“A crise é do capitalismo, mas quem paga a conta são os trabalhadores”, afirma Dalla Costa

Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa avalia a situação política brasileira como parte da crise econômica mundial. Por Neudicléia de Oliveira, de […]

Integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa avalia a situação política brasileira como parte da crise econômica mundial.


Por Neudicléia de Oliveira, de São Paulo

Foto: Joka Madruga

Na busca incessante de aumentar as taxas de lucro, o capitalismo chegou ao seu limite. Essa é a opinião do mestre em Geografia pela FCT da Unesp e integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Luiz Dalla Costa.

Apesar disso, a propagada crise não afeta igualmente todos os setores da sociedade. Por um lado, bancos e setores rentistas nunca lucraram tanto. No extremo oposto, a população pobre acaba arcando com os prejuízos.

Nesse cenário, encontram-se as disputas geopolíticas. Para o dirigente, a ofensiva conservadora observada na América Latina faz parte da estratégia dos Estados Unidos de desarticular os países que se alinharam em blocos com a China.

Todavia, Dalla Costa observa que a interferência imperialista não é a mesma de décadas anteriores, quando os Estados Unidos financiaram ditaduras militares na América Latina. “Eles não vêm mais para o Brasil da forma como vinham antigamente, com tanques e exércitos. Atualmente, eles vêm através de políticos de direita, empresários de direita, procuradores de direita e juízes de direita.”

De acordo com militante, os grandes recursos naturais – petróleo, água e terra fértil – fazem que o continente seja visado por Estados e multinacionais do mundo inteiro. “Brasil e Venezuela, juntos, detém mais de 400 bilhões de barris de petróleo”, aponta.

Apesar das adversidades, Dalla Costa é otimista em relação à unidade de movimentos populares, fortalecida em decorrência das mobilizações em defesa do mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Confira a entrevista:

 

Qual a avaliação do MAB sobre a conjuntura política do país?

Nós vivemos um momento muito grave na política brasileira. São raros esses momentos na história em que se observa uma conjunção tão forte de grupos conservadores. O que eles pretendem é recuperar sua hegemonia a partir de uma visão neoliberal, privatista e entreguista dos bens da população brasileira e das riquezas do país. Esse movimento, que tem ganhado muita força, é capitaneado e dirigido ideologicamente pelos grandes meios de comunicação, especialmente pela Rede Globo, que exercem um papel contrário aos interesses do povo brasileiro. Outro setor que cumpre esse papel é o alto escalão do judiciário, das policias federal e estaduais e parte da classe média. Isso tudo reverbera dento do congresso com os políticos de direita, figuras tradicionais que então levam para dentro do congresso nacional esse tipo de sentimento que faz muito mal a qualquer tentativa de melhorar as condições de vida da população. Por isso, acreditamos que esse momento é bastante grave na vida do nosso país. Por outro lado, eu acho importante que, frente a toda essa ofensiva, também há um avanço e um grande sentimento de unidade de organizações e movimentos sociais que lutam pela democracia, igualdade e justiça. Isso também se acentuou no último período com laços cada vez mais fortes entre aqueles que querem construir um país mais justo, fraterno e igualitário.

Como o movimento avalia a crise? Quais as consequências para os trabalhadores?

Existe de fato uma crise do sistema capitalista, do modo de produção capitalista, dessa relação social. As grandes empresas têm uma enorme capacidade de produção, mas essa possibilidade não encontra local para se realizar enquanto mercadoria, ou seja, não tem compradores suficientes para tanto produto. Como as empresas visam apenas o aumento incessante de lucro, essa situação causa o se convencionou chamar de crise. Eles têm uma enorme capacidade de produção, mas não conseguem produzir tudo o que gostariam e não chegam a escoar toda a produção por falta de mercado. Para eles, isso é uma crise. Entretanto, precisamos ter a consciência que só crescimento econômico não significa necessariamente melhoria das condições de vida, pois muitas vezes há crescimento econômico e não há distribuição da riqueza, o que não soluciona a vida da maioria das pessoas. O crescimento econômico é positivo na medida em que propicia um alto grau de desenvolvimento com distribuição de renda, desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental. De fato, como o objetivo é sempre ganhar rios de dinheiro, eles estão em crise hoje. Mas isso não quer dizer também que alguns setores não estejam ganhando dinheiro. Os bancos, por exemplo, nunca ganharam tanto, assim como as empresas de energia elétrica, telecomunicações, entre outros. Diversos setores que estão acumulando muito dinheiro propagam que estão crise. Quando esses grandes empresários afirmam estarem em crise, a primeira medida tomada é retirar os direitos dos trabalhadores e reorganizar a produção para que o trabalhador produza mais. Ou seja, as pessoas trabalham mais e ganham menos. A crise é do capitalismo, mas quem paga a conta são os trabalhadores. Além disso, criam formas para melhorar as tecnologias e produzir mais em menos tempo. A terceira medida que as empresas fazem nesse momento de crise é se apropriar dos bens naturais como água, terra fértil, petróleo e minerais. Por isso, todas as medidas que as grandes empresas têm tomado para resolver os problemas próprios da crise vai contra a soberania nacional e os interesses dos trabalhadores.

Você acredita que existe um interesse dos Estados Unidos sobre o território brasileiro e da América Latina?

Não há dúvida nenhuma que há um forte interesse de quem já foi e continua sendo a principal potencial hegemônica mundial. Mas, atualmente, essa hegemonia está sofrendo uma concorrência, principalmente da China. Em pouco tempo a economia chinesa pode se tornar a primeira do mundo e, por isso, os EUA estão reagindo para barrar esse crescimento. Uma das formas é desestabilizar os países que se articulam e se relacionam com a China. Os norte-americanos estão empenhados em desestabilizar os países que compõem um bloco desenvolvimentista e que não estão exatamente mais sob o seu controle, como Brasil, Rússia e outros países da América Latina. Não tenho dúvida que haja a inteligência do império estadunidense nesse movimento que estamos vivenciando. Claro que eles não vêm mais para o Brasil da forma como vinham antigamente, com tanques e exércitos. Atualmente, eles vêm através de políticos de direita, empresários de direita, procuradores de direita e juízes de direita. Ou seja, por meio dessas forças instaladas aqui no país é que os Estados Unidos tentam retomar a ofensiva sobre nossas riquezas e contra o povo brasileiro.

O que a questão energética representa nesse contexto?

A energia é aquele item da sociedade que possibilita a ampliação da capacidade de trabalho dos trabalhadores. A energia elétrica, por exemplo, produz mais do que qualquer outra operação realizada pela força da própria mão. Nesse sentido, ela amplia a capacidade de trabalho e é fundamental para o desenvolvimento de qualquer sociedade. Como o capitalismo busca produzir cada vez mais mercadorias, a energia se torna central. Por isso, o controle por esse recurso se torna estratégico. Como o Brasil possui uma fonte energética muito grande – água para produzir energia através das hidrelétricas, terra para produzir cana-de-açúcar para produzir álcool e petróleo –, ele se torna um alvo muito visado. Brasil e Venezuela, juntos, detém mais de 400 bilhões de barris de petróleo. Só o Brasil tem petróleo para suprir por 100 anos nosso consumo interno. O que eles querem é se apropriar dessas potencialidades e das empresas que tratam da questão energética no Brasil, como a Petrobrás, Eletrobrás e tantas outras.

Caso ocorra o impeachment da presidenta Dilma, qual seriam os malefícios ao povo brasileiro?

Primeiramente, é necessário reafirmar que a retirada da presidenta da república sem crime cometido é um golpe. Se isso ocorrer haverá um aumento exponencial das violações dos direitos humanos, direitos trabalhistas serão retirados e muitas riquezas brasileiras serão privatizadas. A grande luta da esquerda brasileira é evitar que a extrema direita, que não tem mais pudor de exaltar o fascismo e o nazismo, dite o rumo do país. A previsão que nós fazemos é de um longo período de enfrentamento e embates entre os que querem um Brasil soberano, democrático, justo e igualitário contra aqueles que só querem se apropriar dos recursos nacionais em benefício próprio.

Por fim, qual é o principal desafio da esquerda brasileira nesse momento?

O principal desafio da esquerda brasileira é resistir ao golpe e manter um grande grau de unidade para construção de um novo projeto de país. Isso é fundamental. Além disso, precisamos criar uma articulação de caráter internacional que consiga não só no Brasil, mas em toda América Latina, barrar essa onda conservadora e apontar para um futuro melhor.

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