A ameaça estrangeira aos nossos aquíferos

No início deste ano, um encontro discreto entre Michel Temer e Paul Bulcke, presidente da Nestlé representou uma nova fase do golpe para o Brasil: a venda de nossos aquíferos. […]

No início deste ano, um encontro discreto entre Michel Temer e Paul Bulcke, presidente da Nestlé representou uma nova fase do golpe para o Brasil: a venda de nossos aquíferos.

Segundo o jornal “Correio do Brasil”, embasado por artigos escritos pelo ativista norte-americana Franklin Frederick, o encontro ocorrido após a participação de Temer no Fórum Econômico Mundial, na Suiça, acelera as negociações para a apropriação do Aquífero Guarani, segundo maior aquífero do mundo com 1.200.000 km² localizado em terras brasileiras.

“Ao que tudo indica, decidiram que o presidente Temer e o CEO da Nestlé não deveriam aparecer juntos em público. Afinal, a Nestlé é bem conhecida pelo seu apoio à privatização da água; e que negociações sobre este tema já existem entre a empresa e o presidente Temer é de conhecimento público. A rejeição da maioria da população brasileira à privatização da água parece ter influído em tornar mais discreto o encontro entre Temer e o CEO da Nestlé em Davos”, afirma Frederick.

Segundo o ativista, o presidente-não-eleito do Brasil teria se encontrado ainda com outros setores importantes da “indústria da água” e outras bebidas como a Coca-Cola e a Ambev.

“Temer teve encontros privados com o Presidente Global da Ambev, Carlos Brito; e com o CEO da Coca-Cola, James Quincey. Temer também encontrou o CEO da Dow Chemical, Andrew Liveris. A água é a principal matéria prima utilizada pela Coca-Cola e pela Ambev. E ‘por coincidência’, Andrew Liveris faz parte do ‘Governing Council’ do Water Resources Group –WRG – a iniciativa da Nestlé; Coca-Cola e Pepsi para privatizar a água através de parcerias público-privadas. No site oficial do WRG, Andrew Liveris aparece ao lado do ex-CEO da Coca-Cola Muhtar Kent – outro membro do ‘Governing Council’ do WRG”, afirma.

Ponto de vista estratégico

No Brasil, estão localizado os dois maiores aquíferos do planeta, o Aquífero Guarani e o Aquífero Alter do Chão, estima-se que a água contida neste segundo poderia ser suficiente para abastecer aproximadamente 100 vezes a população mundial, ou por cerca de 250 anos. São mais de 162.520 km³ de água no que atualmente é chamado de SAGA, Sistema Aquífero Grande Amazônia, localizado nas bacias do Marajó (PA), Amazonas, Solimões (AM) e Acre.

O Aquífero Guarani, o segundo maior, por sua vez possui uma área total de 1,2 milhões de km², sendo que dois terços se localizam em território brasileiro, nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, a outra parcela abrange áreas localizadas na Argentina, Uruguai e Paraguai. É considerado um dos mais importantes do ponto de vista do abastecimento da região, sobretudo para as futuras gerações.

Abaixo do Rio São Francisco, localiza-se ainda um terceiro aquífero brasileiro, também de suma importância por seu valor estratégico, sobretudo para o agronegócio: o Aquífero Urucuia. Responsável por mais da metade das vazões de base do rio São Francisco, o aquífero vem sofrendo com todo tipo de degradação e ameaças provenientes da grande agricultura irrigada, que consome uma enorme quantidade de água, voltado sobretudo para a exportação em sua maioria de grãos. A situação se agravou após a implantação do chamado MATOPIBA, nos anos 70, projeto que assolou o cerrado baiano, quando foi definida a “nova fronteira agrícola” para o país.

Ameaça

Não é de hoje que estas riquezas tem despertado a cobiça de empresários multinacionais. De acordo com o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (2015), até 2050, é previsto aumento de 55% na demanda hídrica mundial sobretudo para uso das indústrias, por outro lado, a estimativa é que cerca de 20% dos aquíferos do mundo inteiro estejam em situação de seca, o que explica o grande interesse de grupos multinacionais nas regiões da América Latina.

Uma das táticas utilizadas pelas grandes corporações é a proposição de melhorias técnicas nas redes de abastecimento, estimulando pesquisas e estudos e criando “instituições” de defesa da água, com um caráter quase filantrópico. Os interesses dos gestores técnicos que se atribuem a tarefa de “melhorar a eficácia do aproveitamento da água” muitas vezes oculta os reais objetivos de empresários interessados no processo de privatização deste recurso natural.

O World Water Council, centro de pesquisa internacional fundado em 1996, com sede em Marselha, França é um bom exemplo disso. Seus membros envolvem organizações intergovernamentais, ONGs e universidades, mas sobretudo empresas do setor privado ligadas à exploração mercantilista da água.

Este “Conselho Mundial da Água” inclui, por exemplo, a empresa francesa Lyonnaise des Eaux, pertencente ao grupo Suez, um dos maiores violadores de direitos humanos na América Latina, principalmente no Brasil. A Suez-Tractebel é acionista majoritária em 10 barragens brasileiras, caracterizando-se como uma das empresas privadas de maior atuação no país, nas usinas de Cana Brava, em Goiás, Estreito, em Tocantins, e Jirau, em Rondônia. Em função desta última, a Suez Tractebel foi condenada pelo Tribunal Permanente dos Povos, realizado em Madri em 2010, por “cometer graves, claras e persistentes violações dos princípios, normas, compromissos e pactos internacionais que protegem os direitos civis, políticos, econômicos, culturais e ambientais das pessoas”. Na ocasião, foi considerada a “pior empresa do mundo” pelo Public Eye Awards.

A cada três anos, este conselho organiza o chamado Fórum Mundial da Água, maior evento internacional no campo. A próxima edição ocorrerá no Brasil, em março deste ano, organizado pelo Governo Federal (do presidente-não-eleito Temer), com patrocínio do Governo do Estado de São Paulo (Geraldo Alckmin, do PSDB), da SABESP e da Ambev e certamente representará mais um passo para a privatização de nossos recursos hídricos, como aponta Liciane Andrioli, da coordenação nacional do FAMA (Fórum Alternativo Mundial da Água), evento que ocorre paralelamente ao fórum das empresas.

“Essa organização a nível internacional das empresas de ‘venda da água’ representa uma ameaça direta pra nós. Não é atoa que o Brasil sediará a edição deste ano, aqui estão as maiores riquezas do segmento. O que está em jogo nessa disputa são nossas riquezas naturais, e num ponto de vista mais amplo, a nossa soberania nacional, o futuro de nossa nação. Devemos nos defender e lutar contra essa ofensiva do capital internacional”, aponta.

 

Conteúdos relacionados
| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

Desenvolvimento para quem? Piauí, um território atingido pela ganância do capital

Coletivo de comunicação Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) no Piauí, assina artigo sobre a implementação de grandes empreendimentos que visam somente o lucro no território nordestino brasileiro

| Publicado 27/02/2018

Água e a vida das mulheres

| Publicado 27/02/2018

Fechar Escolas é crime!