“Cozinhando a diversidade do Brasil” no FAMA

Milhares de participantes do FAMA estão acampados no Pavilhão de Exposições, em Brasília. Dez cozinhas foram montadas no local. Juntas, alimentam cerca de 3 mil pessoas por dia (Por Elvis […]

Milhares de participantes do FAMA estão acampados no Pavilhão de Exposições, em Brasília. Dez cozinhas foram montadas no local. Juntas, alimentam cerca de 3 mil pessoas por dia

(Por Elvis Marques – CPT/Comunicação FAMA)

O Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA) ocorre no Pavilhão de Exposições do Parque da Cidade, região Central de Brasília. Um espaço de aproximadamente 51 mil m². Grande, não é? Não para o cheiro que exala das cozinhas montadas pelos movimentos e organizações sociais para alimentar a luta de milhares de pessoas. São 10 cozinhas que servem café da manhã, almoço e jantar – refeições preparadas a partir de produtos originários de acampamentos e assentamentos e também de doações. São pessoas que doam alimentos e o suor do seu trabalho ao redor de fogões num calor que se aproxima facilmente dos 40°.

Foto: Joka Madruga

Nesta terça-feira, às 09 horas da manhã, Eva de Castro e seus dez companheiros e companheiras do Acampamento 8 de Março, situado no município de Planaltina (DF), já haviam servido o café da manhã e preparavam o almoço para cerca de 600 pessoas. Para a organicidade desta cozinha do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), cada dia um acampamento é responsável pelas três refeições. “Me passaram essa nova tarefa de cozinhar (risos). Eu adoro cozinhar, mas esta sendo um desafio, mas é bom e gostoso”, afirma a acampada, que também assumiu a tarefa de coordenar o trabalho hoje. Mas ela ressalta: “Nos perguntam quem é o chefe da cozinha? E nós sempre usamos a frase: ‘Nós não temos chefe. Somos uma equipe’”.

Mexendo uma vasilha de feijão e com uma sacola de hortelã nas mãos, Eva para um pouco o trabalho para falar como são produzidos os alimentos que estão sendo preparados. “A nossa prioridade é não colocar agrotóxico nos alimentos, mesmo que não dê fruto temos a consciência de que estamos fazendo a coisa certa. Não estamos contaminando o nosso solo. Eu mesma sou exemplo, planto lá no meu espacinho, uso apenas o esterco e deu uma produção legal. Deu feijão, abóbora, milho. E a gente poder olhar para esses alimentos e dizer que tudo é saudável. É muito gratificante”, afirma.  “E quando não estamos na cozinha, a gente participa das atividades [do Fórum] e também dá uma descansadinha para se preparar para o outro dia”, diz, sorridente, a mulher.

Uma questão de organização

A cozinha organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens é uma das maiores. Cerca de mil pessoas se alimentam neste espaço. Cada dia uma região do país é responsável pela alimentação. Hoje foram os estados do Nordeste e claro que no café da manhã não podia faltar o tradicional cuscuz. Foram 90kg deste produto e cerca de mil pães. “Para o almoço hoje foram utilizados cerca de 85kg de carne de porco, 90kg de arroz e 40kg de feijão. E mais uma quantia de mandioca que a gente nem tem noção do peso”, explica Valcileno Almeida Souza, militante do movimento em Mariana, no estado de Minas Gerais.

Souza explica que o funcionamento da cozinha está intrinsecamente relacionado com a organização do MAB, que conta com quase três décadas de atuação. “A gente vem com a perspectiva de construir o encontro, então o que podemos trazer das regiões, nós trazemos. São poucas coisas que não podemos trazer, normalmente é a carne”, afirma. Doze pessoas atuam neste ambiente por turno, que dura cerca de 8 horas. E isso é importante, conforme o militante, para que as pessoas, além de contribuir com esse trabalho, também participem dos atividades e debates do evento.

“Interessante destacar que todo o processo de organicidade do MAB começa nas comunidades. Então, antes de chegarmos no evento, a gente já tira as pessoas que vão ajudar em cada equipe (infraestrutura, limpeza, cozinha, saúde). A cozinha funciona dentro de um modelo orgânico do MAB”, ressalta Temoteo Gomes, que reside em Correntina, no Oeste da Bahia. A base da alimentação aqui, como nas demais cozinhas, é a agricultura familiar. Os atingidos por barragens trazem suas produções e também contribuem com a compra de algumas coisas, como a carne. “Trabalhamos cozinhando a diversidade do Brasil”, destaca.

E o debate do FAMA permeia também, claro, as cozinhas. Espaço onde esse bem comum é essencial. “Quando a gente debate a água, também debatemos o alimento e a terra. E isso passa aqui pela cozinha. Por exemplo, a importância da água para produzir e fazer nosso alimento. Com isso, fazer o enfrentamento da produção de monocultura do agronegócio”, ressalta Temoteo.

Sem veneno

“Para aí que eu estou conversando com ele aqui [o repórter]. É uma entrevista sobre a nossa cozinha”, diz, rapidamente, Fabiano Araújo, quando questionado pelo companheiro sobre a quantidade de carne para cortar para o almoço. Baiano, ele reside na zona rural do município de Malhada de Pedras e é militante do Movimento de Pequenos Agricultores, o MPA. “É tudo trazido pelas caravanas”, informa ele sobre a origem dos alimentos. “Só algumas coisas que a gente compra. Carne, por exemplo, não pode trazer porque perde. Aí é comprada aqui [em Brasília]”, explica. Hoje, somente nesta cozinha, almoçaram cerca de 300 pessoas.

Perguntado se sempre costuma contribuir nas tarefas dos eventos, o jovem responde logo: “Nós temos a boa vontade de ajudar aqui [na cozinha] porque somos todos unidos. Pois nós somos um grupo só, e um depende do outro. Se chegar alguém com fome nós damos comida”, afirma. E ele já emenda a resposta para explicar o processo de cultivo dos alimentos visíveis na mesa. “Veneno nenhum a gente usa em roça lá. Para nada. Tomate, quiabo, cenoura, é tudo com adubo de gado. Orgânico mesmo”, argumenta, que completa: “A gente tem de ter a terra, produzir e viver dela, da alimentação sem veneno, que é o que está matando a gente, como o câncer”.

Apesar de contar com diversas fontes de água em sua região, Fabiano chama atenção para assunto. “É importante termos o controle do uso da água, das nascentes, e sabermos de onde elas vêm, pois podem até estar envenenadas”, ressalta. “Na minha casa mesmo, eu tenho cisterna”, interrompe, com uma voz baixa, porém forte, dona Maria, para falar sobre a água em sua terrinha, onde ela também produz “sem agrotóxico”, como faz questão de ressaltar. Ela é vizinha de Fabiano.

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