Projeto da Fiocruz e MAB que pesquisa a saúde dos atingidos chega em Jequié (BA)
O município viveu nos Natais de 2021 e 2022 enchentes que atingiram milhares de pessoas pela abertura das comportas da Barragem de Pedra
Publicado 01/09/2025

“Dias depois, achei no pátio a bacia que estava preparando o salpicão. As roupas novas que eu tinha comprado para usar no Natal, se foram do varal, sem nunca terem sido usadas. Hoje eu já não lavo mais roupa quando eu compro, já coloco no corpo pra ter certeza que vou usar”. O que conta Jeiziane Machado Brito, atingida e membro da coordenação estadual do MAB, é parte do sofrimento vivido pela população de Jequié, no Sudoeste baiano, no Natal de 2022. Em 25 de dezembro daquele ano, a abertura das comportas da Barragem de Pedra inundou o município, atingindo mais de 30 mil pessoas. A enchente, que também havia acontecido no mesmo dia do ano anterior, deixou dores até hoje sentidas pelos atingidos.
Este contexto motivou que Jequié fosse escolhido como um dos cinco territórios para a pesquisa desenvolvida entre o MAB e Fiocruz, em parceria com o Ministério da Saúde. Entre os dias 25 e 29 de agosto, as pesquisadoras visitaram cerca de 30 famílias no município em três bairros diferentes para compreender a realidade atual da saúde da população, especialmente considerando os impactos da Barragem de Pedra, a situação de extrema violência, as recorrentes enchentes e as violações de seus direitos.


Cleidiane Barreto, membro da Coordenação do MAB na Bahia, ressalta a importância do desenvolvimento do projeto em Jequié:
“A pesquisa da Fiocruz e MAB é uma oportunidade dos atingidos terem um espaço de escuta das suas angústias e da sua situação, mesmo quase três anos depois da enchente. Em todo o município, essa população foi invisibilizada durante este tempo e nenhuma ação de reparação foi feita. Apesar de não ter tido vítimas fatais, a abertura das comportas deixou a saúde da população muito fragilizada, com altos índices de adoecimento mental e diversos casos de doenças após a enchente, como viroses e doenças de pele”, relata Cleidiane.
A ausência de reparação também é para Jeiziane um dos principais agravantes do adoecimento da população após a enchente e, ao mesmo tempo, uma das lutas primordiais do MAB no território: “Nós precisamos de reparação. Temos um processo contra a CHESF e cobramos sempre o andamento desse processo. Como vão ficar as pessoas que perderam tudo e que até hoje não têm casa para morar? E as que perderam suas mercadorias na feira? Como esse povo vai ficar sem justiça? E se acontecer novamente, se a CHESF errar de novo?”, questiona a atingida.
Mulheres negras são maioria na população atingida
A situação de vulnerabilidade em Jequié assusta quem ouve o relato dos atingidos e conhece a realidade da população. Durante as visitas ao Bairro Joaquim Romão e aos Residenciais Mandacaru 1 e Vida Jequié, o grupo escutou inúmeras angústias de quem perdeu tudo e até hoje não tem esperança.

A pesquisadora da Fiocruz Minas, Priscila Neves, conta que foram dias intensos de escuta e troca com as comunidades, que já viviam em situação de vulnerabilidade, agravada pelo alagamento. “Quase três anos depois, os impactos ainda são profundos: depressão, ansiedade, crises de pânico, além da perda de trabalho e renda. A empresa responsável não foi responsabilizada e a luta por reparação continua”, aponta Priscila.
Durante a pesquisa, além de visitar as casas atingidas, o grupo também esteve no Mercado Público do Município e conversou com outros atores chaves, como agentes comunitárias de saúde – que também foram atingidas – e representantes da Defensoria Pública da Bahia. A programação contempla, em todos os territórios, um encontro em grupo que discute como o ambiente reflete no corpo de cada pessoa, ampliando o conceito de saúde.
Este grupo, em Jequié formado em sua maioria por mulheres negras, evidenciou um destaque importante que Priscila aponta no perfil dos atingidos: “O racismo ambiental se revela de forma escancarada: os atingidos têm gênero, raça e classe social. Além das consequências diretas da enchente, a população convive diariamente com violência urbana e a guerra do tráfico, intensificando o medo e a insegurança”. Para a pesquisadora, “este projeto é sobre dar voz, visibilidade e dignidade às pessoas que lutam por justiça socioambiental”.
Vigilância popular em saúde
O objetivo do projeto construído entre o MAB, Fiocruz e Ministério da Saúde é promover e apoiar ações de vigilância popular em saúde, preparando as populações de cada território para identificar, monitorar, comunicar e registrar quaisquer problemas de saúde na população, especialmente aqueles causados pela construção de barragens ou por eventos climáticos.
O aprofundamento do conceito de vigilância popular é o segundo passo do projeto, através de oficinas nos territórios pesquisados este ano. Prevista para 2026, esta etapa será realizada após o término das pesquisas com os atingidos nos cinco territórios: Canoas (RS), Cametá (PA), Jequié (BA), Fortaleza (CE) e São Sebastião (SP).
