Reconhecimento e visibilidade aos atingidos por barragens na Bahia

Governo do Estado, MAB e sociedade civil debatem violações de direitos humanos na construção de barragens e apontam criação da PEAB no estado

Foto: arquivo MAB

“A vida dos atingidos por barragens vai muito além daqueles alagados ou do momento da construção da barragem, e essa complexidade conseguimos aprofundar e apresentar para o Governo e a sociedade baiana nesse momento”, avalia Moisés Borges, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), sobre a realização do Seminário sobre a Política Estadual de Direitos dos Atingidos por Barragens na Bahia.

O evento ocorreu entre os dias 5 e 6 de setembro em Salvador, no Centro de Treinamento da Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR) da Bahia. Com ampla participação do Governo da Bahia, o Seminário contou com cinco secretarias de Governo, a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Secretaria de Infraestrutura; Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento; Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social; e a Secretaria de Relações Institucionais.

As denúncias de violação de direitos humanos foram feitas por cerca de 100 atingidos de todo o estado presentes nos dois dias de debates, que contou também com a participação de representantes da Universidade Federal da Bahia; Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Sindicato de Trabalhadores Rurais de quatro município baianos; membros da Assembleia Legislativa da Bahia, pela Comissão de Direitos Humanos e Comissão de Meio Ambiente; e o Sindicato de Professores de Correntina.

“Me engrandece muito estar participando e apoiar esse Seminário. Está clara a importância dessa organização política, há muitos anos os atingidos estão numa caminhada forte, de resistência e mantendo viva essa chama no espaço de políticas públicas junto aos municípios, estado e União”, declara Jerônimo Rodrigues, Secretário de Desenvolvimento Rural da Bahia.

A criação da Política Estadual é parte da pauta de reivindicações dos atingidos da Bahia, apresentada pelo MAB desde 2015 a fim de denunciar ao Governo as violações de direitos humanos sofridas pelos atingidos na Bahia e garantir que não sejam mais violados. Desde julho deste ano, a pauta tem sido finalmente negociada junto às secretarias de governo, principalmente a partir da pressão dos atingidos nas mobilizações do 14 de Março.

PEAB necessária e urgente

A história de construção de barragens na Bahia está marcada pelas violações causadas pela Barragem de Sobradinho, eternizadas na música de Sá e Guarabira. Para que a história não continue se repetindo, a necessidade da criação de uma política que garanta os direitos dos atingidos na construção de barragens foi afirmação de todos os presentes. A promotora estadual Luciana Cury aponta que a atual gestão do Estado no campo de barragem é falha e gera violações. “Temos convicção que não é só São Pedro o culpado pela seca na Bahia, mas também a degradação e o modelo de desenvolvimento colocado na Bacia do São Francisco. Há um descontrole total do Estado na gestão das águas”, reforça.

O advogado Leandro Scalabrin relata que a única lei nº 3.365 vigente atualmente que cita direitos humanos na construção de uma barragem é do ano de 1941, e ainda assim bastante insuficiente. Ela aponta somente a obrigatoriedade de indenização daquele que são proprietários e perde as suas terras para o novo lago, mas ainda assim a obrigatoriedade da titulação inviabiliza grande parte dos casos. “Conhecemos a realidade da questão fundiária no Brasil. Comunidades tradicionais vivem há séculos em uma terra sem titulação, e o mesmo se repete com os atingidos, fragilizando ainda mais a garantia de seus direitos”, denuncia. O MAB aponta que o direito de um atingido deve ir além da indenização, conquistando terra, energia plena, água, acesso à todas as políticas públicas, como saúde, educação e transporte.

Aliado à isso está o debate de conceito de atingido, que deve estar muito além do deslocado uma vez que a construção de barragens afeta toda uma região por gerações. “O conceito de atingidos está em disputa, pois quanto menos abrangente, menor é o passivo deixado pelas empresas”, afirma a pesquisadora Guiomar. Todo aquele que teve a sua vida afetada de alguma forma deve ser considerado atingido, e portanto construídas formas de diminuir e até mesmo acabar com as violações sofridas.

Visibilidade e reconhecimento aos atingidos

A invisibilidade das violações de direitos da população atingida é um dos maiores desafios para a criação de uma legislação para apontar e garantir estes direitos. Reforçado durante discurso da maior parte dos presentes, dar visibilidade a estas violações é uma tarefa urgente, e também um grande desafio. “Estas barragens são construídas como se os locais fossem desertos, sem população. Os atingidos são percebidos quando tem que fechar as comportas e “limpar a área” para a água”, relata a professora de geografia Guimar Germani.

De acordo com o militante Moisés, o problema se dá principalmente pelo atual modelo de energia. “A energia é um setor estratégico para o Capital, e este atual modelo tem como objetivo apenas o lucro. E uma forma de ampliar os lucros é a retirada de direitos na construção de hidrelétricas”, explica o militante. Em seus 26 anos de existência, o MAB tem observado a necessidade de se debater esse modelo, verdadeiro responsável pelas violações.

A denúncia feita pelo movimento está principalmente nos sujeitos que se beneficiarão das barragens construídas, para que e para quem são feitas. Estudos feitos pela professora apontam a existência de pelo menos 543 barragens e açudes apenas no estado da Bahia, e ela conta que estudos já podem afirmar que onde há uma barragem está provado o fortalecimento e expansão do agronegócio.

MAB propõe Política de Direitos dos Atingidos para a Bahia

Em diálogo com o Governo da Bahia, o MAB tem buscado cumprir estas duas grandes tarefas, trazer à tona essa população esquecida e garantir seus direitos. “Colocar o Estado durante um dia e meio para ouvir os atingidos é muito importante mas ainda insuficiente, a visibilidade vai se dar ao longo do tempo. Por isso temos que buscar as duas coisas ao mesmo tempo, a denúncia e a criação da PEAB”, afirma Moisés.

Representante do Governo da Bahia, o Secretário Jerônimo reafirma ao compromisso no reconhecimento das violações e com a construção da Política. “A gestão vem fazendo o que pode no sentido de enxergar esse público, de respeitar e agora com o diálogo. Nos interessa dialogara com o MAB na construção de uma política estadual dos atingidos, esse povo não pode ficar à mercê ou fora do alcance da luta das políticas públicas”, afirma.

Em negociação com o MAB desde julho, o Governo da Bahia coloca de vez o movimento como legítimo interlocutor dos atingidos após a construção do Seminário. A legitimidade do MAB é fundamental para que os atingidos possam finalmente falar por si mesmo na luta por seus direitos, já que na grande maioria das vezes quem aponta como devem ser tratados na construção de barragens são as próprias empresas ou outras organizações que não têm relação real com a população.

Só a luta faz valer

O Estado tem o seu papel na garantia dos direitos dos atingidos, na promoção de políticas pública ou criação de leis. Mas sua função como responsável pela construção de barragens ou somente aprovação de licenças para construção também o coloca como violador desses direitos. Assim, é fundamental a organização e luta dos atingidos. “Garantia de direitos é como feijão, só na pressão é que fica bom”, afirmou o secretário Jerônimo.

Durante os 26 anos de luta do MAB, o movimento conhece bem essa realidade. “As violações ainda são as mesmas, os atingidos são ameaçados, multados, expulsos e violados de todas as formas. Mas quando estão organizadas, as famílias são vistas de outra forma. Não podemos deixar de fazer a luta, a permanente mobilização de nós atingidos diante das violações é que nos garante. Só a luta faz valer”, relata a atingida de Correntina Andréia Neiva. Acordo firmado durante Seminário aponta a aprovação da PEAB até março de 2018, e construção do texto deve ser realizada em conjunto com o governo ainda durante esse ano. 

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