Barragem de São Roque: famílias que perderam casa e produção renovam esperanças de reparação após audiência pública
O Brasil de Fato visitou a região para mostrar os impactos socioambientais e o drama de quem não foi indenizado
Publicado 24/08/2023
Com a casa embaixo d’água, Amanda e Rodrigo hoje moram de favor com familiares. O jovem casal vivia em Passo de Teodoro Bento, uma das comunidades atingidas pela Usina Hidrelétrica de São Roque, em São José do Cerrito, no meio oeste de Santa Catarina.
“O alago só chegou, ninguém avisou, eu estava num dia comum, lavando roupa, quando o Rodrigo chegou e falou: ‘ó, estão falando que encheu a barragem’. Aí, a gente teve que sair imediatamente. Em uma hora já estava enchendo, em um dia já estava pra cima da minha lavanderia. O que a gente pode tirar a gente tirou. E o que não pode, ficou. Está tudo, a casa inteira, debaixo d’água”, relembra Amanda Santos Correa.
“Salvar mesmo foi bem pouca coisa. A maioria ficou perdido. Dá pra ver que a casa ficou inteira do jeito que estava, não foi desmanchado nada, está inteirinha aí a casa”, completa o marido.
Comunidades esvaziadas, famílias ilhadas, modos de vida destruídos. Esses são alguns dos impactos sofridos pelas 700 famílias atingidas pela Usina São Roque, hidrelétrica erguida pela empresa Nova Engevix no meio oeste de Santa Catarina.
O Brasil de Fato visitou a região para mostrar os impactos socioambientais e o drama de quem ainda não recebeu qualquer tipo de indenização por parte da empresa. A história completa deste drama também está disponível no nosso canal no YouTube.
“Procuramos a empresa e fomos quatro, cinco vez lá e eles disseram que nós não temos direito a nada”, completa Rodrigo.
Em abril de 2022, durante um período de fortes chuvas no estado, a empresa Nova Engevix começou a encher o lago que serviria como reservatório de água para a operação da Usina.
A água subiu rapidamente e além do previsto, cortando estradas e deixando famílias “ilhadas” nos municípios de Brunópolis, Vargem e São José do Cerrito.
O número de 700 famílias atingidas foi estimado pelo pelo MPF. Em pouco menos de 10 dias, uma área onde antes viviam 1,3 mil pessoas foi inundada. No planejamento divulgado às famílias, o processo duraria 3 meses.
O projeto também teve um impacto ambiental. Mais de 5 mil hectares de terra inundados repentinamente. Embaixo da água, milhares de araucárias, árvore símbolo de Santa Catarina, além casas, redes elétricas e animais mortos.
Muito pouco ou quase nada
Iniciada em 2011, a obra da Barragem de São Roque foi interrompida quando estava quase pronta, em 2016. A empresa faliu após a prisão de seus principais executivos durante a operação Lava Jato. A construção só foi retomada em 2021, após recuperação judicial, e administrada a partir de então pela Nova Engevix.
“Nós sempre passamos o sábado e final de ano com a família reunida. O nosso banquete de festa da família era embaixo daquelas duas árvores lá que hoje estão embaixo do lago aí”, disse o agricultor Lindomar Colaço, um dos atingidos
“Eles não ofereceram ajuda nenhuma. Nem pra avisar que a barragem estava subindo, eles avisaram. Eles não se importaram com nada”, recordou Amanda.
Até o momento, apenas 25 famílias foram realocadas para reassentamentos rurais coletivos construídos pela Nova Engevix. Segundo o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), essa é a modalidade de reparação mais justa para as famílias atingidas, porque considera a reconstrução das casas, de estradas, galpões e outras estruturas que existiam nas comunidades alagadas.
Sem mediações de advogados e do próprio MAB, a maioria das famílias aceitou propostas ínfimas da Engevix por meio de negociações individuais.
“Muitas famílias receberam cartas de crédito, receberam um valor em espécie muito abaixo da propriedade que tinham e muito abaixo do que era necessário para outras áreas nas mesmas condições que tinham anteriormente”, explicou Rodrigo Timm, da coordenação estadual do Movimento de Atingidos por Barragem
O casal de aposentados, João e Ivanita, recebeu apenas R$ 60 mil de indenização da Nova Engevix. Um valor que não recompensa os cinco hectares de terra perdidos.
“A nossa horta ficou dentro d’água, o poço d’água também. As nossas madeiras e fruteiras também estão dentro d’água. São atingidas”, afirmou João.
Audiência traz esperança
O MAB elencou 10 reivindicações prioritárias para assegurar os direitos das famílias, em audiência pública realizada no fim de junho. As demandas, que ainda não foram cumpridas pela empresa, estão previstas no licenciamento ambiental aprovado pelo Instituto do Meio Ambiente de Santa Catarina (IMA) para a construção da barragem
A proposição da audiência veio do deputado estadual Marquito (PSOL), presidente da Comissão de Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.
“A gente pretende enquanto Poder Legislativo e com a tarefa de fiscalização se não for cumprido, se não for acatado aqueles pontos levantados conforme foi abordado na audiência pública, a gente vai até a Justiça catarinense inicialmente, bem como também o Ministério Público Estadual, para que esses impactos sejam minimamente recuperados por essas famílias.”
De acordo com um levantamento feito pelo MAB a partir do despacho nº 2.904 do Ministério de Minas e Energia, o faturamento médio por hora da Usina pode chegar a cerca de R$ 49 mil – um faturamento médio anual de mais de R$ 425 milhões.
Outro lado
A Engevix, por meio do Consórcio São Roque, contesta os dados apresentados pelo MAB, afirmando que os valores não refletem a prática e são muito superiores à realidade da Usina.
A empresa afirma ter garantido alguma forma de reparação a 500 famílias e desembolsado R$ 300 milhões na aquisição de terras. Alega ainda que já foram investidos mais de R$ 4,1 milhões em compensação financeira às famílias. Leia aqui a íntegra das repostas da empresa.
Edição: Rodrigo Chagas