Comissão de Direitos Humanos avalia como crime rompimento de barragem em Minas Gerais

Além do reconhecimento de ação criminosa por parte da Samarco (Vale/BHP), Comissão da Câmara dos Deputados verificou diversas violações de direitos humanos ao longo da bacia do rio Doce   […]

Além do reconhecimento de ação criminosa por parte da Samarco (Vale/BHP), Comissão da Câmara dos Deputados verificou diversas violações de direitos humanos ao longo da bacia do rio Doce

 

 Foto: Greempeace

“Estamos diante de uma ação criminosa de diretores e administradores de uma empresa que escolheu a ampliação dos lucros em detrimento da segurança de inúmeras pessoas, do meio ambiente, das leis brasileiras”, afirma em relatório a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal dos Deputados.

Durante os dias 31 de outubro e 5 de novembro de 2016, houve uma diligência entre os municípios do Espírito Santo e Minas Gerais para apurar denúncias de violações de direitos humanos decorrentes do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão, de propriedade da Samarco, Vale e BHP Billiton.

Nessa diligência, que se constituiu como uma investigação in loco, a Comissão acompanhou a Marcha “1 Ano de Lama e Luta”, organizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Na semana em que se completou um ano do rompimento, atingidos percorreram o caminho inverso da lama, de Regência (ES) à Mariana (MG).

No percurso, integrantes da Comissão puderam constatar desrespeito aos direitos à informação e à participação, ao trabalho e ao padrão digno de vida, à moradia adequada, à educação, à saúde, à reparação por perdas, à cultura e aos modos de vida tradicionais.

Segundo o relatório, “não cabe ao Estado estender a mão a acionistas, priorizando a preservação de uma companhia criminosa, antes de fazê-lo às inúmeras vítimas de suas decisões inconsequentes. É imperioso que, antes de mais nada, o poder público pelo povo constituído aja no sentido de amparar aqueles que foram – e ainda são – vítimas de uma tragédia anunciada”.

A Comissão de Direitos Humanos e Minorias, presidida pelo deputado federal Padre João (PT-MG), é uma das 21 comissões permanentes da Câmara dos Deputados. Apesar de se constituir como órgão oficial, suas recomendações não possuem caráter legislativo ou jurídico.

Cadastramento das pessoas atingidas

A diligência constatou a existência de diversas pessoas que tiveram seu direito ao cadastramento como “atingidas” negado pela Fundação Renova, que é o órgão criado pelas próprias mineradoras e pelo Estado para implementar os programas socioambientais e socioeconômicos de reparação na região.

“A recorrência com que tais alegações são feitas nos mais diversos municípios atingidos pelo desastre, torna controvertida a ação de boa-fé da Fundação Renova em prover as comunidades do justo amparo nesse momento extremamente delicado”, afirma o relatório.

Como recomendação, a Comissão impele o Ministério Público, Defensoria Pública e Comitê Interfederativo – órgão criado a partir do “Acordo” entre as empresas e os governos federal, do Espírito Santo e Minas Gerais – para verificar as denúncias nos locais e tomar as providências necessárias para garantir os auxílios.

Discriminação contra as mulheres

Em Mascarenhas, pequeno distrito do município de Baixo Guandu (ES), a população foi uma das mais impactadas economicamente com a chegada da lama. Antes do rompimento de Fundão, homens e mulheres sobreviviam direta ou indiretamente da pesca.

Entretanto, a Fundação Renova está excluindo as mulheres do direito aos benefícios socioeconômicos, por duvidarem de suas atividades profissionais ligadas à pesca, o que justificaria a concessão dos benefícios apenas ao “chefe de família”.

De acordo com o relatório da Comissão, “a prática de tal conduta pela Fundação Renova consiste em verdadeira violação do princípio de isonomia, reforçando práticas discriminatórias contra mulheres e as sujeitando economicamente aos maridos, sem que possuam meios de subsistência para garantir sua autonomia”.

Saúde 

Durante toda a diligência, constatou-se problemas de saúde decorrentes dos rejeitos expelidos com o rompimento da barragem. Em Barra Longa (MG), por exemplo, houve um crescimento epidêmico nos casos de dengue. De acordo com o depoimento do Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Edmundo Antonio Dias Netto Júnior, foram 174 casos registrados no município até novembro de 2016. Com apenas 6 mil habitantes, Barra Longa havia registrado apenas dois casos em 2015.

Além disso, foram apontados diversos problemas de saúde que poderiam ter relação com o consumo de água. Em Governador Valadares, assim como em outros municípios, a captação de água continua sendo realizada por meio do rio Doce.

Em laudo, a Central de Apoio Técnico do Ministério Público de Minas Gerais, que analisou a qualidade da água em julho de 2016, concluiu que o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de Governador Valadares não atende padrões de potabilidade da água distribuída no município, devido à presença de alumínio acima de níveis aceitáveis.

Coceiras na pele e desinterias são algumas das consequências já verificadas pela ingestão da água do rio Doce. Entretanto, diversas doenças apenas serão constatadas com a observação a longo prazo.

Bento Rodrigues

A Comissão considera “estar em curso outro ato de violência pela mineradora Samarco: a construção do Dique S4”. Em 21 de setembro de 2016, o governo de Minas Gerais desapropriou 56 hectares da área de Bento Rodrigues para a construção de um dique pela Samarco, com capacidade para estocar 1 milhão de m³ de rejeitos.

De acordo com o relatório, “é necessário que a eventual construção de dique na área afetada de Bento Rodrigues seja a última opção a ser considerada, de modo a preservar a memória dos moradores sobre o lugar em que se desenvolveu toda a sua história”.

Além disso, a Comissão critica a mineradora por ainda não ter construído a nova comunidade de Bento Rodrigues, o que priva os moradores de seus laços comunitários que foram construídos durante séculos.

 

Confira o relatório na íntegra: http://bit.ly/2nZXrPN

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