CRÔNICA | A águia, o canhão e o arrozal

Uma reflexão sobre a violência do imperialismo e a resistência que atravessa povos, tempos e lutas na América Latina

IV Encontro Internacional de Atingidos por Barragens e Crises Climáticas. Belém (PA), novembro de 2025. Foto: Joyce Silva / MAB

Seremos as sementes da esperança enquanto a ave imperial nos ameaça com pânico e guerra.

Estádio do Chile. 16 de setembro de 1973. Esmagaram as mãos de Victor Jara. Quebraram seus ossos. Alvejaram com 44 tiros. Foi a primeira grande chacina da ditadura de Augusto Pinochet no país, que foi o primeiro laboratório neoliberal da América Latina.

30 mil pessoas foram assassinadas apenas no Chile, para que o projeto que varreu o mundo fosse consolidado. A águia do imperialismo ganhou novas formas de domínio, apropriações, extermínios.

Mais um capítulo na história deste sistema que nasceu e é sustentado pela violência. Brutal, contínua, ininterrupta. Fomes provocadas, golpes, genocídios, escolas de torturas, massacres, invasões militares, mutilações; guerras com armas químicas, biológicas e nucleares; ataques cirúrgicos que matam mulheres e crianças famintas na fila do pão e os enterra em valas comuns, que tem o olho de manifestantes como alvo preferido, que naturaliza o assassinato cotidiano de mulheres, que mistura corpos negros ao rejeito da mineração. Esse é o capitalismo real, desnudado, sincero.

A águia imperialista que lança bombas em nome da “democracia”, quer mais, precisa de mais. Seu domínio de terror está ameaçado e eles precisam de terra, território e energia. Nos ameaçam com bombardeios e fuzis na Venezuela, governam a Argentina por procuração nas mãos de um lunático, ameaçam Colômbia e México, instabilizam regiões inteiras com terror psicológico permanente, assassinam pessoas inocentes em alto mar por puro exercício de poder.

Os olhos marejados e perplexos, que veem de novo a história se repetir como farsa, se recusa a acreditar que aquele é o fim. O tempo nunca acaba, apenas um tipo dele.

Penso nisso ao relembrar as mãos esmagadas e os ossos triturados de Victor Jara. Músico, poeta, diretor de teatro, dirigente partidário comunista que, em 1971, lançou a música que deu título ao álbum: “O direito de viver em paz”. A composição é uma mensagem de solidariedade às lutas dos trabalhadores e trabalhadoras no Vietnã.

“Tio Ho, nossa canção
É fogo de puro amor
É pombo pombal
Oliveira do olival
É o canto universal
cadeia que fará triunfar
Poeta Ho Chi Minh
Que golpeia de Vietnam
A toda humanidade
Nenhum canhão apagará
O sulco do teu arrozal”. (Victor Jara)

Tão profunda, simples, poética, dislacerante. O imperialismo vencido no Vietnã sempre retorna e ameaça espalhar o pânico, provocar caos nas fronteiras, forçar a militarização de um continente que é região de paz. Esmagar as mãos e os pés de quem ousar dizer: não!

Victor nunca morreu. Esmagaram seu corpo, não seu legado; não feriram de morte a esperança e a certeza de que a luta é antirracista, antipatriarcal e, decisivamente, antimperialista.

Continuaremos a resistir e a semear esperança, porque temos o direito de viver em paz na América Latina e em todas as partes do mundo. O canhão não vencerá o arrozal!


Thiago Alves é jornalista e militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em Minas Gerais.

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