Ocupação da SEDUC em Defesa da Educação Indígena: Uma Luta por Direitos e Dignidade

A ocupação chega ao seu terceiro dia com lideranças indígenas buscando diálogo, Governo do Estado omisso e Greve dos Professores marcada

Foto: Jordana Ayres

Desde a última terça-feira, 14, mais de 150 indígenas do Baixo Tapajós, e de diversas regiões do Pará, ocupam de forma pacífica a Secretaria de Educação (SEDUC) em Belém. O objetivo é reivindicar a revogação da Lei 10.820, aprovada em dezembro de 2024 sem consulta prévia aos povos indígenas. Essa lei revoga o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), n° 7.806 de 2014, e ameaça substituir o modelo de ensino por uma abordagem remota, representando um retrocesso nos direitos educacionais dos povos originários.

“O MAB está presente aqui na SEDUC, juntamente com outras organizações e movimentos sociais, para somar forças com os grupos indígenas de várias regiões do Pará. A Lei 10.820 é um retrocesso, desrespeita os direitos dos povos indígenas e diminui o acesso, que já é precário, a uma educação de qualidade”, afirmou Elaine Rodrigues, da Coordenação Nacional do MAB.

Indígenas ocupam a SEDUC em defesa da educação. Foto: Marcos Barbosa

A Lei 10.820, SOME e SOMEI

A Lei 10.820 representa um retrocesso significativo nos direitos educacionais dos povos indígenas, ameaçando sua identidade cultural e a qualidade da educação que recebem. Essa legislação destrói direitos historicamente conquistados pelos povos originários, especialmente ao eliminar o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME), que foi concebido para atender às necessidades específicas dos estudantes indígenas, respeitando suas culturas e modos de vida.

Com a proposta de substituição do modelo presencial pela modalidade de Ensino a Distância (EAD), que contará com o uso de centrais de mídia, a Lei 10.820 não considera as condições e os contextos das comunidades indígenas, muitas das quais carecem de infraestrutura adequada para o acesso à internet e tecnologias necessárias para a educação remota. O Sistema de Ensino Multicultural Indígena (SOMEI), que deveria promover uma educação inclusiva e contextualizada, também corre o risco de ser marginalizado, comprometendo a formação integral das crianças e jovens indígenas.

Governo Omisso

Enquanto a ocupação avança para o seu terceiro dia, o silêncio do Governo do Estado é criticado. O único a se pronunciar sobre o assunto até o momento foi o Secretário de Educação, Rossieli Soares, mas suas declarações destinam-se apenas à imprensa, sem qualquer contato direto com os indígenas ou professores, que também serão atingidos pela Lei 10.820.

De acordo com Auricelia Arapyum, liderança do povo Arapyum do Baixo Tapajós, nenhuma tratativa foi iniciada. “Saiu uma matéria com o secretário de educação, onde ele disse que a secretária dos povos indígenas do Pará está negociando. Em momento algum ela veio aqui falar com o movimento, então não tem negociação. É importante que o Governo venha para dialogar, para que possamos levar nossas reivindicações e eles tragam seus representantes para conversar conosco”, afirmou Auricelia.

Forças armadas foram direcionadas para impedir o acesso dos indígenas à Secretaria de Educação. Foto: Jordana Ayres

Apesar da omissão do Governo do Estado, uma grande quantidade de agentes da Polícia Militar e da Guarda de Choque se fazem presentes nas dependências da SEDUC. No primeiro dia da ocupação, forças armadas foram mobilizadas para bloquear a passagem dos indígenas. Relatos indicam que medidas extremas, como o corte de energia e o uso de spray de pimenta nos banheiros, foram empregadas para forçar a desocupação do espaço, evidenciando um confronto marcado pela violação de direitos e pela criminalização da luta indígena.

“Nós vamos continuar a nossa mobilização, a nossa resistência. A gente resiste há mais de 500 anos. Eles não vão nos cansar. E vamos continuar na luta até que o governo nos dê uma resposta”, afirmou a liderança indígena.

Movimento Ganha Força

Além da ocupação na SEDUC, indígenas de várias regiões do Pará estão realizando mobilizações no estado, com o intuito de aumentar a pressão em busca de diálogo com o Governo e fortalecer a luta contra a Lei 10.820. “As mobilizações começaram a nível de estado. No sul do Pará, estão começando a fechar a BR e, em outras regiões, como no Oeste, em Santarém, também vão fechar a BR 163. Vários indígenas estão vindo para cá (SEDUC). Como temos dito, não temos pressa.” afirmou Auricelia.

Seguindo a onda de protestos e apoio aos grupos indígenas, na manhã desta quinta-feira, 16, foi realizada uma grande Assembleia Geral dos professores, em Belém, onde a categoria decidiu entrar em greve. A paralisação começa no dia 23 de janeiro e reivindica a revogação imediata da Lei 10.820/2024.

A COP-30 é para quem?

É contraditório que, enquanto Belém se prepara para sediar a COP-30, um evento que busca promover a sustentabilidade e o respeito aos direitos humanos, o Governo do Estado crie uma lei que retira direitos fundamentais dos povos indígenas. Um contraste que deixa claro as intenções do governo em relação ao desenvolvimento sustentável e o compromisso com os povos da Amazônia.

“A COP-30 entrando será palco de manifestação em defesa dos nossos direitos e os nossos direitos são inegociáveis.” Afirmou liderança indígena Tupinambá para imprensa na tarde desta quarta-feira, 15.

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) se posiciona firmemente contra a violência policial e pede respeito aos direitos dos povos originários, oferecendo apoio aos indígenas na SEDUC. O movimento solicita ao Governo do Estado e ao Secretário de Educação, Rossieli Soares, que inicie negociações imediatas com os indígenas.

“As vozes dos povos indígenas precisam ser ouvidas e suas demandas atendidas. O MAB reforça que a educação deve ser um espaço de inclusão e valorização da cultura, e que a luta por esses direitos é uma questão de justiça e dignidade”, afirmou Iury Paulino, da Coordenação Nacional do MAB.

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