Caravana Interministerial visita territórios da Bacia do Rio Doce para apresentar Novo Acordo

Ação do Governo Federal, realizada no mês de março, percorreu cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo para dialogar acerca dos recursos da repactuação junto às comunidades atingidas

Caravana Interministerial na cidade de Aimorés (MG). Foto: Nívea Magno / MAB
Caravana Interministerial na cidade de Aimorés (MG). Foto: Nívea Magno / MAB

Entre os dias 24 e 28 de março, representantes do Governo Federal percorreram 22 territórios da Bacia do Rio Doce para apresentar as ações e compromissos firmados a partir do Novo Acordo de Repactuação, feito para a reparação dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Mariana (MG).

O principal objetivo da Caravana Interministerial foi apresentar os novos termos do acordo e promover um diálogo com as comunidades, esclarecendo dúvidas e ouvindo sugestões. Essa abertura ao diálogo só se tornou possível graças à mobilização das próprias comunidades, que, em parceria com o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), exigiram uma construção popular do acordo — já que ele havia sido elaborado sem a participação dos atingidos.

O MAB, além de acompanhar de perto a passagem da Caravana em diversas cidades de Minas Gerais, também organizou e coordenou as reuniões ocorridas nos territórios de Aimorés, Mariana, Ilha do Rio Doce (Caratinga), Cachoeira Escura (Belo Oriente) e Barra Longa.

O Novo Acordo de Repactuação da Bacia do Rio Doce

Homologado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em novembro de 2024, o Novo Acordo de Repactuação do Rio Doce surge com o objetivo de fortalecer a reparação dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão em Mariana. Participaram da renegociação as empresas responsáveis pelo crime — Samarco, Vale e BHP Billiton — junto à Advocacia-Geral da União (AGU), Procuradoria-Geral da República (PGR), Defensorias Públicas da União, de Minas Gerais e do Espírito Santo, além dos Ministérios Públicos dos respectivos estados.

O acordo prevê a aplicação de R$ 132 bilhões em recursos ao longo de 20 anos. Deste montante, R$ 100 bilhões serão destinados a entidades públicas — União, governos estaduais e municípios — para execução de projetos ambientais e socioeconômicos, como o Programa de Transferência de Renda. Os outros R$ 32 bilhões serão voltados à recuperação de áreas degradadas, reassentamento de comunidades, remoção de sedimentos e pagamento de indenizações, sob responsabilidade da Samarco.

A gestão do novo acordo ficará a cargo do Governo Federal, por meio de estruturas como o Comitê do Rio Doce, o Comitê Financeiro do Fundo do Rio Doce e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que será responsável pela administração dos recursos e execução dos projetos.

Entre as iniciativas previstas estão:

  • Programa de Transferência de Renda (PTR) para agricultores e pescadores;
  • Programa Especial de Saúde do Rio Doce;
  • Projetos de fomento à economia local, às cadeias agropecuárias e florestais, e à educação, ciência e tecnologia;
  • Fundo popular para projetos da sociedade civil e movimentos sociais;
  • Apoio às Assessorias Técnicas Independentes (ATIs);
  • Projetos de recuperação e compensação ambiental geridos pelo Fundo Ambiental;
  • Fortalecimento da Assistência Social e da Previdência Social.

Participação Popular e Desafios

Durante a Caravana, ficou evidente a insatisfação e a frustração dos atingidos e atingidas. Em várias cidades de Minas Gerais, onde o MAB acompanhou a manifestação das comunidades, era visível a indignação de pessoas que, após quase 10 anos do crime, ainda esperam por uma reparação justa e efetiva.

Na cidade de Aimorés (MG), líderes locais, como Miguelito Teixeira, de Conselheiro Pena (MG), entregaram uma Carta Manifesto dos pescadores e produtores agrícolas, ressaltando as dificuldades para restabelecer a geração de renda diante dos danos contínuos: a água contaminada compromete a pesca e a agricultura, além de ocasionar problemas de saúde recorrentes na região

Marília Vieira, de Itueta (MG), expressou preocupação com a contaminação da água e dos alimentos na região. Ela enfatizou a urgência da realização do Estudo de Risco à Saúde Humana, que deve ser conduzido pela Fiocruz com a participação ativa das pessoas atingidas, que já vêm organizando redes de vigilância em saúde em suas comunidades. Seu apontamento é também uma crítica aos últimos estudos sobre a contaminação que foram realizados pela AECOM – empresa norte-americana intitulada como perita no crime da Samarco. A empresa já atuou junto à Vale em outros processos de reparação, e isto levanta dúvidas sobre a imparcialidade e a confiabilidade dos dados apresentados.

Miguelito Teixeira, atingido da cidade de Conselheiro Pena, durante Caravana Interministerial de Aimorés (MG). Foto: Nívea Magno / MAB 
Miguelito Teixeira, atingido da cidade de Conselheiro Pena, durante Caravana Interministerial de Aimorés (MG). Foto: Nívea Magno / MAB 

Em Barra Longa (MG), moradores citaram as inseguranças vividas pelos atingidos que moram em habitações temporárias, frente à ameaça de despejo que vêm enfrentando. A ausência de infraestrutura de saúde também é uma queixa, já que a cidade não possui hospital e a população se encontra adoecida física e mentalmente devido às consequências do crime ambiental.

Ainda na cidade, um ponto central também foi a situação do Quilombo de Gesteira, comunidade diretamente afetada pelo rompimento, mas que foi excluída do Anexo 3 do Acordo, que define as comunidades tradicionais com acesso aos direitos previstos.

“Um quilombo não precisa de certificado para ser classificado como tal, ele se baseia na autodeclaração. Mas o mesmo governo que definiu esses critérios nos excluiu da lista dos Povos e Comunidades Tradicionais do Novo Acordo, retirando nossos direitos” afirmou Simone Silva, liderança do Quilombo de Gesteira (Barra Longa/MG).

Quilombo de Gesteira em apresentação durante a Caravana Interministerial em Mariana (MG). Foto: Amanna Brito/MAB 
Quilombo de Gesteira em apresentação durante a Caravana Interministerial em Mariana (MG). Foto: Amanna Brito /MAB 

Em Cachoeira Escura (distrito de Belo Oriente – MG), as comunidades quilombolas de Córrego do 14 (Naque), Achado de Cima (Santana do Paraíso), Esperança (Belo Oriente) e Ilha Funda (Periquito) entregaram uma carta de reivindicações ao Governo Federal. A ação teve como objetivo denunciar as violações de direitos que essas comunidades vêm enfrentando. No documento, elas exigem o reconhecimento oficial como comunidades atingidas e a inclusão no Anexo 03 do Acordo e o acesso às políticas de reparação. Além disso, a carta apresenta outras demandas importantes, como investimentos em infraestrutura, saúde e educação quilombola, além de apoio à geração de renda e ao desenvolvimento sustentável.

Outro ponto apontado é que o Novo Acordo estabelece prazos curtos para a emissão do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) e do Registro Geral de Pesca (RGP), documentos essenciais para que os atingidos possam acessar o Programa de Transferência de Renda (PTR). Essa condição foi contestada durante as reuniões, onde as pessoas atingidas exigiram a ampliação dos prazos. No entanto, essa reivindicação não surgiu apenas nesses encontros — ela vem sendo feita há meses, desde a assinatura do Novo Acordo. Desde então, o MAB tem se mobilizado junto às comunidades para denunciar essa exigência inadequada, que acaba excluindo pessoas atingidas, com pleno direito de acesso, do programa.

Desde o início do processo de repactuação, em 2021, o MAB tem acompanhado de perto as negociações, apresentando propostas, denunciando a exclusão dos atingidos e cobrando participação efetiva. Com o governo Lula, houve avanços na abertura para o diálogo, mas, mesmo assim, a justiça impediu a participação direta dos atingidos nos espaços centrais de decisão. Embora o novo acordo represente um avanço em relação ao passado, ele ainda está longe de responder plenamente às necessidades das comunidades, e a ausência de um plano concreto de implementação local preocupa quem vive cotidianamente os impactos do crime.

O desafio agora é garantir que a repactuação não fique apenas no papel. A luta do MAB e das comunidades segue para conquistar uma participação social real na execução dos recursos — dentro e fora das estruturas do governo. O desejo é que os projetos cheguem aos territórios, respeitando os modos de vida dos povos atingidos, fortalecendo sua organização e promovendo unidade, renda e dignidade. Para isso, o Estado Brasileiro precisa estruturar sua atuação na região do Rio Doce com equipes permanentes, agendas específicas por grupo e comunidade, e políticas públicas articuladas pela Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (PNAB). Apesar da grande relevância da Caravana Interministerial, a repactuação só cumprirá seu papel se for um instrumento de ampliação de políticas públicas que, de fato, alcance a vida das pessoas atingidas.

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