“O projeto do capital é privatizar os bens naturais em todo o mundo”, denunciam organizações

Por: Comunicação FAMA No segundo dia de plenárias unificadas no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), realizado em Brasília entre os dias 17 e 22, a mesa “Estratégias do Capital […]

Por: Comunicação FAMA

No segundo dia de plenárias unificadas no Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), realizado em Brasília entre os dias 17 e 22, a mesa “Estratégias do Capital sobre os Bens Naturais e a Água” aponta as ações de apropriação e mercantilização que têm causado fortes impactos sobre trabalhadores e trabalhadoras em todo o mundo.

Dorival Gonçalves, professor da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) explica que o capital mundial vê nos recursos naturais forma de saída de sua crise, como possibilidade de produtividade ampla e elevada. “O capital precisa encontrar um lugar para que o dinheiro, hoje apenas especulativo, se realize. Os recursos naturais são um local importante e eficiente pra isso”, reflete.

Com 26% da água doce disponível em todo o mundo, a América Latina é hoje um dos principais alvos. Dorival explica que estão em jogo as amplas reservas de petróleo o gás no continente, além de elementos como nióbio e lítio no campo da mineração. “Estes combinados com a qualidade das terras, o clima adequado e um quantidade de água sem igual no mundo, se tornam elemento que para o capital são inegociáveis”, determina.

Assim, as estratégias do capital têm sido transformar estes recursos essenciais em mercadoria para a geração de lucro. Ele dá o exemplo da privatização da Eletrobrás e da indústria de água e saneamento, que têm sido realizados no Brasil após o Golpe de Estado em 2016.

De acordo com o professor, a indústria de saneamento no Brasil é patrimônio de cerca de 120 bilhões de reais. “É um indústria já estruturada nacionalmente, com uma cadeia produtiva organizada e já com consumidores certos. A negociação disso tudo é a principal razão dos debates no Fórum Mundial da Água, que acontece aqui também em Brasília”, diz Dorival, citando o Fórum realizado pelas grandes corporações do mercado da água no mundo, o governo brasileiro e outros governos, paralelamente à realização do FAMA.

Apropriação da água no mundo

Os exemplos trazidos da Nigéria e Chile apontam quão longe o capital pode chegar na mercantilização de recursos naturais.  Philip Ebuata Jakpor, da Nigéria, divide a experiência de luta do município de Lagos, em seu país de origem, que luta pelo acesso e controle da água desde o início da década de 80. “Enquanto a própria comunidade controlava a água nos tínhamos a garantia para todos, mas então o governo militar deu o controle para empresas como a Nestlé, e então conhecemos a privatização da água”, conta.

Desde então, a população da região luta pela retomada do controle das suas águas, com a realização de campanhas públicas de diálogo com a sociedade civil, trabalho coletivo junto do movimento sindical e principalmente organização com movimento de base no país. “o governo chegou a criar leis absurdas, com a proibição de carregar água em baldes, de captar de qualquer tipo de fonte e até mesmo de armazenar água da chuva. E só viramos o jogo com uma intensa unidade no país e trabalho popular”, relata animado. 

O Chile, por sua vez, é um país onde a água pode ser vendida, comprada e até mesmo alugada, e a população está fadada ao consumo apenas por caminhão pipa, de acordo com Rodrigo Mundaca, do Movimento de Defesa do Acesso à Água, Terra e Meio Ambiente (MODATIMA). Ele conta que a população que não tem acesso à água é obrigada a defecar em sacolas plásticas, pois não há forma de escoar os dejetos.

“A desigualdade na América Latina tem como base a transformação massiva de recursos naturais em capital financeiro e monetário. E os governos de direita em todo o continente têm reforçado com ações esse modelo de lucro com os recursos naturais”, diz Rodrigo, que denuncia ainda o assassinato, perseguição e criminalização de homens e mulheres que lutam pela água em seu país.

Enfrentamento e resistência no Brasil

A ribeirinha Andreia Neiva, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), é moradora de Correntina, no oeste da Bahia. Ela conta que a região luta há 40 anos contra o agronegócio na região e traz a experiência de enfrentamento com a ocupação da Fazenda Igarashi por cerca de 1000 ribeirinhos locais. “Foi um ato de fim da paciência, quando os ribeirinhos subiram o rio e ocuparam a fazenda, fazendo desaparecer tudo que acharam pela frente. A paciência já se esgotou”, desabafa.

Ela afirma que a única forma de garantir o controle dos recursos naturais é manter uma luta articulada entre os territórios, e não parar nas lutas locais. “Eles só temem o povo organizado, mais nada. E as cercas que nos prendem estão também prendendo as águas, as terras e as nossas vidas. A água é nossa, a terra é nossa, e ninguém vai morrer de sede em nenhum canto desse país”, brada Andreia.