Pará entrega a água ao capital privado e MAB denuncia: água não é mercadoria! O povo precisa ser ouvido
O Governo do Pará privatizou os serviços de água e esgoto por 40 anos, concedendo-os à Aegea Saneamento, sem consultar a população. O MAB critica a falta de debate e alerta para o risco de tarifas altas, que podem inviabilizar o acesso à água, um direito humano
Publicado 07/08/2025 - Actualizado 07/09/2025

O governo do estado do Pará oficializou a privatização em massa do saneamento básico, concedendo à iniciativa privada, por 40 anos, os serviços de abastecimento de água e esgoto de 126 dos 144 municípios paraenses. A empresa Aegea Saneamento foi a única participante dos quatro leilões realizados ao longo deste ano, e agora controla praticamente todo o sistema de saneamento do estado.
A concessão foi feita sem concorrência, sem audiências públicas, sem diálogo com a população atingida e com ágio mínimo sobre o valor estipulado. O processo ocorreu em etapas: a Aegea venceu os blocos A, B e D em abril e, após o fracasso do primeiro leilão do Bloco C, voltou a vencer sozinha o novo certame em 5 de agosto.
“Esse modelo de concessão é um ataque direto ao direito à água, à soberania popular e à democracia. Entregar a água ao setor privado é transformar a vida em lucro”, denuncia o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O que está em jogo no Pará?
Blocos leiloados:
Bloco A: 44 municípios – R$ 1,1 bilhão de outorga, R$ 6,6 bilhões em investimentos;
Bloco B: 29 municípios – R$ 140,9 milhões de outorga, R$ 3,1 bilhões de investimentos;
Bloco C: 27 municípios (incluindo Altamira, Santarém, Óbidos, Itaituba, Alenquer) – R$ 3,6 bilhões em investimentos, outorga parcelada de R$ 400 milhões;
Bloco D: 26 municípios – R$ 117,8 milhões de outorga, R$ 5,4 bilhões de investimentos.
Total estimado: R$ 18,8 bilhões em contratos, por 40 anos, com promessa de universalização da água até 2033 e do esgoto até 2040.
A Aegea agora atua em 126 municípios paraenses, incluindo zonas urbanas e rurais, e mais de 39 milhões de pessoas no Brasil.
Por que o MAB se posiciona contra esse modelo?

1. Privatização sem debate público
Nenhum dos leilões teve audiência pública ampla com participação popular. A maior parte da população afetada sequer sabia que seus serviços seriam entregues a uma empresa privada por quatro décadas.
2. Tarifas impagáveis para os mais pobres

Em muitos municípios, como Altamira, Santarém e Breves, as simulações apontam que a tarifa de água e esgoto pode ultrapassar R$ 200 mensais. Isso é incompatível com a realidade de milhares de famílias que vivem com menos de um salário mínimo ou dependem de programas sociais como o Bolsa Família.
3. Serviços precários e aumentos abusivos
A empresa Aegea, que agora domina o saneamento no Pará, já é alvo de denúncias em outros estados, como Rio Grande do Sul e Mato Grosso do Sul. Há registros de:
- Aumento de até 400% nas contas;
- Interrupções frequentes no abastecimento;
- Falta de investimento em periferias e zonas rurais;
- Redução da transparência e do controle social
4. Regiões vulneráveis continuam excluídas
Municípios do interior, ribeirinhos, comunidades quilombolas e indígenas seguem sem garantia de acesso à água potável, pois o modelo privatizado prioriza a lógica do lucro e não há obrigação de atender regiões com baixo retorno financeiro.
5. Perda da soberania sobre um bem essencial
Com contratos de 40 anos, o estado do Pará fica refém da lógica empresarial. Reverter esses contratos será quase impossível, mesmo diante de má gestão.
O Pará é um dos estados com os piores indicadores de saneamento do país
Segundo dados do Instituto Trata Brasil, três das 20 cidades com os piores indicadores de saneamento estão no Pará: Belém, Ananindeua e Santarém. Em muitas regiões:
- Menos de 70% da população tem acesso à água tratada;
- Menos de 15% tem acesso à rede de esgoto;
- As perdas no sistema chegam a 50% da água produzida
Mesmo assim, o governo optou por um modelo de concessão que fragiliza o papel do Estado e exclui o povo das decisões.
O que o MAB defende
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) acredita que:
- Água é um direito humano, não pode ser tratada como mercadoria;
- A gestão pública com controle social é a única capaz de garantir acesso universal, tarifa justa e planejamento de longo prazo;
- O Pará tem recursos próprios para investir em saneamento. Os royalties de empreendimentos como Belo Monte somam mais de R$ 115 milhões por ano e devem ser destinado à ampliação da rede de água e esgoto, à coleta seletiva e à educação ambiental.
O que exigimos:
- Suspensão da assinatura definitiva dos contratos até que haja ampla escuta popular;
- Audiências públicas nos 126 municípios envolvidos;
- Criação de Conselhos Populares de Saneamento, com poder de fiscalização;
- Investimento público prioritário nas áreas rurais, ribeirinhas e periferias urbanas;
- Tarifa justa e acesso garantido à água potável para toda a população.
A contradição da COP-30
Em novembro, o Pará sediará a COP-30, maior evento climático do planeta, e promete ser referência em sustentabilidade. No entanto, entrega à lógica do capital privado, a gestão da água, bem mais essencial que qualquer discurso ambiental.
“É uma contradição sediar a COP-30 e privatizar a água ao mesmo tempo. Não há justiça climática sem justiça social. A água é parte da vida, não do mercado”, afirma Jackon Lima, militante do MAB.
A luta continua
Essa privatização imposta não é o fim da história. O povo do Pará segue organizado. O MAB, junto com comunidades urbanas e rurais, movimentos sociais, sindicatos e pastorais, continuará exigindo transparência, participação popular e soberania sobre os bens comuns.
Água para a vida, não para o lucro.
A população precisa ser ouvida!
