Três motivos para não autorizar a expansão da hidrelétrica de Santo Antônio

A Santo Antônio Energia anunciou em diferentes meios de comunicação a elevação da cota de seu reservatório em 0,80m e a inclusão de mais seis turbinas, como se o devido […]

A Santo Antônio Energia anunciou em diferentes meios de comunicação a elevação da cota de seu reservatório em 0,80m e a inclusão de mais seis turbinas, como se o devido licenciamento para essa alteração fosse um fato consumado.

Em uma das propagandas veiculadas na TV Rondônia, afiliada da Rede Globo no Estado de Rondônia foi apresentado previamente o custo que isto acarretaria socialmente (300 milhões), um número reduzido de famílias (70) que seriam atingidas e que isto aconteceria para gerar energia somente para Rondônia e Acre, sendo necessário para evitar os apagões que permanecem na região mesmo após instalação de Jirau e Santo Antônio em Porto Velho. O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) vem a público esclarecer algumas informações e contribuir para o debate necessário que deve ser realizado em uma sociedade verdadeiramente democrática.


1- Sobre o IBAMA e o licenciamento ambiental federal.

Em relação à expansão da hidrelétrica de Santo Antônio, não se trata de um ajuste simples em uma construção ou em uma máquina. A escala da obra e das máquinas a serem instaladas é gigantesca. A elevação de 0,80m do nível de água de um lago em uma região com terreno bastante plano como é o da área afetada pelo reservatório de Santo Antônio é uma alteração extremamente significativa. Além de que as turbinas de 70 MW de potência estão entre as maiores turbinas de hidrelétricas do mundo, como afirmam os próprios diretores do consórcio. Pode-se dizer que 6 turbinas, como as que Santo Antônio pretende incluir são como a inserção de uma nova hidrelétrica dentro da atual, tal qual a própria Santo Antônio Energia apresenta no PBCA (Plano Básico Complementar), comparando a superioridade da potência da alteração do projeto de Santo Antônio em relação à hidrelétrica de Foz do Chapecó e de São Manoel no rio Teles Pires.

Conforme a licença de operação da hidrelétrica de Santo Antônio o atendimento dos objetivos ou a continuidade dos programas socioambientais do Plano Básico Ambiental (PBA) são condicionantes específicas. No entanto uma série de programas, como Programa de Apoio às Atividades Pesqueiras, Programa de Remanejamento da População Atingida, Programa de Monitoramento do Lençol Freático, Programa Saúde Pública, Programa de Hidrossedimentológico, vem sendo sistematicamente descumpridos.

Diante do quadro atual do empreendimento, afirmamos que o IBAMA não é capaz de monitorar os impactos atuais e encaminhar as devidas ações de mitigação que precisam ser efetuadas, quanto mais se compremeter a lidar com uma situação ainda mais complexa em que os atuais impactos não suficientemente diagnosticados se confundirão com os gerados na ampliação da hidrelétrica. Licenciar um empreendimento significa considerar as circunstâncias anteriores e posteriores a sua autorização.

O Programa de Remanejamento apresenta inúmeras pendências tanto no que tange o levantamento do público não atendido, quanto nos reassentamentos já implantados, que apresentam uma série de problemas insistentemente relatados nas vistorias do IBAMA e questionados em Ações Civis Públicas do Ministério Público Federal e do Ministério Público de Rondônia, como é o caso de Santa Rita (ACP 0017613-96.2014.4.01.4100) e Morrinhos (ACP 0008426-30.2015.4.01.4100). Casas com rachaduras e problemas de instalações elétricas persistem há 5 anos, há defeitos na instalação das fossas sépticas que apresentam transbordamento, assim como os poços da água para consumo das famílias apresentam contaminação em grande parte dos lotes. Os lotes rurais foram instalados em áreas improdutivas e até hoje não foi entregue as áreas de reservas legais, que correspondem na legislação à 80% da área do lote na região, assim não é possível a regularização dos imóveis, negando o acesso dos assentados à diversas políticas públicas, como a aquisição de empréstimos para fomento da atividade agrícola. Nenhum dos sete reassentamentos construídos pela Santo Antônio Energia atingiu satisfatoriamente os seus objetivos. Apesar de todas as irregularidades, parte dos reassentamentos foram colocados à margem do reservatório, de forma com que algumas das famílias reassentadas terão de ser novamente realocadas por terem sido novamente atingidas.

Enquanto no projeto para expansão da UHE Santo Antônio são apresentadas cerca de 400 famílias atingidas, contradizendo informação veiculada pela TV Rondônia (70 famílias), somente em decisão recente da Justiça Estadual em favor de Ação Civil Pública do Ministério Público do Estado de Rondônia e do Ministério Público Federal há um número maior de famílias nos dos Projetos de Assentamento Joana D’Arc 1, 2 e 3 que já são atingidas hoje e devem ser remanejadas por decisão judicial, do que o universo apresentado pela Santo Antônio Energia com a hidrelétrica ampliada.

Ao apresentar das contradições do Programa de Remanejamento da População Atingida, é necessário ressaltar que não é somente a formação do reservatório que provoca impactos na construção e operação de uma hidrelétrica. Existem outros problemas tão graves quanto o alagamento, que provoca a inaptidão agrícola da terra e o deslocamento forçado dos atingidos, que são o encharcamento do solo e a elevação do lençol freático. As contradições na apresentação do número de atingidos pela Santo Antônio Energia se dá, entre outros fatores, por desconsiderar estas outras formas de impacto diversas do alagamento da propriedade. Em Jaci Paraná, centenas de famílias são atingidas pela contaminação das fontes de água para consumo, devido à elevação do lençol freático.

As últimas unidades geradoras do projeto original de 44 turbinas foram recentemente acionadas, os órgãos reguladores deveriam acompanhar os efeitos da estabilização do reservatório antes de sua ampliação. No inicio de 2012, logo após o início da operação das duas primeiras turbinas de Santo Antônio, mais de 140 famílias foram atingidas pelo desmoronamento de suas moradias no bairro do Triângulo, provocado pela força gerada com com o turbilhonamento das águas à jusante.

2- Sobre a Agência Nacional de Águas e a outorga de utilização dos recursos hídricos.

Além de descumprir com as obrigações do licenciamento ambiental federal a Santo Antônio Energia também não tem cumprido com as condicionantes da outorga de concessão de utilização dos recursos hídricos emitida pela Agência Nacional de Águas (ANA).

Conforme o ofício nº 330/2015/AA-ANA (Documento nº 000000.054960/2015-84) de 18 de setembro de 2015, encaminhado pelo diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) ao diretor-presidente do consórcio Santo Antônio Energia (SAE), Eduardo de Melo Pinto, a área urbana de Jaci Paraná abaixo da cota de 77,10m deverá ser realocada e a cota mínima para a BR 364 nos trechos sob influência do reservatório da UHE Santo Antônio será de 77,40m.

As medidas determinadas visam a proteção das áreas à montante contra os efeitos de remanso do reservatório da UHE Santo Antônio.

A ANA também fixou para o dia 13 de outubro de 2015 o prazo para que a Santo Antônio Energia apresente um cronograma de desenvolvimento dos projetos e execução da relocação urbana de Jaci Paraná. O cumprimento das cotas de proteção estabelecidas é necessário para o atendimento das condições de outorga de direito de uso de recursos hídricos da UHE Santo Antônio. Até o momento sequer as devidas ações de comunicação das informações das determinações da ANA sobre Santo Antônio foram apresentadas aos atingidos das comunidades.

3- Sobre a ANEEL e o Plano de Segurança de Barragem.

Ainda no que se refere à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), mesmo após o desastre de 2014, no rio Madeira, a Santo Antônio Energia sequer apresentou o Plano de Segurança de Barragem, conforme determina a Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº 12.334/2010), requisito que passou a ser exigido com maior rigor após o crime ocorrido na bacia do rio Doce. O prazo para apresentação estipulado pela AGU expirou no dia 22 de junho.

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| Publicado 21/12/2023 por Coletivo de Comunicação MAB PI

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