Para o MAB, o juiz Mário de Paula Franco Jr, da 12a Vara Federal de Minas Gerais, se considera um “juiz universal” e invadiu competências que é da justiça estadual mineira e do Ministério Público. O MPF não teve acesso aos processos que correram em sigilo
Publicado 23/03/2021 - Atualizado 01/05/2021
Matérias exclusivas do Observatório da Mineração publicadas em 11 e 17 março deste ano trazem o conteúdo de vídeos de reuniões de 2020 e 2021 do juiz do caso Samarco, Mário de Paula Franco Júnior, com advogados do Espírito Santo que indicam uma possível suspeição do juiz. Neles, o juiz da 12ª Vara Federal de Minas Gerais admite que “muita gente que não deveria receber nada vai receber e quem deveria receber vai ficar de fora“. As gravações revelam ainda que Mário de Paula orientou uma comissão de São Mateus (ES) antes da sua criação em 2020 e, em janeiro de 2021, se reuniu com membros e advogados de comissões de várias cidades garantindo a continuidade de pagamentos de indenizações para grupos específicos.
O Movimento dos atingidos por barragens, o MAB, um dos principais movimentos de populações que sofrem os danos causados pelas barragens, nunca foi recebido ou reconhecido como interlocutor legítimo pelo juiz Mário de Paula Franco Júnior.
Juiz orienta advogados e ofereceu os serviços de sua assessora
Em reunião ocorrida em 16/04/2020 o vídeo mostra o juiz Mário de Paula Franco Júnior orientando os membros da Comissão, liderados pelo advogado Getálvaro Gomes da Silva, sobre como agir para obter indenizações referentes aos impactos do rompimento da barragem de Mariana, em 2015. O juiz lista o que é necessário conter na petição: “Então aí vocês precisam colocar isso na petição “tem uma categoria especifica aqui (…) , mas nós queremos que ela seja reconhecida por causa disso, disso e daquilo, tiveram esses, esses e esses danos e querem isso e isso e isso e isso” porque aí então a gente já estabelece de uma vez só. A ideia é tentar resolver toda situação, o conjunto das situações do território, né…”.
Franco Júnior indica que sua assessora pode resolver, inclusive, o problema de os advogados que não estavam cadastrados no Processo Judicial eletrônico (PJe): “se precisarem de qualquer coisa, de qualquer peticionamento, procurem a Karina (sua secretária) que ela vai saber (… ) informá-los adequadamente como peticionar”.
Em janeiro de 2021 em outro vídeo, desta vez com as novas comissões formadas no estado do Espírito Santo, também atingidas pelo rompimento da barragem da Samarco em 2015, para tratar de indenizações, o juiz Mário de Paula divide a situação entre “lideranças boas”, citando alguns dos presentes, e recomenda que “se afastem de lideranças negativas”.
O juiz da 12a Vara elogia a postura dos representantes: “o território do ES é pacífico, ordeiro, apoiador, ajuda o juiz na construção do sistema”. Trata-se do “Sistema Indenizatório Simplificado”, criado pelo juiz.
A legitimidade de todas essas comissões é questionada pelo Ministério Público Federal, que aponta diversas irregularidades na formação – inclusive com falsificação de assinaturas – e nos pedidos de indenização aceitos pela 12ª Vara Federal de Minas Gerais. A maioria dos processos correu em sigilo, sem acesso do MPF e demais interessados, informa o Observatório da Mineração.
“Ele nunca reconheceu o MAB como interlocutor legítimo”
Este blog conversou com Thiago Alves, morador de Ipatinga-MG e integrante da direção estadual de Minas Gerais do Movimento dos Atingidos pelas Barragens- MAB. Alves é responsável pelo acompanhamento de violações de direitos na bacia do Rio Doce.
Para Thiago, a postura do juiz da 12a Vara apresenta “no mínimo” uma série de desconfianças em relação ao que deveria ser a conduta de um juiz “minimamente equilibrada do ponto de vista jurídico e judicial dentro de um processo tão complexo como o Rio Doce“.
O dirigente do MAB explica que até o final do ano de 2019, Franco Júnior era um juiz “muito encastelado”: “Ele não recebia ninguém, muito menos os atingidos, inclusive o próprio Ministério Público Federal tinha dificuldades de acesso a ele.” De acordo com Thiago Alves, entre o segundo semestre de 2019 e início de 2020, já no início da pandemia, especialmente a partir da movimentação das empresas no processo, o juiz da 12a vara passou a tomar todas as decisões importantes, judicializando todo o processo: “ele começou a ser um juiz com bastante “diálogo” com grupos específicos de atingidos“, reforça Alves.
Alves ressalta que o juiz Mário de Paula Franco Júnior, nunca reconheceu o MAB como interlocutor legítimo, não recebeu todos os atingidos que solicitaram agenda naquele período, focando em grupos específicos, acompanhados por seus advogados particulares.
O dirigente de Ipatinga também denuncia que dentro do processo judicial na 12a vara foram engavetados assuntos muito importantes como os do Eixo 10 do processo. O juiz em questão organizou seu processo em 13 eixos que compõem entre outros assuntos: eixo sobre moradia, eixo sobre o reassentamento dos atingidos, especialmente na cidade de Barra Longa; eixo sobre o cadastramento de atingidos; um que trata de indenização (Eixo 7); o Eixo 10 que trata das assessorias técnicas independentes. O 13° eixo trata da fundação Renova.
Para o dirigente do MAB, essa judicialização retira o debate da questão da reparação dos danos dos atingidos por barragens de ambientes extra- judiciais, como o comitê interfederativo, um órgão do Ibama que atua no Rio Doce, para concentrar nas mãos do juiz. Ou seja, um juiz passa a decidir sozinho sobre os interesses de muitos atores, antes amplamente debatido. Alves ressalta que o juiz Mário de Paula Franco Júnior tomou uma série de decisões em cadeia, privilegiando o Eixo 7 do seu processo, criando um sistema simplificado de indenização e gerando uma série de problemas e vícios processuais como os destacados na imprensa: “Isso favoreceu imensamente a desorganização de tudo que havia sido acordado e organizado com os atingidos dentro do processo, por meio da atuação da força tarefa e dos seus especialistas, especialmente o Fundo Brasil dos Direitos Humanos em torno de demandas e processos coletivamente organizados. As decisões favoreceram grupos específicos de advogados, focando na demanda individual da indenização. Esse comportamento gerou uma imensa desorganização e o aumento da cadeia de conflitos na bacia do Rio Doce, explica Thiago Alves do MAB.
O MAB ressalta que este “juiz universal” invadiu competências que é da justiça estadual mineira e do Ministério Público como a função de fiscalizar a Fundação Renova (uma fundação de direito privado). Para o MAB, esse comportamento precisa ser analisado pelas instâncias competentes: “Em nossa opinião, o juiz Mario precisa ser confrontado com os próprios erros que cometeu. Ele se considera o juiz universal do caso Rio Doce. Ele quer decidir sobre tudo“, enfatiza, Thiago Alves.
Com informações do Observatório da Mineração