Uma reflexão sobre símbolos da natureza, guiada pelo vôo do sabiá
Publicado 18/12/2025

“Sei que ainda vou voltar
Vou deitar à sombra
De uma palmeira que já não há
Colher a flor que já não dá
E algum amor, talvez possa espantar
As noites que eu não queria
E anunciar o dia”Sabiá – Chico Buarque e Tom Jobim, 1968
Uma leitora atenta do nosso ultimo texto “A águia, o canhão e o arrozal” percebeu que a identificação da águia com a violência imperialista pode ser uma injustiça. Diz ela que “é fato que a águia tem características de poder, visão aguçada, autoridade, mas também é um dos animais simbólicos em várias culturas, inclusive por estas características. O imperialismo é tão perverso, não tem pedra sobre pedra. Tadinha da águia, não merece esta comparação!”
É quase uma outra crônica da nossa aguçada militante, artista, modelo, artesã, estilista, criadora e criativa Fernanda Portes. Fiquei pensando, em minhas horas de devaneio, o quanto a águia pode ser outras coisas, todas as coisas, assim como nós.
Na Grécia, é relacionada a Zeus, o Senhor dos Deuses, que a utiliza como mensageira. Nas culturas indígenas americanas, a águia é a ave sagrada que simboliza a conexão entre o homem e o universo. Para os celtas, traz avisos e presságios de outros mundos guiando espiritualmente os que estão nessa dimensão terrena. No Egito antigo, está associada à alma que ascende após a morte em busca de renascimento. Na mitologia nórdica e germânica, a águia vigia o mundo com Odim, que a todos governa.
Mas, enquanto as águias voam com suas representações no tempo e no espaço, eu olho os céus azuis e escuto desde a manhã o canto dos pássaros vizinhos. São tantos e coloridos e diversos. Penso naqueles que poderiam ser nossa majestade. Pesquiso, pergunto, curioso com uma resposta que seja justa. Em certo momento, chega nas asas de uma inspiração relâmpago, Roberta Miranda e Jair Rodrigues cantando:
“Meus pensamentos tomam formas, eu viajo
Vou pra onde Deus quiser
Um videotape que dentro de mim retrata
Todo o meu inconsciente de maneira natural.Ah! Tô indo agora prum lugar todinho meu
Quero uma rede preguiçosa pra deitar
Em minha volta, sinfonia de pardais
Cantando para a majestade, o sabiá
A majestade, o sabiá.”A majestade, o Sabiá – Roberta Miranda
Vem de longe minha resposta, da música que é tocada enquanto batem as asas de alguma águia vinda de outros mundos espirituais esquecidos. Eis nosso transmissor de bons presságios, canto majestoso, guardião do mundo. E entre tantos sabiás, vejo o sabiá-laranjeira, oficialmente o pássaro símbolo do Brasil desde 2002. Um mensageiro que desbancou a arara e o tucano. Presente em quintais e parques de todo o país, deixa um canto nostálgico, que muitos atribuem ao anúncio da chegada das chuvas. Olavo Bilac e Gonçalvez Dias celebraram esse canto em mais de um verso, tais como “minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá”.
Águias e sabiás voam sobre nós. O tempo passa, o mundo gira, tudo muda e se transforma. E, ao final de tudo, queremos apenas uma coisa: voar como eles.
