Ás margens do São Francisco, ribeirinhos da Bahia iniciam caravana rumo ao FAMA

Mais de 300 atingidos e produtores rurais realizaram atos na região oeste da Bahia e seguem em caravana rumo ao Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), que acontece em Brasília 

Foto: arquivo MAB

O dia de hoje foi marcado por lutas e enfrentamento ao agronegócio na região do Oeste da Bahia. Atingidos por barragens, produtores rurais e moradores se uniram em defesa das águas em atos que marcaram a região.

Com três ônibus vindos de diferentes localidades e municípios do oeste da Bahia, como Jaborandi, Cocos, Correntina e seus povoados, os ribeirinhos marcharam acima das águas do Rio São Francisco na rodovia BR349, onde traçaram a ponte que dá acesso ao município.

Para Temóteo Gomes, da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens(MAB), este início do trajeto é bastante simbólico. “O Rio São Francisco, além de ser uma dos rios mais importantes do Brasil, é também um dos mais ameaçados com a seca, gerada pelo agronegócio predatório que assola nossa região. Os rios de conflito no oeste da Bahia são responsáveis pelo abastecimento deste grande rio”, afirma Temóteo.

Ali se encontram os rios Carinhanha, Corrente e Grande, principais contribuintes com as águas do rio São Francisco na Bahia. A região sofre coma exploração da água principalmente pelo agronegócio, com dezenas de empresas estrangeiras de monocultura para exportação. Em novembro do ano passado, a Fazenda Igarashi foi ocupada por quase mil moradores do entorno dos rios da região para denunciar a exploração do agronegócio às águas do Oeste da Bahia.

Celebração religiosa na Gruta da Soledade abençoa Caravana

Após a marcha, a Caravana composta por movimentos sociais, ribeirinhos, geraiseiros, organizações populares e pastorais seguiu para o Santuário do Bom Jesus, onde foi realizada a celebração em defesa das águas com a participação do Bispo.

Com muita mística, os ribeirinhos puderam ter sua luta e caminhada rumo ao FAMA abençoada, com a colocação de águas trazidas dos rios da região em uma grande moringa de barro, ao som de cantos e orações.  

Citando a encíclica de Papa Francisco em defesa da Casa-Comum, o Bispo reafirmou a importância da doação da vida para o cuidado com o próximo e citou a execução da vereadora Marielle Franco. “Vivemos tempos estranhos, tempos difíceis. Tempos de uma violência que executa e elimina ativistas de movimentos sociais, aqueles que lutam por direitos humanos. Jesus fala dessa entrega da vida para o bem comum, assim como Marielle fazia, assim como os que estão aqui na Caravana rumo ao FAMA”, saudou. 

Para Solange Moreira, moradora da comunidade de Brejo Verde, em Correntina, a realização dessa missa fortalece aquele que luta. “A perseguição é grande, saber que pessoas já foram mortas por lutar muitas vezes dá medo, mas a palavra de Deus, aquele que criou nossa Casa-Comum, dá um fortalecimento, encoraja o povo pra lutar”, comemora.

Ato em Correntina fecha o dia e reafirma luta contra o agronegócio

No período da tarde os ônibus seguiram para o município de Correntina, onde uma grande caminhada reuniu centenas de pessoas que percorreram as ruas da cidade em defesa das águas e do cerrado, finalizando na beira do rio Corrente.

Professora aposentada, Franciene França se anima com a marcha e conta que com a união do povo nas ruas confía a luta não vai parar. “Estamos aqui para mostrar para o agronegócio que a luta do ribeirinho não para, eu espero que os políticos tenham os olhos voltados pra o povo. O povo não é terrorista e não é besta, nosso lema é resistir, e vamos vencer”, confia.

Somente a Igarashi retira uma vazão de 182.203 m³/dia do Rio Arrojado, o equivalente a mais de 106 milhões de litros diários, suficientes para abastecer por dia mais de 6,6 mil cisternas domésticas na região do Semiárido. Recentemente, a empresa divulgou panfletos pelo município de Correntina afirmando que sua produção, citando a batata  e cebola, “alimenta a população de Correntina”, o que foi fortemente contestado nos atos de hoje.

“As famílias correntinenses, as famílias das margens das águas do em o feijão que o povo planta lá na beira do Rio Arrojado, comem o alface que é plantado na beira do Rio Carinhanha. É mentira, nós não comemos a batata que vem da Igarashi, nossas famílias comem a produção da agricultura familiar”, confirma a funcionária pública moradora de São Manoel, Adalgisa Maria de Jesus.

A pauta principal dos ribeirinhos da região está relacionada às outorgas, que licenciam a captação da água para as grandes empresas, segundo Timoteo, militante do MAB, esse é o ponto central de debate na região.

“É de vital importância revisarmos as outorgas cedidas para o agronegócio. A maioria delas está irregular ou foram obtidas por processos corruptos, o que tem gerado um alto nível de exploração de nossos rios, a ponto de quase secá-los. Exigimos um diálogo mais claro com o governo estadual para que possamos avançar nessas pautas”, afirma.

Foto: arquivo MAB

A Caravana segue viagem no fim da noite rumo a Brasília, com cinco ônibus do MAB, MPA e MCP, de diversos municípios do norte e oeste da Bahia. Com mais de 300 pessoas, a caravana se soma a ribeirinhos e militantes de todo o Brasil no Fórum Alternativo Mundial da Água(FAMA), articulação internacional em defesa da água.

“Demos nosso recado para a Igarashi e o agronegócio que a luta na região não vai parar, agora nossa luta continua. Este é só o início de nossa jornada, saímos para o FAMA continuar o debate reafirmando que água é uma direito, um bem e não mercadoria. Será uma semana intensa de mobilização dos ribeirinhos e de toda a classe trabalhadora”, conclui Temóteo.

 

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