ativamente da conferência em Glasgow. Segundo a advogada Flávia Bellaguarda, enquanto o governo federal “puxa a corda de um lado, a sociedade civil puxa de outro”. E ela enfatizou a presença da maior delegação de jovens da história nesta 26ª edição da conferência e também a presença de governadores de estados brasileiros.
Uma delas foi Walelasoetxeige Paiter Bandeira Suruí (nome indígena que significa “mulher inteligente, gente de verdade”), de 24 anos. Indígena de Rondônia, a Txai Suruí, filha do grande líder Almir Suruí e da ambientalista Ivaneide Bandeira, participou de uma sessão da COP26 nesta segunda-feira (01). Em seu discurso, assistido pelo premiê britânico Boris Johnson, a ativista, que foi representando organizações como Engajamundo e Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, afirmou: “Vamos frear as emissões de promessas mentirosas e irresponsáveis, vamos acabar com a poluição de promessas vazias e vamos lutar por um futuro e presente habitáveis”.
Em entrevista para a agência Amazônia Real, a jovem indígena também foi dura nas críticas sobre a mudança no tom do discurso das autoridades brasileiras, desta vez mais diplomático. “O Brasil passa uma imagem que está protegendo a Amazônia, que não existe desmatamento dentro das terras indígenas e que os povos indígenas não estão sofrendo. Isso é uma mentira e estamos aqui para desmentir isso”, afirmou.
Walelasoetxeige, que também faz parte da Articulação de Povos Indígenas do Brasil (Apib), reafirmou a importância da inclusão dos povos originários na pauta climática. “Que os povos indígenas sejam bastante visados aqui para que o mundo consiga entender a importância deles na discussão climática para a harmonia do planeta e harmonia climática”.
A repórter Alicia Lobato é a enviada especial da Amazônia Real na cobertura da #COP26. A agência também integra a COPCOLLAB26, cobertura colaborativa da conferência realizada por coletivos, organizações, mídias independentes, midiativistas, jornalistas e comunicadores. Fazem parte do grupo colaborativo, entre outras organizações, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as Mídias Índia e Ninja.